“Rei Momo abre as portas do meu Rio
Que sempre faz um carnaval dos carnavais”
(Billy Boy, César Reis e Élio Sabino, samba-enredo da Unidos do Porto da Pedra de 1996)
Por Bernardo Pilotto, do Rio de Janeiro
Em 1893, o então presidente Marechal Floriano quis transferir o carnaval para junho, argumentando que o carnaval no mês de fevereiro favorecia a transmissão de epidemias. Em 1912, novamente houve uma tentativa de proibição, desta vez por conta do luto pela morte do Barão do Rio Branco, que havia ocorrido dias antes.
Em ambas as ocasiões, as medidas não funcionaram. O que se viu, pelo contrário, foram carnavais ainda mais fortes, com mais gente brincando na rua. De lá pra cá, os registros de jornal mostram também uma série de blocos que, quanto mais proibidos, mais cheios ficavam. Foi assim com o Chave de Ouro, que desfilou por muitos anos na Quarta-Feira de Cinzas, o que era proibido pela Cúria Metropolitana.
Por isso que, para 2018, em plena gestão Crivella, podemos ter novamente um “carnaval dos carnavais” no Rio de Janeiro. E já temos alguns indícios para essa afirmação.
Em relação a 2017, já há mais blocos inscritos para fazer desfiles de rua em 2018. Mesmo com diminuição da verba que a Prefeitura fornecia para o carnaval de rua e com tentativas de enquadrá-lo apenas em determinados espaços da cidade, os blocos têm mostrado sua força, contando com o trabalho voluntário e militante dos seus membros e também com o apoio dos foliões através dos financiamentos coletivos na internet.
Para o desfile das escolas de samba, que continua atraindo a atenção de milhões de pessoas ao redor do mundo, teremos diversas agremiações com enredos bastante politizados, com destaque para a Estação Primeira de Mangueira, que vai para a avenida trazendo um enredo (“Com Dinheiro Ou Sem Dinheiro Eu Brinco”) que questiona os próprios rumos do desfile e que bate de frente com o Bispo Crivella.
Um embate entre dois modelos de cidade
No segundo turno das eleições para as prefeituras brasileiras em 2016, o embate mais antagônico se deu no Rio de Janeiro. Isso porque a disputa se deu entre Marcelo Freixo, do PSOL, e o Bispo Marcelo Crivella, do PRB. Apesar da forte mobilização popular em torno da campanha de Freixo, a candidatura de Crivella foi vencedora, fazendo com que um projeto liberal nas questões econômicas e ultra conservador em relação às liberdades individuais fosse vitorioso.
Nesse primeiro ano à frente da prefeitura, Crivella tem procurado aplicar seu projeto a todo custo. Assim como faz Michel Temer e o governador Pezão, mantém um forte ajuste fiscal em relação aos gastos com políticas públicas, deixando inclusive trabalhadores da saúde sem salários. Mas, seu projeto conservador não vem só a partir de questões econômicas: a prefeitura de Crivella tem se caracterizado por um enfrentamento, como há muito não se via, com a área cultural, com o carnaval, as escolas de samba, os blocos de rua.
Ao longo de 2017, por diversas vezes, a prefeitura tentou acabar com eventos de rua, como as rodas de samba que acontecem em diversas praças do centro da cidade. Quando não tentou acabar na forma de repressão direta, buscou causar confusão, como quando autorizou dois eventos absolutamente diferentes (uma feira de livros e uma corrida) no começo de dezembro na Praça Mauá. E isso tudo numa cidade que tem uma tradição muito grande de realizar eventos na rua.
Além de atacar os eventos de rua cotidianos, a prefeitura partiu para o ataque em cima do carnaval, utilizando-se de um argumento perverso, que opôs carnaval às creches. Sob o argumento de que gastava com “apenas 4 dias do ano”, Crivella anunciou que utilizaria o dinheiro que era destinado às escolas de samba para melhoria das creches. Acontece que, na prática, o dinheiro foi tirado do carnaval e não foi investido em creches, na educação ou na compra dos remédios que faltam nas unidades de saúde.
A argumentação de Crivella é perversa visto que faz uma tosca separação entre cultura e educação e desconsidera os blocos e escolas de samba como espaços que funcionam o ano inteiro (e que inclusive geram uma grande gama de empregos). Traz, também, uma visão moralista, como se fosse algo errado haver diversão durante os momentos de crise econômica.
É verdade como muita coisa no carnaval poderia ser mudada. Já passou da hora de democratizarmos diversos aspectos da festa, especialmente nos pontos relativos à gestão dos desfiles de escolas de samba pela LIESA (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro). Apontamos como esse foram feitos pelo relatório da Comissão do Carnaval da Câmara Municipal. Mas as críticas de Crivella nada tem a ver com melhorar a festa. Sua intenção é apenas o aniquilamento do carnaval e ponto final.
Uma origem de resistência
Em 2018 o carnaval vai mostrar, mais uma vez, que estão errados aqueles que afirmam que a festa é apenas um espaço de alienação do povo.
Desde sua origem, ele é uma afirmação de liberdade perante a tradição religiosa da quaresma, que previa jejuns e outros sacrifícios nos 40 dias que antecedem a Páscoa. No Brasil, tornou-se a festa onde o povo tem direito de se divertir e brincar, de ironizar os governantes, de afirmar sua religiosidade afro-brasileira. De ser, enfim, pleno, ainda que apenas por alguns dias.
O carnaval se consolidou então como uma “festa de inversão”. É o momento do ano que podemos nos despir da fantasia que usamos todos os dias, é quando as escolas são de samba e a chave da cidade fica sob posse do Rei Momo. São aqueles dias mágicos que a cultura e a alegria invadem a metrópole e o som das buzinas das ruas do centro da cidade são substituídas pelos acordes endiabrados de cavaquinhos, violões e instrumentos de sopro.
Imagem: Fernando Maia/Riotur
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