Por: Valerio Arcary, colunista do Esquerda Online
1. Subestimar os inimigos é um caminho certo para a derrota. O paradoxo de 2017 é que o governo Temer tem muito baixa popularidade, mas esta rejeição nas pesquisas não autoriza a conclusão de que é um governo fraco. Paradoxos são aquelas contradições que nos parecem desconcertantes. Porque são contraintuitivas. Algo é contraintuitivo quando desafia uma ideia simples e até racional que, portanto, parece verdadeira. Nossas mentes preferem um viés lógico que favorece o reconhecimento de pensamentos, aparentemente, coerentes.
Como é possível dizer que um governo que não tem sustentação na maioria da população não é fraco? Fraco ou forte são adjetivações. Adjetivar significa atribuir uma função, ou seja, qualificar. Merece ser considerado fraco um governo que conseguiu aprovar, em tão pouco tempo, tantas contrarreformas? É verdade que não conseguiu aprovar ainda a “mãe” de todas as contrarreformas, que é a da Previdência. Mas se Temer chega ao fim de 2017, relativamente, fragilizado, depois do desgaste das duas votações que negaram autorização para a sua investigação pedidas por Janot, em nome do Ministério Público, ainda está de pé, e a hipótese mais provável continua sendo, infelizmente, que possa terminar o mandato até o fim de 2018.
Tem o apoio da maioria da burguesia, do Judiciário e do Congresso, das Forças Armadas, da maioria da mídia, e se beneficia das mudanças que aconteceram com a nomeação de Raquel Dodge no MPF e de Segovia na Polícia Federal. Está protegido pelo apoio dos governos dos países centrais, e dos governos do Mercosul. A situação do governo Temer é excepcional: resultou do golpe do impeachment, não foi eleito e, tão ou mais importante, não pretende reeleição. O bloco político-social que garantiu a derrubada de Dilma Rousseff pode, portanto, apoiar as contrarreformas reacionárias antipopulares e, ao mesmo tempo, se organizar em torno de candidaturas que não se apresentarão como herdeiras do governo Temer para garantir uma chance de alcançar o segundo turno em 2018.
2. No entanto, o governo Temer sofreu, durante o ano, uma séria crise, e poderia, talvez, ter sido derrubado. Circunstâncias inusitadas, durante algumas semanas em maio, abriram esta possibilidade. Não somente pelo patamar de resistência ativa alcançado pela greve geral de 28 de abril e a marcha de 24 de maio, mas, também, pela denúncia e delação premiada da JBS, que foi aceita pelo Ministério Público liderado por Janot.
Essa rara combinação, entre outros fatores, como a dosagem brutal de ajuste fiscal pilotado por Meirelles e, em especial, a iniciativa da Lava Jato, dividiu a classe dominante e deixou o governo Temer semiparalizado, impedindo a aprovação até agora da Reforma da Previdência. Tremeu, mas o que é certo é que não caiu. Não se inverteu a situação defensiva, desfavorável, aberta entre 2015 e 2016 e que culminou no impeachment. As campanhas pelo Fora Temer e Diretas Já não conseguiram alcançar uma dimensão suficiente para derrubá-lo. No segundo semestre vivemos, portanto, uma conjuntura pior do que aquela de março e junho.
3. Uma questão de método se coloca quando pensamos as perspectivas para 2018. Prognósticos para o futuro são como os contrafactuais para o passado. É necessário medir, ponderar, ajustar, calibrar a força de pressão de distintos fatores que exercem pressões de primeiro, segundo, terceiro graus. Prognósticos sérios devem ser feitos apoiados na identificação de tendências e contratendências, ou seja, o cálculo de probabilidades. Mantida a mesma relação social de forças, as possibilidades estarão limitadas a um estreito cenário. Acontece que a relação social de forças pode mudar. Provavelmente, oscilará.
O Brasil não é um país escandinavo, e não há lugar para o tédio. Temos que considerar nas previsões o impacto de fatos “gigantescos” que estão por vir. Impossível, neste momento, ter a percepção de qual será a reação popular a uma provável condenação de Lula em janeiro no segundo julgamento. Não sabemos, também, como a delação de Palocci comprometendo Lula poderá repercutir.
Não sabemos se a capacidade de reação sindical e popular à aprovação da Reforma da Previdência será maior do que nesta véspera de Natal. Ou os efeitos de uma evolução da investigação contra Aécio Neves. As margens de erro, neste momento, são grandes ou pequenas? São imensas. A variável tempo não pode ser ignorada. As margens de incerteza são grandes demais. Marxismo deve se inspirar em boa ciência, ou seja, prudência. E o comportamento social das classes tem muito de imprevisível. Regularidades existem, mas irregularidades, também.
4. Qual será o cenário econômico-social mais provável?
(a) Todos os indicadores disponíveis sugerem a continuidade de uma tímida recuperação econômica, que não deve ter ido além de 1% do PIB em 2017, depois de quatro anos que somaram um retrocesso do PIB superior a 8%;
(b) Estamos em um contexto externo de crescimento lento da economia mundial, tanto nos EUA, na Europa, como no Japão, que se reflete nos países semi-periféricos, além de revalorização dos preços das commodities;
(c) Entre as principais variáveis merecem destaque a intensa queda da inflação, em um ano, de mais 10% para menos de 3%, a queda da taxa Selic de 13% para 7%, o saldo positivo de US$60 bilhões na balança comercial que, somado ao equilíbrio no balanço de pagamentos, manteve as reservas em um patamar confortável de US$380 bi, ou seja, um ano e meio de importações, o que favorece, também, uma estabilidade do câmbio;
(d) No acumulado em doze meses, a projeção de IED, ou investimento externo está sendo algo acima de US$ 84,5 bilhões (4,4% do PIB);
(e) A redução lenta do desemprego deve prosseguir; após dois anos seguidos de retração, o consumo das famílias teve alta de 1,2% no terceiro trimestre deste ano; a queda da taxa de juros ainda não se traduziu em redução dos spreads bancários. Atualmente, 45% dos depósitos à vista, 36% dos depósitos a prazo e 30% dos de poupança são recolhidos dos bancos na forma de restrições compulsórias para manter reservas bancárias, fiscalizadas pelo BC, mas esta política será flexibilizada para incentivar o crédito, o que poderá impactar.
5. Em que medida esta evolução econômica poderá se traduzir em sensação social de alívio durante o próximo ano é ainda imprevisível. São necessários pelo menos vários meses, talvez, até mais de um semestre de consistente melhoria no quadro econômico para que a percepção de mal-estar se transforme em sensação de bem-estar. Mas pode acontecer, e neste caso favorecerá uma candidatura de centro-direita. Também é a hipótese mais provável que Lula não possa ser candidato. Porém, todos os dados disponíveis indicam uma tendência de queda na taxa de rejeição de Lula.
O padrão histórico de capacidade de transferência de votos no Brasil é alto. Já aconteceu incontáveis vezes desde 1986. Sarney ajudou a eleger Quércia, que elegeu Fleury. FHC elegeu Covas, que elegeu Alckmin. Brizola elegeu Alencar e Garotinho. Lula elegeu Dilma Rousseff e Haddad. O que sinaliza que o mais provável é a disputa de uma candidatura do PT por uma vaga no segundo turno de 2018. Ainda que Alckmim esteja melhor colocado como a candidatura para onde deve convergir a maioria dos pesos pesados do PIB, a investigação de corrupção nas grandes obras em São Paulo, após a denúncia no acordo leniência da construtora Camargo Corrêa, o debilita. Não fosse o bastante, o arco de alianças políticas em torno de Temer e Maia, MDB/DEM/Centrão ainda está articulando uma possível candidatura (Meirelles é improvável, mas pode ser ACM Neto, por exemplo) para, entre outros objetivos, blindar a ação futura da Lava Jato. A pressão do PIB por uma candidatura única será grande, mas parece difícil. Em resumo: não sabemos sequer quem serão os candidatos. Tentar projetar como estará o país algumas semanas antes das eleições, portanto, é, a rigor, impossível.
Foto: EBC
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