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TEORIA

Estado e latifúndio no Brasil contemporâneo

Por Dion Márcio Carvaló Monteiro, Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisador do Instituto Amazônia Solidária (IAMAS), integrante do Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS).

RESUMO

A violência contra povos indígenas e trabalhadores rurais não é algo novo no Brasil, assim  como não é novidade a estreita relação entre Estado e latifúndio neste país. De fato, essa concepção político-econômica está presente desde o início da colonização deste território, em diversos formatos. As “Capitanias Hereditárias”, sistema administrativo criado em 1534 por D. João III, dividindo o território brasileiro em grandes faixas e entregando estas a particulares, já apresentava este processo. Com o tempo, essa relação foi se “modernizando”, tomando formas do contemporâneo, onde a institucionalização garante os direitos das elites econômicas, e a legalidade não é palavra tão rígida assim. Hoje as políticas econômicas que privilegiam e fortalecem o agronegócio andam juntas com um arcabouço jurídico em atualização regressiva, fragilizando e retirando direitos constitucionais outrora garantidos. A tese aqui apresentada é que o processo de violência no campo se acentuou tão rapidamente, após o impeachment de Dilma Rousseff, porque, de fato, os setores que a promovem nunca estiveram fora do bloco no poder, impulsionados pelo projeto neodesenvolvimentista, implementado no início do século XXI.

INTRODUÇÃO

A violência contra povos indígenas e trabalhadores rurais não é algo novo no Brasil, assim como não é novidade a estreita relação que existe entre o Estado brasileiro e grandes “proprietários” de terra. De fato, essa concepção político-econômica está presente desde o início da colonização do território brasileiro, em diversos formatos. As Capitanias Hereditárias, sistema administrativo criado em 1534 por D. João III, dividindo o território brasileiro em grandes faixas e entregando a particulares, já apresentava este processo. Com o tempo, essa relação foi se “modernizando”, tomando formas do contemporâneo, onde a institucionalização garante os direitos das elites econômicas, e a legalidade não é palavra tão rígida assim.

Atualmente as politicas econômicas neodesenvolvimentistas, que privilegiam e fortalecem o agronegócio, andam juntas com um arcabouço jurídico em “atualização regressiva”, fragilizando e retirando direitos constitucionais garantidos em 1988. Redução de áreas protegidas, exploração econômica onde antes não poderia ocorrer, expropriação territorial de povos indígenas e comunidades tradicionais, incluindo  trabalhadores rurais, são identificadas o tempo todo nas chamadas “Casa do Povo”, o Congresso Nacional em particular.

Junto a isso vê-se também a modernização da pistolagem. Se antes este “serviço” era feito por indivíduos, os pistoleiros, que eliminavam camponeses, posseiros, religiosos, sindicalistas,  indígenas, e qualquer opositor ao latifúndio em troca de dinheiro, agora os serviços de pistolagem se escondem por trás de “empresas de segurança”, algumas com CNPJ e carteira assinada, verdadeiras milicias com “autorização para matar”. Em outros casos, as próprias forças de segurança do Estado cumprem este papel. O ataque aos índios Gamela no mês de abril/2017, no Maranhão, e o massacre de Pau d’Arco no mês de maio/2017, no Pará, mostram mais uma vez esta lógica perversa.

Trabalhando com um recorte temporal situado entre os anos 90 do século XX e o início do século XXI, resgata-se, no Brasil, o período pautado pelas políticas neoliberais, paradigma orientado pelos princípios do “Consenso de Washington” (desregulamentação, estado mínimo, globalização econômica e financeira, privatização, etc.). Com a implantação desta doutrina, os investimentos realizados pelo setor público, o principal agente de intervenção até aquele momento, tem sua desaceleração ampliada, o que já vinha ocorrendo desde meados dos anos 80, especialmente na região amazônica.

As dificuldades apresentadas pelas políticas neoliberais, exitosas em relação a estabilização da economia, mas que não conseguiram implementar um processo de distribuição de renda, possibilitaram o fortalecimento de outra proposta política e econômica para o País. A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, apoiado por uma ampla frente política, traz consigo o denominado ideário neodesenvolvimentista.

Aqui caracteriza-se neodesenvolvimentismo como um modelo político-econômico que se pauta, principalmente, no financiamento e na garantia de infraestrutura e logística para grandes empreendimentos, dando suporte para uma reprimarização high-tech da economia, fruto de processos neoextrativistas com alta capacidade tecnológica e de atingir os mercados globais (CASTRO, 2016; GUDYNAS, 2016), combinado com uma produção de commodities de elevado valor agregado, objetivando a acumulação de divisas a partir da exportação dos produtos gerados, o reinvestimento na economia nacional e a distribuição de parte destes ganhos através da geração de empregos e aplicação de políticas sociais de distribuição de renda.

Ilustrando esta caracterização, observa-se que entre o ano de 2002, ano anterior a posse do ex-presidente Lula da Silva, e o final de seu governo, em 2010, as commodities primárias passaram de 39% do total das exportações brasileiras, para 51%, considerando os seguintes grupos de produtos: commodities primárias; trabalho e recursos naturais; produtos de baixa, média e alta intensidade tecnológica; e outros (IPEA, 2011).

 

  1. NEODESENVOLVIMENTISMO E CONCILIAÇÃO DE CLASSES: fortalecendo as alianças com as elites econômicas nacionais

A proposta neodesenvolvimentista sustenta-se no seguinte tripé: programas de incentivo estatal a oligopolização da economia, com o fortalecimento de grandes grupos econômicos privados apoiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); programas de investimento público em infraestrutura, com ou sem parceria público-privada; e programas estatais de transferência de renda visando à valorização do mercado interno de consumo de massa, utilizando para isso, por exemplo, a política de bolsas (ALVES, 2014).

Em sua caracterização econômica, especificamente no que tange a produção, esta doutrina apresenta alguns elementos que se destacam, tais como: busca pelo aumento das exportações, especialmente de commodities; valorização do agronegócio; ampliação da infraestrutura de transporte de cargas (rodovias, ferrovias, hidrovias e portos); elevação da oferta energética; ampliação do mercado interno de consumo de massa; elevação da produção industrial; intensificação da exploração dos bens naturais; superavit da balança comercial; aumento da competitividade da economia, entre outros. Por outro lado, também prega o controle das contas públicas; respeito aos contratos e obrigações nacionais; controle de metas inflacionárias; preservação do superavit primário, etc.

Verifica-se que a transferência de recursos e responsabilidades à iniciativa privada é uma política que anda paralelamente, dando suporte às demais políticas econômicas neodesenvolvimentistas. Isto ocorre através das terceirizações; concessões públicas; leilões (especialmente gás e petróleo); transferências de gestão (utilizando as Organizações Sociais Civis de Interesse Público – OSCIPs); Parcerias Público-Privadas (PPP); ou ainda repassando recursos diretamente para as empresas realizarem os serviços ou isentando-as de impostos, como é o caso do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e do Programa Universidade para Todos (Prouni).

Mesmo sendo o neodesenvolvimentismo um projeto que apresenta diferenças, especialmente em seu caráter político, em relação à proposta neoliberal, a essência macroeconômica do primeiro encontra-se ancorada no segundo modelo. Comparando com o nacional-desenvolvimentismo, observa-se que, mesmo com limitações, este procurou implementar determinadas reformas estruturais, sem as quais é certamente impossível fugir dos limites impostos ao capitalismo periférico. Após mais de uma década de projeto neodesenvolvimentista no Brasil, não se verificaram ações que apresentassem mudanças estruturais como horizonte estratégico.

Analisando politicamente, observa-se que a frente que sustentou o projeto neodesenvolvimentista nos governos petistas foi ampla, composta por parte da grande burguesia interna; pelo operariado urbano e baixa classe média; por trabalhadores assalariados; por setores do campesinato; por trabalhadores desempregados e subempregados; e em maior quantidade pela grande massa populacional desorganizada, atendida pelas políticas de transferência de renda.

Segundo Boito (2012), esta frente política tinha algumas características que a definia, tais como: ser dirigida pela grande burguesia interna; incluir classes trabalhadoras que se encontravam fora do bloco no poder; desenvolver uma relação populista com a massa marginal; ter se constituído como o principal recurso político que levou a grande burguesia interna a ascender dentro do bloco hegemônico e; enfrentar o campo neoliberal ortodoxo, campo este composto, por sua vez, pelo grande capital financeiro internacional; fração burguesa brasileira integrada a esse capital; setores dos grandes proprietários de terra e alta classe média alocada no setor público e privado.

A grande burguesia nacional foi a força que dirigiu e mais ganhou com a política neodesenvolvimentista, estando presente na mineração, construção civil leve e pesada, setores do agronegócio, da indústria de transformação e também dos grandes bancos privados e estatais de capital predominantemente nacional, possuindo o favorecimento e a proteção do Estado na concorrência que empreendiam com o capital estrangeiro.

Nesse quadro, somam-se […] as linhas de crédito e financiamento para investimentos no exterior via BNDES, que viabilizaram a exportação de capital através do investimento direto em outros países da América Latina e África. Entre essas estão a Vale, Oderbrecht, Petrobras, Gerdau, CSN, BRF, JBS, OAS, Camargo Côrrea, Votorantin, Andrade Gutierrez, Marfrig, Usiminas, Suzano e outras (MORENO, 2015, p. 53).

 

Na outra ponta estavam o operariado urbano e a baixa classe média, que atuavam de forma organizada dentro desta frente; os assalariados, que tiveram seu poder de compra elevado com a recuperação do emprego e reajuste no salário mínimo; o campesinato, perseguido no governo FHC, e os trabalhadores sem terra ou com pouca terra, a camada camponesa mais marginalizada pelo neodesenvolvimentismo; os trabalhadores desempregados ou subempregados, que vivem do trabalho precário; além da massa popular marginal. Sobre este último grupo Boito faz a seguinte observação: “Eles formam uma base eleitoral desorganizada e passiva que é convocada a intervir no processo político apenas por intermédio do voto para sufragar os candidatos da frente neodesenvolvimentista” (BOITO, 2012, p. 11).

A proposta neodesenvolvimentista, ao incluir em seu projeto de conciliação de classes amplos setores da burguesia nacional (empreiteiras; mineradoras; agronegócio; etc.), fração que dá a direção política e econômica para esta frente, mas também o operariado urbano, assalariados, setores do campesinato (pouco ou quase nada atendidos pelo neodesenvolvimentismo), trabalhadores desempregados e a população não organizada e completamente excluída do processo econômico formal, faz com que este segundo bloco apenas complete o projeto do primeiro.

  1. ESTADO E LATIFÚNDIO: O que dizem os números

A análise anterior apresenta elementos que sustentam a tese que o modelo político-econômico adotado nos governos dos ex-presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff possibilitou a manutenção e posterior intensificação dos conflitos por terra no Brasil e na Amazônia, consequência da implementação de um projeto que privilegiou, entre outros setores da economia, o agronegócio e os proprietários de terra produtores de commodities. Outro importante fator que levou ao rápido recrudescimento do processo de violência no campo refere-se a que, de fato, os representantes do latifúndio nunca estiveram fora do bloco que estava e continua estando no poder.

Analisando brevemente a conjuntura recente, observa-se que o ano de 2015 foi bastante contaminado pela observação de uma crise econômica cujos reflexos não eram mais possíveis serem ocultados, crise essa que se expressava principalmente na redução das exportações brasileiras, mesmo que seu parceiro preferencial, a China, tenha reduzido suas importações bem menos que Europa e EUA, redução de exportações que desequilibrou a balança comercial e diminuiu os investimentos do setor produtivo da economia.

No campo político, as eleições presidenciais de 2014 tiveram o resultado mais  dividido desde o processo de redemocratização do país. Logo após o resultado das eleições, o candidato derrotado, Aécio Neves (PSDB), pede a cassação da chapa Dilma-Temer por abuso de poder econômico. Assim, o ano de 2015 foi, todo ele, repleto de manifestações de rua contra a ex-presidente Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores (PT), puxadas especialmente por setores da classe média e elites econômicas, com o apoio de grande parte dos veículos de comunicação da “grande mídia”.

Em dezembro de 2015, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), posteriormente preso em decorrência da chamada “Operação lava Jato”, aceita a denuncia e abertura de processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Em maio de 2016 a ex-presidente é afastada do cargo pelo Congresso Nacional, e em agosto do mesmo ano Dilma é cassada, assumindo o cargo de presidente do Brasil seu vice, Michel Temer (PMDB).

Aqui avalia-se que interpretações mais açodadas podem chegar a conclusão que a intensificação (incontestável) do processo de violência contra povos indígenas e populações tradicionais ocorre motivada por determinados grupos de poder que retomam o controle político nacional a partir daquilo que pode ser considerado um golpe político-institucional efetivado em agosto de 2016 (tamanha sua fragilidade legal). Porém, observando alguns dados, chega-se a outras conclusões.

O jornal “Pastoral da Terra” da Comissão Pastoral da Terra (CPT) – Edição Extra (Abril/2017) traz uma comparação entre a quantidade de famílias sem terra que foram assentadas nos governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT). O resultado é o seguinte: FHC (1995 a 2002) – assentou 540.704 famílias; Lula da Silva (2003 a 2010) – assentou 614.088 famílias (aproximadamente 13,5% a mais que FHC); e Dilma Rousseff (2011 a 2015) – assentou 133.689 família.

Se é verdade que Dilma Rousseff apenas conseguiu concluir, de fato, um mandato, pois o ano de 2015 foi totalmente comprometido pelas ações políticas das oposições, é verdade também que o total de famílias assentadas por ela foi pífio, mostrando claramente a paralisação do processo de reforma agrária no Brasil. Aqui há também de salientar que, comparando os oito anos dos governos FHC, de tendencia claramente neoliberal, com os oito anos de Lula da Silva, eleito com uma plataforma que  apresentava as políticas sociais como sua máxima prioridade, e que na eleição anterior havia afirmado “se for eleito, resolverei o problema da reforma agrária, com uma canetada” (CPT, 2009), o aumento de “apenas” 13,5% no número de famílias assentadas, em relação ao governo anterior é, no mínimo, decepcionante.

CONFLITOS POR TERRA – 2003 – 2016

Conflitos por terra20032004200520062007200820092010201120122013201420152016
Ocorrências de conflitos6597527777616154595286388058167637937711079
Ocupações/ retomadas391496437384364252290180200238230205200194
Acampamentos285150906748403635301314202722
Total1335133513981212102775185485310351067100710189981295

Fonte: Consolidado pelo autor a partir dos dados do Caderno “Conflito no Campo Brasil 2016” e Jornal “Pastoral da Terra”, abril de 2017, ambos da CPT.

 

Um elemento importante, extraído da tabela acima, refere-se a contínua queda no numero de acampamentos a partir de 2003, primeiro ano do governo Lula.  Neste caso, é fundamental lembrar que este tipo de ação (o acampamento) é uma das principais estratégias políticas utilizadas pelos principais movimentos e organizações que lutam pela terra e reforma agrária no Brasil. Em relação a isto a CPT observa o seguinte:

“A diminuição dos números das ações dos movimentos certamente é decorrência do número inexpressivo de assentamentos novos criados pelo governo. As famílias se cansam de esperar debaixo de lonas pretas sonhando conquistar uma terra, sonho que não se concretiza” (CPT, 2017, pág. 04)

Outro elemento que deve ser levado em consideração refere-se ao apoio politico que estes movimentos e organizações camponesas deram ao ex-presidente Lula da Silva, desde a campanha eleitoral de 2002, cedendo, inclusive, vários de seus melhores “quadros” para fazer parte do governo eleito, estando presente em diversos órgãos governamentais, secretarias e ministérios.

Seguindo uma dinâmica diferente daquela que se verificou com os acampamentos, o número de ocupações e retomadas apresentam uma queda consideravelmente menos acentuada, neste mesmo período. Aqui observa-se que, enquanto “ocupação” é uma ação política realizada por trabalhadores rurais, a “retomada” é um termo utilizado pelos povos indígenas para expressar o retorno as suas terras ancestrais, terras de onde foram expulsos justamente pelos predecessores daqueles que hoje representam o latifúndio e o agronegócio no Brasil, aliados preferenciais do neodesenvolvimentismo.

Outro exemplo refere-se ao que vem ocorrendo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), há cada ano sofrendo um paulatino esvaziamento, com drástica redução no montante de recursos disponíveis para investimento em infraestrutura nos projetos de assentamento, precarizando ainda mais as já difíceis condições de subsistência nestes espaços, estimulando, inclusive, os assentados a abandonarem os lotes que receberam. O site do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão informa que em 2010, último ano do governo Lula da Silva, o orçamento do INCRA era de aproximadamente 4,1 bilhões de reais. Porém, em 2014, final do primeiro mandato de Dilma Rousseff, esse valor caiu para aproximadamente 1,3 bilhões de reais. Cerca de 70% a menos quando comparado com 2010.

Além da redução no número de famílias assentadas e nos investimentos nos assentamentos, este órgão também sofreu impactos em relação a quantidade de pessoas disponíveis para realizar ações inerentes ao Instituto, tanto devido a não renovação dos contratos que foram encerrando, quanto em decorrência da não reposição dos técnicos que vão se aposentando (o último concurso para o Incra foi em 2010). Outra questão foi a grande redução de despesas, especialmente com material de consumo e bens de capital, inviabilizando, inclusive, as visitas técnicas e vistorias nos assentamentos.

Em relação aos povos indígenas, a situação é mais complexa ainda. A partir dos relatórios anuais elaborados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI),  comparando a quantidade de indígenas assassinados no governo neoliberal de FHC, e no governo neodesenvolvimentista de Lula da Silva, verifica-se o seguinte resultado: nos oito anos de governo FHC (1995 a 2002) foram assassinados 165 indígenas, com uma média de 20,65 indígenas/ano. Já nos oito anos do governo Lula (2003-2010) foram assassinados 452 índios, uma média de 56,5 indígenas/ano.

O Instituto Sócio Ambiental (ISA) fez um levantamento considerando todos os governos pós-redemocratização brasileira, ocorrida no ano de 1985, pontuando a quantidade de Terras Indígenas (TI) homologadas por estes governos, assim como a extensão territorial que estas homologações alcançaram, obtendo os seguintes resultados:

– José Sarney – Homologou 67 Terras Indígenas, correspondendo a uma extensão territorial total de 14.370.486 ha;

– Fernando Collor – Homologou 112 Terras Indígenas, correspondendo a uma extensão territorial total de 26.405.219 ha;

– Itamar Franco – Homologou 16 Terras Indígenas, correspondendo a uma extensão territorial total de 5.432.437 ha;

– Fernando Henrique Cardoso (1° mandato) – Homologou 114 Terras Indígenas, correspondendo a uma extensão territorial total de 31.526.966 ha;

– Fernando Henrique Cardoso (2° mandato) – Homologou 31 Terras Indígenas, correspondendo a uma extensão territorial total de 9.699.936 ha;

– Luiz Inácio Lula da Silva (1° mandato) – Homologou 66 Terras Indígenas, correspondendo a uma extensão territorial total de 11.059.713 ha;

– Luiz Inácio Lula da Silva (2° mandato) – Homologou 21 Terras Indígenas, correspondendo a uma extensão territorial total de 7.726.053 ha;

– Dilma Rousseff (1° mandato) – Homologou 11 Terras Indígenas, correspondendo a uma extensão territorial total de 2.025.406 ha;

– Dilma Rousseff (jan/2015 a maio/2016) – Homologou 10 Terras Indígenas, correspondendo a uma extensão territorial total de 1.243.549 ha;

Comparando os oito anos do governo (neoliberal) de FHC, com os oito anos do governo (neodesenvolvimentista) de Lula da Silva, verifica-se que FHC homologou 145 Terras indígenas, com uma extensão territorial de 41.226.902 ha, enquanto que Lula da Silva homologou 87 Terras indígenas, totalizando uma extensão de 18.785.766 ha. Porém, se a comparação for entre os dois mandatos de Lula e os dois anos e meio do governo Collor de Melo (mar/1990 a set/1992), os resultados são mais negativos ainda para o petista, pois Collor, no período que ficou no governo, homologou 112 TI, perfazendo uma extensão territorial total de 26.405.219 ha.

Tanto a análise da proposta neodesenvolvimentista, que também poderia ser chamada liberal-desenvolvimentista (sem nenhum exagero), incluindo a leitura de suas escolhas políticas e econômicas, onde fica evidente a definição do agronegócio como parceiro prioritário visando a exportação de commodities, fortalecendo a balança comercial (situação detalhada na parte dois deste trabalho), quanto os números e resultados apresentados na parte três deste texto, mostram claramente uma continuidade na relação privilegiada que existe entre governantes e latifundiários, no Brasil do século XXI.

Finalizando o presente texto, apresentam-se alguns nomes que assumiram o Ministério da Agricultura nos Governos Lula da Silva e Dilma Rousseff: Roberto Rodrigues; Reinhold Stephanes; Wagner Rossi e Kátia Abreu. Todos estes ruralistas ou representantes dos mesmos. Aos povos indígenas e trabalhadores rurais restou apenas esperar mudanças que, de fato, não ocorreram.

REFERÊNCIAS

ALVES, Giovanni. Trabalho e neodesenvolvimentismo: Choque de capitalismo e nova degradação do trabalho no Brasil. Bauru/SP: Canal 6 Editora, 2014.

BOITO Jr., Armando. As bases políticas do neodesenvolvimentismo. São Paulo: Fórum Econômico da FGV, 2012. Disponível em: <http://eesp.fgv.br/sites/eesp.fgv.br/files/file/Painel%203%20-%20Novo%20Desenv%20BR%20-%20Boito%20-%20Bases%20Pol%20Neodesenv%20%20PAPER.pdf >. Acesso em: 03 fev. 2016.

CASTRO, Edna. Saberes criticos  sobre a America Latina a partir da perspectiva da Pan-Amazônia. III Jornadas de Estudios de America Latina y El Caribe. Setembro de 2016. No prelo.

 

CIMI,  Relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados de 2003-2005

 

CIMI, Relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados de 2010. 2011.

 

CPT, Caderno Conflitos no Campo – Brasil 2016. 232 páginas: fotos, tabelas

 

CPT, Jornal Pastoral da Terra, Ano 34, nº 196. 2009

 

CPT, Jornal Pastoral da Terra, Edição Extra, Ano 42, nº 228. 2016

 

GUDYNAS, Eduardo. Transições ao pós-extrativismo: sentidos, opções e âmbitos. En: Descolonizar o imaginário. Debates sobre pós-extrativismo e alternativas ao desenvolvimento. Gerhard Dilger, Miriam Lang & Jorge Pereira Filho, org. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, 2016. pp 174-212.

 

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Exportações: o avanço das commodities.  Revista Desafios do Desenvolvimento, ano 8, edição 66. 2011.

 

ISA. Disponível <https://pib.socioambiental.org/pt/c/0/1/2/demarcacoes-nos-ultimos-governos>. Acessado em 15 out 2017.

 

MORENO, Camila. O Brasil made in China: para pensar as reconfigurações do capitalismo contemporâneo. São Paulo, Fundação Rosa Luxemburgo, 2015. 116p.