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EDITORIAL

Honduras: contra o novo golpe de estado

Por: Editoria Internacional

Publicamos, abaixo, duas notas urgentes de Tomas Andino Mencia, companheiro socialista de Honduras, sobre a grave situação política pela qual passa o país. Desde a fraude escandalosa realizada na apuração das eleições presidenciais de 26 de novembro passado, há um levante popular para impedir a continuidade do governo de Juan Orlando Hernández (ou JOH, como é mais conhecido popularmente). A  brutal repressão já matou 18 pessoas e causou centenas de feridos. O TSE confirmou ontem a fraude e a Aliança Opositora, encabeçada pelo seu candidato Salvador Nassrala, que desconheceu este resultado. Hoje, 18 de dezembro, houve novas mobilizações nacionais contra essa decisão. A própria OEA foi obrigada a  “recomendar” a realização de novas eleições, ante “a impossibilidade de determinar um ganhador”.

O repúdio impressionante à fraude tem origem na política neoliberal dos sucessivos governos, que levou a que o país tenha o maior nível de pobreza e desigualdade na América Latina. A imensa rebelião começada contra a fraude eleitoral pode abrir a possibilidade de rechaçar esse modelo. Não é um caso isolado na América Latina. Para seguir o ataque contra o nível de vida das massas populares, o grande capital apela a todo tipo de recursos, fraudes e manobras jurídicas combinadas com a repressão. É o que assistimos neste dia (18) também nas imagens que nos vêm de Buenos Aires, para aprovar a contrarreforma do sistema previdenciário. A solidariedade em momentos como este não é uma opção, não é um detalhe, é um dever  elementar. Fora JOH!

“ESTAMOS PERANTE UM NOVO GOLPE DE ESTADO
PARALISAÇÃO NACIONAL INDEFINIDA COM AUTODEFESA FRENTE À REPRESSÃO, ATÉ QUE CAIA JOH

A declaração oficial de JOH como “ganhador”, por parte do TSE, é um NOVO GOLPE DE ESTADO contra o Povo. Estão nos impondo um governante que nem sequer deveria ter participado nas eleições de novembro passado, por inabilitação constitucional. Seu plano maquiavélico foi o de esperar a época natalina para consumar sua ignominia, presumindo que nesse então o Povo estaria “frio”.

A Missão de Observadores da UE, colabora com esta campanha, certificando a “validade” da declaração com uma amostra de 300 atas [eleitorais]; e a conduta da OEA é suspeita, recebendo hoje Nasralla em Washington provavelmente para que não possa voltar. Deles não se pode esperar nada de bom. Como disse o Che, “no imperialismo não se pode confiar nem um pouquinho assim”.

Esta imposição é uma DECLARAÇÃO DE GUERRA contra o Povo. Frente a esta realidade, nossa resposta só pode ser incrementar o nível da mobilização, aprofundando a Paralisação Nacional, dando-lhe um caráter indefinido de tal forma que sejam paralisadas as principais atividades econômicas. Temos direito de fazê-lo, como o prescreve o Artigo 3 da Constituição. Tudo aquilo que foi feito até agora foi um ensaio. A hora da verdade começa agora.

Mas, estejamos alertas. Se se atreveram a fazê-lo é porque estão dispostos a impô-lo pela força das armas, dada a falta de força da razão e da moral de sua parte. Colocaram o pior deles para fora, para descarregar seu veneno assassino contra o Povo que ouse se manifestar.

Portanto, não podemos ir à luta como fizemos até agora, com as mãos vazias, sem nos preparar para nos defender, sem planificar bem nosso movimentos,  expondo nossa vida de forma desnecessária, pois salta à vista a disposição dos covardes comparsas do regime de disparar contra o povo desarmado.

Sair às ruas para parar o país, mas, junto com isso, organizar a segurança e a autodefesa frente à repressão. Chamar os policiais e soldados a desobedecer ao governo usurpador.

CHEGOU A HORA QUE TODOS HONREMOS A MEMÓRIA QUE TEMOS DE MORAZAN[1]!

Tegucigalpa, 18 de dezembro de 2017

[1] Referência ao general Francisco Morazan (1792-1842), que foi um dirigente nacionalista de toda a região centro-americana. Foi presidente da República Federal da América Central de 1827 a 1838. Mais informações em https://es.wikipedia.org/wiki/Francisco_Moraz%C3%A1n#Muerte”.

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“ESTAMOS FRENTE A UM DILEMA HISTÓRICO: REVOLUÇÃO OU BARBÁRIE

Tomas Andino Mencia
16 de dezembro de 2017

Houve enormes manifestações e três paralisações nacionais, com a ocupação de estradas, bairros e municípios; e milhares de expressões de luta popular em todos os lados. A pergunta obrigatória é: existem condições para conseguir o objetivo de derrubar o governo atual?

Existem aqueles que respondem a essa pergunta de forma negativa. Dizem que não conseguimos avançar nem cumprir o objetivo de derrubar JOH (Juan Orlando Hernández) e que, ao contrário, tivemos baixas. Creio que esses companheiros se deixam impressionar pela brutal repressão feita pelos corpos armados do tirano, e acreditam que isso é um sinal de força de sua parte. Por isso são pessimistas.

Ao contrário deles, sou otimista. Ainda que o atual movimento tenha algumas debilidades, sobre as que retornarei em outro artigo, minha tese é que poucas vezes na história recente o povo hondurenho esteve mais perto, como na atualidade, não somente de  derrubar este governo espúrio, mas também de protagonizar uma verdadeira revolução popular democrática. Exatamente como escrevi.

Para colocar em sua justa dimensão os progressos da luta atual, deve-se ter em conta vários parâmetros que sirvam de comparação, para verificar essa tese. E para isso vou recorrer à história.

Seis evidências da grandeza do movimento atual
Em primeiro lugar, deve-se considerar que houve um número maior de protestos simultâneos nos últimos 18 dias do que em todas paralisações organizadas pela Coordenadora Nacional de Resistência Popular (CNRP) em 2007 e 2008, até agora considerado como o maior movimento social das últimas décadas. Para dar um exemplo, na melhor paralisação realizada pela CNRP há dez anos conseguiu-se contabilizar um máximo de 76 pontos de ocupações em nível nacional; mas somente na paralisação de 15 de dezembro próximo passado, este movimento realizou 160 pontos de ocupações em nível nacional (fonte: UNETV). Somente esse dado reflete que houve um enorme salto quantitativo na fortaleza do movimento popular na atualidade.

Em segundo lugar, esta luta deve ser julgada, não somente pelo ponto em que chegou, mas também pelo ponto em que começou. De fato, começou com quase nenhuma participação das organizações populares, que no passado eram convocadoras e executoras tradicionais, como os sindicatos, associações do magistério, centrais camponesas, muitas dessas destruídas, intimidadas, ou compradas pelo regime que se instalou com o Golpe de Estado de 2009.

Ao contrário, as paralisações e mobilizações da atualidade são protagonizadas por pessoas em sua maioria desorganizadas, simpatizantes dos partidos de oposição, cidadãos com pouca experiência na luta de rua e jovens, ou simplesmente membros de organizações profissionais, mas que que participam não em seu tradicional marco organizativo, mas de forma espontânea. Ou seja, começou quase do zero, por exclusiva iniciativa da própria base nos bairros, aldeias, centros de estudo e de trabalho.

Certamente, foram aparecendo estruturas convocadoras depois das heroicas jornadas de 28 a 30 de novembro. Por exemplo, a Paralisação de 11 de dezembro foi convocada pelo MEU, pelas Juventudes Antifraude e pela FNRP; da mesmo forma, a paralisação deste 15 de dezembro foi convocada pelo Partido LIBRE, Convergência contra o Continuísmo e a FNRP. Mas essas estruturas tiveram que se colocar à cabeça do que o Povo já havia começado na prática, e não ao contrário, como tem sido a tradição. E não somente isso, nenhum dirigente da cúpula se atreveria a propor um retrocesso no nível de mobilização que as bases impuseram como norma: a Paralisação Nacional com ocupação de bairros e estradas. A causa deste radicalismo? O profundo ódio que conquistou o regime neoliberal de JOH nos últimos 8 anos.

Em terceiro lugar, o progresso do movimento deve ser medido pelo contexto político no qual lhe tocou atuar. O atual movimento é realizado sob as condições de um regime ditatorial imposto após um golpe de Estado, que desmobilizou profundamente as organizações da classe trabalhadora, seja porque foram  intimidadas, corrompidas, cooptadas ou simplesmente destruídas  durante os governos pós-golpistas; e não surge no marco de um regime democrático burguês, como o que existia  na época da CNRP (2003 – 2009), em que havia certa margem de respeito às organizações profissionais por parte do Governo de Manuel Zelaya. Portanto, é por si mesma uma proeza histórica que o povo tenha podido remover a pressão ditatorial que sofria e o fato de protagonizar a heroica rebelião que vemos perante nossos olhos.

Em quarto lugar, este movimento, como poucas vezes na história, conseguiu unificar as classes sociais exploradas e oprimidas em um só eixo político de lucha: a saída do governante atual, superando as agendas reivindicativas particulares de cada classe e setor social. Ou seja, radicalizou-se tanto que, pela primeira vez desde as mobilizações de 2009, o eixo central de sua luta é uma proposta política revolucionária, de caráter democrático. Hoje em dia, todo o país, incluídas as bases religiosas, agitam-se em uníssono com o mesmo grito de guerra: “Fora JOH”.

Na história, isto não ocorreu nem mesmo durante a grande greve de 1954, que se limitou à conquista de reivindicações econômicas e socais (o que foi um fato revolucionário, considerando as condições da época); e quando se aproximou disso, como na tentativa de insurreição urbana contra Julio Lozano Díaz (1957), ou a agitação popular contra a ditadura militar em 1968-69, não chegaram a ter um nível de massas e de difusão como o movimento atual.

Em quinto lugar, do ponto de vista militar, a ditadura começa a utilizar métodos de guerra civil contra a população, o que não se via desde os golpes de Estado militar de 1963 e 2009. Mas essa repressão, ao contrário daquela, não encontra como contrapartida um povo impotente, mas um povo mobilizado e empoderado a partir de suas trincheiras de luta, a partir de onde conseguir fazer retroceder os uniformizados em verde-oliva em muitas ocasiões. Se a repressão continua com os níveis de crueldade atuais ou piora, com a entrada em cena dos grupos paramilitares assassinos, a enorme tensão que se acumula nas barricadas pode detonar o início de uma insurreição popular de caráter armado, em um país em que existem milhões de armas entre a população civil.

Em sexto lugar, o impacto do resultado do atual conflito terá repercussões não de curto, mas de longo prazo sobre a vida dos 8,7 milhões de hondurenhos, durante várias décadas. A sua derrota significaria o começo de uma época ditatorial, que paulatinamente foi sendo construída desde o golpe de Estado de 2009, mas que alcançaria a sua culminação com o continuísmo de JOH, como ocorreu com a ditadura cariista por 16 anos[1]. Mas, pelo lado positivo, seu triunfo abriria no país uma época de abertura democrática, que reverteria o efeito do Golpe de 2009, e abriria as comportas para que o Povo exija o pagamento da tão postergada dívida social pelos governos burgueses.

Ainda que possam ser encontrados mais elementos de comparação, bastam estes afirmar a ideia de que estamos frente a algo realmente grande; frente a um ponto de virada da história, ou em direção ao afundamento do país pelo caminho de um neoliberalismo extrativista selvagem, sob as botas de uma ditadura policial-militar (a barbárie); ou em direção ao começo de uma revolução democrática que destrua a forma de dominação autoritária que foi imposta pela oligarquia a partir do golpe de 2009.

Nossos melhores sonhos agora estão ao alcance de nossas mãos, desde que vençamos os pesadelos que nos ameaçam.

Tegucigalpa, 16 de dezembro de 2017

 

[1] Referência à ditadura de Tibúrcio Carias, que governou de 1933 a 1949″.