Por: Lucas Fogaça, de Porto Alegre, RS
Charles Vieira, técnico de suprimentos no setor de logística do Pré-sal no Rio de Janeiro, ex-diretor e atual Conselheiro Fiscal do Sindicato dos Petroleiros do RJ, acaba de ter uma excelente iniciativa, construir um Blog que ajude a dar voz às Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (LGBT) que trabalham na Petrobras. O PetroGay é mais uma forma de resistência e luta contra o preconceito e discriminação na sociedade brasileira e nos locais de trabalho. Confira, abaixo, a entrevista exclusiva e ajude a divulgar.
Lucas Fogaça: Olá Charles, em primeiro lugar parabéns pela iniciativa. É um orgulho enorme quando trabalhadores e líderes sindicais abraçam a nossa causa e tentam levá-la aos locais de trabalho. Conta para nós. Como nasceu esta ideia de fazer um blog voltado ao público e ao tema LGBT na Petrobras?
Charles Vieira: Olá, Lucas, grande prazer poder participar desta entrevista. A ideia de criar o blog surgiu dias depois que, pela enésima vez, fui vítima de homofobia no ambiente de trabalho. Inicialmente, pensei em criar um canal no YouTube, mas eu sou muito lento em questões de tecnologia (risos), então preferi o blog.
LF: Como foi esse caso de homofobia? Soubemos pelas redes sociais de um caso explícito de LGBTfobia recente na Petrobrás. É o mesmo? Conta para nós como foi esta história.
CV: Sim, ocorreu sim, e foi muito grave. Eu e outros três colegas, um deles assumidamente gay e os outros dois vítimas de piadinhas homofóbicas porque as pessoas acham que são gays, tivemos nossos nomes escritos numa “lista” na porta do banheiro de um dos prédios da Petrobras. Sou assumidamente gay no ambiente de trabalho e milito publicamente pela causa LGBT e pelos direitos humanos, combatendo de forma amistosa a LGBTfobia no ambiente de trabalho. Todos e todas sabem da minha orientação e militância. É óbvio que ter meu nome exposto na porta de um banheiro junto com o de outros colegas que são, ou que outras pessoas presumem que são gays é um ato homofóbico. Algumas pessoas podem argumentar que é exagero da minha parte, ou que os nomes são aleatórios, mas não é isso. Os três colegas trabalham no mesmo prédio, onde eu já trabalhei e atuei como membro da CIPA. Então não uma é coincidência. Foi intencional, presumido. No prédio onde isso aconteceu trabalham neonazistas, racistas e seguidores do Bolsonaro. Imagine só como eu fiquei? Somos o país que mais mata pessoas LGBTs por motivação preconceituosa, por ódio, por LGBTfobia. E não é qualquer homicídio não. Eles são cometidos de forma bárbara, com requintes de crueldade, com empalamento, 70 facadas, esquartejamento, entre outras formas. Está tudo na página do GGB. Os LGBTfóbicos não querem só nos matar, eles querem nos exterminar. Como não ficar triste e preocupado com tudo isso? É muito ruim ficar com medo, não quero ter que passar por isso de novo.
LF: A Petrobras é uma empresa pública, ainda é, porque se depender de Temer não será mais. E a Constituição Federal determina em seu Art. 3º que “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, bem como no preâmbulo da mesma, afirma que o Estado Democrático destinaria-se a assegurar a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Mesmo assim, na maior empresa pública do país ocorre casos de preconceitos contra nós LGBTs. Que tipos de casos e com que frequência costumam ocorrer?
CV: Infelizmente, não tenho como mensurar a quantidade de casos de LGBTfobia que ocorrem na Petrobras. A própria empresa não cria uma estatística, parece não dar a mínima. Em seu Relatório de Sustentabilidade ela não traz dados sobre a sexualidade e questões LGBTs. Fiz uma pesquisa em 2015 que serviu de base para o meu TCC da especialização na UFRJ. Nessa pesquisa, entrevistei 15 homens homo, bi, pansexuais ou HSH e eles relataram que já sofreram homofobia no ambiente de trabalho, muitos por mais de uma vez. Porém, a maioria não procurou ajuda, ou não denunciou nos canais da empresa, como RH, ouvidoria, gerência, setor médico, serviço social, entre outros, por medo de retaliação, pois alguns têm vínculo de trabalho precário ou algum cargo de confiança que não gostariam de perder. Alguns citam que, mesmo que denunciassem, talvez nada acontecesse, pois o machismo e a LGBTfobia são tão fortes e tão impregnados na cultura da empresa e no comportamento das pessoas que trabalham lá que seria perda de tempo. Dentre os rapazes que entrevistei, alguns adoeceram ou pediram para mudar de setor (desembarcar), pois não aguentavam mais as piadas homofóbicas e o assédio. Eles sofrem calados.
As campanhas que um dia a empresa fez virtualmente ou o curso obrigatório de ética que a companhia ofereceu não foram suficientes. A gerência de responsabilidade social não se preocupa em produzir dados que relevem o debate LGBT, com fins de se pensar estratégias de promoção da diversidade. O que quer que a Petrobras faça é vazio, raso, pró-forma, ou, em termos mais nítidos: ridículo. E ela se vale do patrocínio que um dia deu à parada LGBT de Copacabana e a diversas ONGs para dizer que é socialmente responsável, quando não é dentro dos seus próprios portões. O selo de pró-equidade de gênero e raça que ela vem recebendo desde sua primeira edição só serve para mascarar a realidade. Só tivemos, em 64 anos de existência da companhia, uma mulher CEO (presidente da companhia). Uma! A Petrobras é um ambiente tóxico para nós LGBTs. Muitos se escondem dentro do “armário” fictício na intenção de se proteger dos ataques, mas por dentro estão corroídos, desgastados. O sofrimento é muito grande.
Eu mesmo já sofri inúmeros episódios de homofobia e fui um dos que não acreditava na denúncia formal via ouvidoria e ainda desconfio, mas penso que a denúncia é necessária, nem que seja para causar algum incômodo e pressionarmos para que os dados sejam publicizados. Minha ajuda e consolo veio da militância política e sindical. Mas, mesmo assim, tive diversos afastamentos e hoje luto contra uma doença degenerativa crônica, o lúpus, que tem seu potencial devastador potencializado pela toxicidade LGBTfóbica da Petrobras.
Os casos de LGBTfobia na Petrobras, na minha opinião, são muito mais sutis do que explícitos. Este recente caso da “lista homofóbica” é uma exceção, nunca vi algo assim, só na época do colégio. Geralmente, a LGBTfobia se manifesta pela exclusão dos meios sociais, como convite para almoço e eventos promovidos no ambiente de trabalho, piadinhas e indiretas LGBTfóbicas, o tipo mais típico e a invisibilização do e da trabalhadora LGBT para que não avance de nível, com promoção, e diversas outras formas quase imperceptíveis para quem não é LGBT.
LF: O que deveríamos exigir da Petrobras para começar a mudar este quadro lamentável?
CV: Ações político-pedagógicas seriam um bom começo. Mas é pra além disso, muito além. Os gerentes da empresa geralmente não mudam de posição e a LGBTfobia tem sido alimentada por alguns deles. Nós deveríamos eleger nossos líderes. Poderia haver também uma rotatividade dos cargos de liderança. Hoje, pra se tornar um gerente na Petrobras não necessariamente tem que saber fazer o trabalho da sua equipe, basta saber mandar, oprimir e assediar, ou ter alguma relação política com alguém. Não precisa necessariamente ser competente naquela área, basta saber gritar e causar terror. Isso é bem cruel e primitivo, mas é assim. Já trabalhei num setor de logística que o gerente não sabia nem como acessar o sistema que fazia o controle de entrada e saída de materiais. Na Petrobras existe uma cultura militarista impregnada, desde sua criação, de mando, ordem, comando e submissão. Basta olharmos seu histórico presidencial: dos 35 homens que foram presidentes da companhia, 14 eram militares de alta patente. Muitos homens utilizam somente o sobrenome em seus crachás e preferem ser chamados por ele, como no quartel. Quer coisa mais bizarra que isso? Quando entrei na empresa em 2007, pensei que estava no exército e nós sabemos que as forças armadas também são ambientes extremamente tóxicos para nós LGBTs. É assim também na Petrobras. Então, uma mudança de cultura organizacional, de cima para baixo, pode surtir um efeito positivo em médio prazo, dando-se mais oportunidades às mulheres e aos LGBTs. Outro fator importante é tornar o mecanismo de promoção e avanço de nível mais transparente e menos subjetivo, promovendo a ascensão através de prova de títulos e de competência técnica. Nesse quesito, nós lideramos, pois as pessoas LGBTs tendem a se esforçar mais, geralmente tendem a estudar e procurar se qualificar mais cedo, pois precisam provar que são boas para realmente terem uma chance no mundo que as exclui e, mesmo assim, nem todas têm sucesso. É como meu caso. Eu entrei como supridor na Petrobras, um cargo que exigia somente o nível médio. Um ano após meu ingresso na Companhia, iniciei a graduação e hoje tenho mestrado. Isso não é valorizado na Petrobras.
LF: Agora voltando ao PetroGay. O que fazer para participar? Como uma trabalhadora LGBT ou não LGBT da Petrobras pode colaborar?
CV: Bem, Lucas, é tudo muito novo ainda. Criei o blog na madrugada de hoje, dia 15 de dezembro, e em menos de 12 horas já tomou uma proporção imensa, rendendo, inclusive, esta entrevista (risos). É uma grande responsabilidade. Eu já tinha algumas ideias quando estava elaborando a pesquisa com os 15 colegas em 2015, para pensarmos coletivamente uma forma de combate à LGBTfobia não só no ambiente de trabalho, mas fora dele também. Então, a contribuição pode vir através de sugestões de matérias, elaboração coletiva de pesquisas e por meio de alguma ferramenta, quem sabe um App, que mensure o número de casos de LGBTfobia dentro das empresas ou que tenham alguma relação com o mundo do trabalho. Por exemplo, quando alguém não é admitido numa empresa por ser LGBT, ou quando observamos numa determinada empresa pessoas LGBT em setores que as invisibiliza, como no telemarketing, ou nos setores de limpeza e conservação.
Podemos trazer esses dados para o Blog e torná-los públicos. Tenho pensado também em convidar pessoas que sofrem LGBTfobia em seu cotidiano de trabalho para fazer breves relatos anonimamente, ou não. A princípio, o blog tem o objetivo de focar a LGBTfobia na Petrobras, porém, penso em citar casos de sucesso, como a recente campanha de promoção da diversidade realizada pela Shell no prédio onde trabalho, distribuindo as cordinhas de crachá com as cores do arco-íris. Eu uso a minha em todo lugar! Quem sabe o CEO da Petrobras, ou o gerente de Responsabilidade Social não vêem o blog (vou enviar o link do Petrogay para o e-mail de trabalho deles), curtem a iniciativa e se sentem mobilizados a tomar ações de promoção da diversidade? A ideia é essa: fazer uma pressão positiva, não somente denunciativa, para que a Petrobrás faça valer dentro de seus muros o mérito dos selos e premiações que recebe.
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