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EDITORIAL

Indo além do absurdo: Assembleia legislativa da Bahia aprova o Dia Estadual do Orgulho Heterossexual

Por Jean Montezuma, de Salvador

Foi Sérgio Buarque de Holanda quem uma vez escreveu que “a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”. Pois bem, acrescentaríamos as palavras do autor de Raízes do Brasil que a ideia de estado laico foi e continua sendo também um grande mal-entendido. Na prática a influência religiosa sempre se fez presente, em especial no que diz respeito a garantia de amparo legal ao conservadorismo nos costumes. Em tempos de golpe como o que vivemos desde 2016, salta aos olhos o quanto o conservadorismo está em ofensiva, fazendo uma verdadeira cruzada em defesa daquilo que os deputados das bancadas evangélicas de Brasília e de todo o país chamam de valores tradicionais.

Um antigo governador da Bahia, Otávio Mangabeira, também disse uma vez: “Pense num absurdo, que na Bahia tem precedente”. A dureza dessas palavras retratam muito bem aonde essa cruzada em defesa da “família tradicional” brasileira nos levou. A Assembleia Legislativa do Estado da Bahia aprovou no último dia 20 algo inédito e assustador, o projeto de lei 21.081/2015, de autoria do deputado Pastor Sargento Isidório (Avante) , que cria um dia dedicado ao “Orgulho Hétero”. O deputado Isidório, que se auto declara um “ex-gay”, tem no currículo uma série de atitudes misogenas e lgbtfóbicas e é popularmente reconhecido como uma das figuras mais conservadoras da política baiana. Após aprovação do projeto de lei, Isidório justificou a sua autoria dizendo que “Estamos na vigência da semana dessa data muito importante que visa entre outros fatos valorizar a preservação da espécie humana, acabando assim com qualquer tipo de discriminação contra os heterossexuais. Além de sublimar a livre manifestação das famílias, daqueles que respeitam as opções sexuais de quem quer que seja, mas querem deixar claro a sua opção e não irão se envergonhar dela: HOMEM + MULHER = FILHOS”. Se sancionado pelo governador, o “Dia estadual do Orgulho Heterossexual” seria celebrado todo terceiro domingo do mês de dezembro.

As declarações de Isidório exalam o odor fétido do mais asqueroso preconceito. Mas o pior é que essas ideias absurdas, que sempre estiveram presentes em nossa sociedade, estão agora arrebatando cada vez mais adeptos. Não é por coincidência que essas palavras poderiam tranquilamente ter  saído da boca de um Jair Bolsonaro,apoiador declarado da tortura e da ditadura militar, que hoje desgraçadamente figura em segundo lugar nas intenções de voto para presidente e é o político brasileiro com maior número de seguidores nas redes sociais. O deputado baiano Pastor Sargento Isidório também possui uma legião de seguidores, e foi com o apoio deles que ele foi o segundo deputado mais votado para casa legislativa baiana em 2014, com um total de 123.234 mil votos.

O Brasil é o país número um do mundo quando o assunto é violência contra LGBT’s. Segundo o GGB (Grupo Gay da Bahia) a cada 25 horas um LGBT é assassinado no Brasil. Já a Bahia é o segundo estado no ranking da violência contra LGBT’s e somente em 2016 foram 32 assassinatos. Toda essa violência encontra respaldo em políticos como Isidório, e agora na própria Assembleia Legislativa da Bahia com sua atitude absurda de aprovar um dia do “Orgulho Hétero”. Não precisamos de um dia do Orgulho Hétero porque, entre outras coisas, héteros não são coagidos, perseguidos e assassinados pelo simples fato de manifestarem a sua orientação sexual, ou tão pouco são tratados como “desviados” que devem ser corrigidos, ou doentes que precisam ser curados.

Após a aprovação na Assembleia legislativa o projeto de lei vai direto para mesa do governador Rui Costa, do Partido dos Trabalhadores, para ser submetido a sua sanção. Agora está nas mãos do governador petista a continuidade ou não desse absurdo. É válido lembrar que em 2014 Pastor Sargento Isidório foi parte da coligação que ajudou a eleger Rui Costa governador da Bahia. Isidório se manteve como base aliada do PT inclusive durante o processo do impeachment, sendo acolhido de braços abertos e acriticamente pela militância petista nos atos contra o golpe. É preciso que os movimentos sociais façam pressão e exijam do governador Rui Costa o veto ao projeto. E agora, o que vai pesar mais? Um aliado que, ainda que indesejável, é um bom “puxador de voto”, ou o repúdio a um projeto de lei que só ajudará a alimentar o ódio aos LGBT’s? Com a palavra o governador Rui Costa.