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EDITORIAL

‘As ruas mandam na política’: vitória parcial contra Reforma da Previdência na Argentina

Por: Renato Fernandes, de Campinas, SP

Foto: Repressão em frente ao Congresso argentino. Créditos: Natacha Pisarenko (AP)

“As ruas mandam na política”. Foi com esta frase que o jornal espanhol El País abriu seu relato sobre as jornadas desta quinta-feira (14), em Buenos Aires. Assim como no Brasil, o governo de Mauricio Macri tenta aprovar uma série de contrarreformas neoliberais, entre elas uma Trabalhista e outra da Previdência. Essas contrarreformas são verdadeiros retrocessos aos direitos dos trabalhadores e o verdadeiro objetivo é aumentar o pagamento para os credores da dívida pública argentina. Para isso, vale retirar direitos trabalhistas básicos e fazer a população trabalhar mais e receber menos pela aposentadoria.

A Reforma da Previdência já foi aprovada no Senado e, de acordo com todos os jornais e políticos governistas, o governo Macri tem a maioria na Câmara de Deputados para aprovar também, garantida pelo apoio de alguns setores peronistas à contrarreforma. Mas, uma coisa é ter a maioria nas instituições parlamentares, outra coisa é ter a maioria social.

A contrarreforma da Previdência tem três pontos centrais. O primeiro é mudar a fórmula do cálculo do reajuste das aposentadorias. Para se ter uma ideia, com essa mudança, o aumento previsto em março de 2018 de 14,5% se transformaria num aumento de 5,7% com a nova fórmula, o que levaria o governo a “poupar” 100 milhões de pesos argentinos em 2018, o que significa um verdadeiro roubo do salário dos aposentados. Um segundo ponto chave é que a garantia de um benefício equivalente a 82% do salário mínimo só será permitida com 30 anos de contribuição efetiva, permitindo benefícios ainda mais baixos do que esse valor para aposentados por invalidez, por idade ou no valor das pensões, o que significa uma vida miserável para esses beneficiados. O terceiro ponto é aumentar a opção para a aposentadoria aos 70 anos, quando a expectativa de vida é de 76 anos no país. Atualmente, no setor privado, o empregador pode “obrigar” a aposentadoria de uma trabalhadora aos 60 anos e de um trabalhador aos 65, ambos com 30 anos de contribuição. A partir dessa lei, os trabalhadores podem optar por trabalhar até os 70 anos para se aposentar, aumentando, assim, em dez anos para mulheres e cinco anos para homens o tempo de idade ativa, o que significará trabalhar até morrer.

Para garantir a aprovação da contrarreforma da Previdência, a cidade de Buenos Aires e, em particular, o Congresso da Nação, foi sitiado pela polícia. Cerca de três mil militares foram deslocados para garantir a votação, além de diversos agentes dos setores de inteligência que foram posicionados estrategicamente para vigiar as manifestações. Os agentes estavam armados e organizaram barreiras para impedir o acesso dos manifestantes ao Congresso, numa plena demonstração da função que cumprem os aparatos repressivos do Estado. A repressão foi brutal com balas de borracha e gás lacrimogênio, com dezenas de feridos, incluindo deputados que apoiavam a manifestação e diversos trabalhadores.

Mesmo com todo esse aparato, os manifestantes foram chegando desde cedo. Não era a primeira manifestação contra esse pacote de retirada de direitos. Desde novembro, principalmente as duas Centrales de los Trabajadores de la Argentina, o sindicato de professores CTERA, junto com outras organizações sindicais combativas, particularmente aquelas dirigidas pela esquerda radical, mobilizaram massivamente contra as reformas do governo. Toda essa preparação prévia foi fundamental para pressionar a Confederación General del Trabajo, principal central sindical do país, a se incorporar na marcha desta quinta-feira e a convocar uma greve geral para a sexta-feira (15), suspensa após a vitória de ontem.

A batalha deste 14D foi fundamental para pressionar os deputados governistas a cancelarem a sessão por falta de quórum. Mesmo tendo maioria para aprovarem a contrarreforma, a pressão e a mobilização popular conseguiram derrotar, temporariamente, esse ataque de Macri.

No final do dia, o governo avaliou aprovar a medida por meio de um Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), uma espécie de Medida Provisória, que seria assinada pelo poder Executivo e teria o poder de lei, tendo apenas que ser validada pelo Congresso. Porém, as relações de forças das ruas desestabilizaram o bloco governista e, até então, aliado, como Elisa Carrió, deputada mais votada por Buenos Aires, a se colocar contra a DNU. E o governo recuou do seu plano.

As jornadas deste 14D foram importantes para colocar um basta aos ataques neoliberais que Macri vinha implementando. A ideia do governo era ter repetido sua vitória rápida, como tinha sido no Senado. Esse cenário modificou-se com a entrada das mobilizações de massas na cena política. Essa parece ser a questão chave para entendermos o cenário político argentino e também para tirarmos como lição para lutar contra Temer e sua contrarreforma da Previdência. Nesse sentido, a vitória das massas trabalhadoras argentinas transcende o país e demonstra que às vezes as políticas são votadas com os pés nas ruas.