Juary Chagas
O debate sobre como se desenvolveram historicamente as nações no capitalismo e a sua capacidade (ou não) de promover reformas que ampliem significativamente as condições gerais de vida desses países é um tema candente, cuja análise exige ir além do exame das condições e nacionais – compreendendo o caráter internacional e globalizante das tendências capitalistas – sem, no entanto, abrir mão de desvendar as especificidades da formação econômico-social dos países ao longo da história.
No caso das nações consideradas periféricas do capitalismo – mas que ao longo da história realizaram algum tipo (tardio) de desenvolvimento econômico-industrial relevante – há uma importante complexificação de análise uma vez que se estabelece uma aparente contradição entre o nível de riqueza produzida sob as condições nacionais desses países (refletindo inclusive em classificações formais e “rankings” relativos a seu poderio econômico) e níveis abismais de desigualdade social – que de algum modo se reflete na ausência de reformas.
O Brasil pode ser considerado um desses exemplos. Possui a sétima maior economia do mundo[1] e é a nona maior nação industrializada[2]. No entanto, está em 79º lugar considerando o IDH dos atuais 193 países reconhecidos pela ONU[3] (Organização das Nações Unidas) e em 69º lugar no Índice Global de Inovação[4]. Possui, portanto, um nível flagrante de atraso social, político, cultural e inclusive econômico – visto que os pujantes patamares de riqueza produzida reproduzem, antes de qualquer coisa, uma profunda desigualdade, não conseguindo se converter em melhorias gerais das condições de vida do povo.
Considerando que todas as nações capitalistas são marcadas pela desigualdade – radicada na contradição entre a produção social da riqueza pelos trabalhadores e a apropriação privada pela classe dominante –, poderia se concluir que examinar as particularidades das nações periféricas se trataria de mero detalhe. Contudo, a desigualdade escandalosa do capitalismo periférico sempre repõe a questão: por que nessas nações, mesmo após incorporarem as “maravilhas tecnológicas” do século XXI, os níveis de desigualdade são tão dramáticos? Por que (a exemplo do que com certa freqüência ocorreu no caso brasileiro ao longo da história) mesmo quando os índices financeiros são considerados satisfatórios persiste a ausência de reformas sociais que jogam as condições de vida do povo para níveis abaixo de muitos outros países que sequer possuem o mesmo poderio econômico?
Evidentemente, a estrutura herdada pelas particularidades da formação econômico-social desses países não pode determinar em caráter absoluto a ausência de reformas sociais, pois isto consistiria num objetivismo que interdita as possibilidades de transformação. Contudo, as hipóteses políticistas – amplamente difundidas – que colocam nas mãos dos governos e das representações políticas à frente do Estado a chave da superação do atraso e da desigualdade, como se para isso bastasse a vontade de implementar um “projeto de desenvolvimento nacional”, é apenas mais uma hipótese reacionária anuladora da luta de classes.
O objetivo deste texto, portanto, é o de – utilizando a formação econômico-social brasileira como unidade de análise – contribuir para uma interpretação das nações periféricas do capitalismo, visando responder a uma de suas peculiaridades nacionais mais marcantes: a tendência refratária às reformas sociais.
A COLONIZAÇÃO: ESCRAVIDÃO, CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA E INSERÇÃO SUBORDINADA
O ponto de partida para uma interpretação a respeito dos países periféricos do capitalismo e seu desenvolvimento é que o seu surgimento esteve vinculado aos interesses do capitalismo nascente nos séculos XV e XVI. Foi nesse período que se constituiu, segundo MARX (1975, p. 868-869, grifo nosso), um mercado mundial impulsionado por uma disputa comercial que se baseou na dominação, expropriação e exploração dos territórios “descobertos” pela expansão marítima das potências européias:
As descobertas de ouro e de prata na América, o extermínio, a escravização das populações indígenas, forçadas a trabalhar no interior das minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais e a transformação da África num vasto campo de caçada lucrativa são os acontecimentos que marcam os albores da era da produção capitalista. Esses processos idílicos são fatores fundamentais da acumulação primitiva. Logo segue a guerra comercial entre as nações européias, tendo o mundo por palco. […]
Os diferentes meios propulsores da acumulação primitiva se repartem numa ordem mais ou menos cronológica por diferentes países, principalmente Espanha, Portugal, Holanda, França e Inglaterra.
A colonização do Brasil foi, portanto, movida por esses interesses capitalistas. Por essa razão, as características gerais mais importantes que se desenvolveram no país, em sua dinâmica histórica, foram esculpidas não pelos aspectos estritamente nacionais; mas pela sua síntese com a determinação do domínio capitalista internacional. RESENDE FILHO (1991, p. 88-89, grifos nossos) utiliza a expressão economia-mundo para compreender essa articulação econômica inscrita num capitalismo que, embora nascente, já apontava seu caráter mundializado:
O termo economia-mundo deve ser compreendido como uma articulação econômica, de caráter preponderantemente comercial, que se estabelece a partir do século XVI, entre a Europa Ocidental, a Oriental, a Ásia, a América e a África. Ela é centrada na Europa Ocidental, que procura estabelecer uma relação de trocas desiguais a seu favor, com essas diferentes áreas, mediante sua especialização produtiva e regimes de monopólios comerciais, recorrendo, somente quando for necessário, à dominação política direta.
Essa articulação econômica mundial, tornada possível pela expansão ultramarina europeia, faz com que as diversas áreas envolvidas acabem especializando-se produtivamente, passando a produzir não para seus mercados internos, mas em muitos casos, exclusivamente para abastecer a Europa Ocidental com determinadas mercadorias. Essa dependência quase absoluta do mercado externo transforma alguma dessas áreas – América e África –, em meras unidades produtoras, que realizam apenas a primeira etapa do ciclo econômico – a produção –, dependendo inteiramente da Europa Ocidental, para que o ciclo econômico iniciado pela sua atividade produtiva se complete, mediante a distribuição e o consumo.
Foi esse o tipo de colonização – também marcada pela dominação política direta – que inscreveu o Brasil na ordem capitalista, já com uma característica de inserção subordinada. Além disso, esse desenvolvimento da produção voltada exclusivamente para o enriquecimento da metrópole européia (Portugal) engendrou uma série de contradições.
Antes da invasão portuguesa, o território brasileiro era habitado pelos indígenas, que viviam em tribos com características comunais. Para vincular a nova colônia ao sistema mundial de acumulação, a organização social indígena foi destruída e as terras foram repartidas entre burgueses de Portugal, entretanto, era necessário constituir uma força de trabalho para pôr em marcha a produção a ser desenvolvida nas terras brasileiras. Sair de um comunismo primitivo até então existente para ligar o território brasileiro ao sistema mundial de estados, saltando muitos séculos do desenvolvimento histórico processado pelas formações sociais pré-capitalistas, obrigou essa nova estrutura a incorporar formas sócio-produtivas atrasadas com a necessidade de vinculação ao capitalismo europeu.
Aliando a existência do tráfico de negros escravizados como um negócio capitalista e a abundância de terras brasileiras a serem exploradas, iniciou-se no Brasil uma colonização baseada na escravidão e no latifúndio (as plantations, especialmente voltadas para produção de açúcar), utilizando-se do “poder do estado, a força concentrada e organizada da sociedade para ativar artificialmente o processo de transformação do modo feudal [ou escravista] de produção no modo capitalista, abreviando assim as etapas de transição” (MARX, 1975, p. 869, comentário nosso).
Na medida da não realização de revoluções democrático-burguesas[5], a dominação estrangeira sobre o Brasil marcou a formação econômico-social do país com a mesclagem dessas características de modos de produção pré-capitalistas subordinadas a uma forma capitalista de produção inscrita em âmbito internacional. O fato de haver uma remessa praticamente integral da produção para as metrópoles européias fez com que não houvesse o surgimento de um relevante comércio interno, com os lucros da riqueza produzida não sendo distribuídos para o desenvolvimento nacional, o que gerou uma inserção econômica, social, política e cultural historicamente subordinada.
A chave da especificidade do capitalismo tardio (industrialmente falando) brasileiro reside, portanto, no significado histórico da escravidão e da concentração fundiária, cujas marcas atravessaram a formação econômico-social do país em todos os âmbitos. Após dizimar a população indígena, a escravidão no Brasil surge já nas primeiras décadas do século XVI e dura algo próximo a quatro séculos[6]. Dados estimados a respeito do tráfico negreiro revelam que o Brasil foi o maior destino de escravo pós-surgimento do capitalismo, com quase a metade do total de mão de obra escrava desembarcada:
No que tange à concentração fundiária, o fato do Brasil ter o seu território dividido em capitanias hereditárias[7] quase imediatamente ao seu “descobrimento” pôs em marcha o processo de colonização precisamente com as características de mera exploração, sem qualquer intuito de desenvolvimento.
A principal condição estabelecida pela monarquia portuguesa era de que os donatários a quem as terras foram entregues fossem os responsáveis por “desenvolver” o território. Uma vez que as capitanias “foram distribuídas a capitães-donatários que eram da pequena nobreza” (INNOCENTINI, 2009, p. 16) que, por sua condição social não aspiravam um desenvolvimento nacional, mas formas de enriquecimento por meio da exploração da terra, imediatamente transformaram as capitanias em meras unidades produtoras de riqueza a ser comercializada na Europa, estimulando a monocultura latifundiária e o trabalho escravo – que imprimiram sua marca estrutural na formação econômico-social brasileira ao longo da história. Dados referentes a características sócio-econômicas dos municípios brasileiros revelam o quanto a estrutura fundiária brasileira no período colonial produziu reflexos regressivos no desenvolvimento nacional, sentidos até praticamente os dias atuais:
Como se percebe nas estatísticas acima, a média de desigualdade (tanto em relação à questão da terra quanto da renda) nos municípios que pertenceram a alguma capitania hereditária é superior aos demais que não pertenceram – mesmo considerando que a atualidade dos dados se refere a um período com mais de um século e meio posterior à extinção desse sistema de divisão de terras. Do mesmo modo, os municípios que pertenceram a alguma capitania hereditária possuem um PIB per capita e uma quantidade de gastos públicos municipais per capita proporcionalmente inferiores aos municípios que não fizeram parte de alguma capitania.
Trata-se, portanto, de um dado relevante que expõe que essa simbiose que iniciou uma era de quase 400 anos de um híbrido desigual e combinado de subordinação ao capital mercantil mundial com uma sociedade escravista e latifundiária impôs um atraso e uma desigualdade brutais, sendo um obstáculo ao surgimento do comércio e do mercado interno e promovendo uma atrofia estrutural das classes fundamentais ao desenvolvimento capitalista.
Essas características determinaram uma dependência estrutural, impondo que ao longo da história do Brasil qualquer iniciativa de desenvolvimento das cidades, comércio, habitação, educação, industrialização, etc. só poderia se dar mediante uma total subordinação econômica, política e de financiamento por parte das nações centrais do capitalismo.
Essa subordinação, que historicamente bloqueia qualquer margem de reformas enquanto perdurar uma política de preservação do capitalismo brasileiro, não diminuiu com o fim do período colonial. Ao contrário, se intensificou, na medida do aprofundamento de seus laços com o capital monopolista (imperialismo).
SOB O JUGO IMPERIALISTA: ENDIVIDAMENTO E SUBMISSÃO FISCAL COMO PRODUTOS DA COLONIZAÇÃO
O advento da Revolução Industrial em meados do século XVIII, que transformou a etapa nascente (mercantil) dos séculos XVI e XVII num capitalismo em sua forma plena, promoveu mudanças significativas nas nações capitalistas centrais e, conseqüentemente, gerou um impacto contundente nos territórios coloniais submissos às metrópoles européias.
A superação da manufatura pela maquinaria gerou um aumento na produção nunca antes visto na história da humanidade. O impacto desse processo nos negócios capitalistas foi imediato, pois com o aumento da velocidade e da quantidade da produção as transações comerciais passaram a ser atividades vertiginosamente menos rentáveis em relação à indústria.
Isso fez com que a burguesia mercantil das nações capitalistas centrais (em especial a Inglaterra) buscasse se associar ou se transformasse diretamente em burguesia industrial, reorientando seus negócios de modo a impulsionar a produção e a exportação dos produtos industrializados, conforme atesta HOBSBAWN (1982, p. 48-49, grifos nossos):
… as revoluções industriais pioneiras ocorreram em uma situação histórica especial, em que o crescimento econômico surge de um acúmulo de decisões de incontáveis empresários e investidores particulares, cada um deles governado pelo primeiro mandamento da época, comprar no mercado mais barato e vender mais caro. Como poderiam eles descobrir que o lucro máximo devia ser detido com a organização da revolução industrial e não com atividades comerciais mais conhecidas (e mais lucrativas no passado)? Como poderiam saber, o que ninguém sabia até então, que a revolução industrial produziria uma aceleração ímpar na expansão dos seus mercados? Dado que as principais bases sociais de uma sociedade industrial tinham sido lançadas, como quase certamente já acontecera na Inglaterra de fins do século XVIII, duas coisas eram necessárias: primeiro, uma indústria que já oferecesse recompensas excepcionais para o fabricante que pudesse expandir sua produção rapidamente, se necessário através de inovações simples e razoavelmente baratas, e, segundo, um mercado mundial amplamente monopolizado por uma única nação produtora.
Estas considerações se aplicam em certos aspectos a todos os países nessa época. Por exemplo, em todos eles a dianteira no crescimento industrial foi tomada por fabricantes de mercadorias de consumo de massa – principalmente, mas não exclusivamente, produtores têxteis – porque o mercado para tais mercadorias já existia e os homens de negócios podiam ver claramente suas possibilidades de expansão. […] Uma vez iniciada a industrialização na Grã-Bretanha, outro países podiam começar a gozar dos benefícios da rápida expansão econômica que a revolução industrial pioneira estimulava. Além do mais, o sucesso britânico provou o que se podia conseguir com ela, a técnica britânica podia ser imitada, o capital e a habilidade britânica podiam ser importados. A indústria têxtil saxônica, incapaz de criar seus próprios inventos, copiou os modelos ingleses, às vezes com supervisão de mecânicos ingleses […]. Entre 1789 e 1848, a Europa e a América foram inundadas por especialistas, máquinas a vapor, maquinaria para (processamento e transformação do) algodão e investimentos britânicos.
Como a economia portuguesa até as primeiras décadas do século XIX era fundamentalmente mercantil e sustentada na exploração colonial (sobretudo do Brasil), essas transformações produziram – combinadas com fatores políticos, como as invasões francesas entre 1806 e 1811 – uma hiper-desvalorização das mercadorias primárias, gerando uma grave crise comercial que obrigou Portugal a modificar a estrutura econômica e política interna para criar condições favoráveis ao desenvolvimento industrial.
Uma vez que o Brasil era uma mera unidade produtora cujas mercadorias (até então com boa valorização) eram comercializadas para gerar lucro à metrópole portuguesa, a desvalorização produzida pela contradição entre o impulso da revolução industrial, o declínio da fase mercantil do capitalismo e a formação social escravista brasileira voltada para a monocultura abriu o caminho para a submissão não mais em relação ao colonizador Portugal (agora dependente dos ingleses), mas ao capital industrial internacional (Inglaterra).
Não por acaso foi exatamente nesse período que se consolidou a “independência” brasileira (1922) pelo alto e, décadas depois, a abolição do trabalho escravo (1988) para modificar as condições institucionais e econômicas que visando consolidar o Brasil como um devedor permanente da Inglaterra e um grande mercado para os produtos industrializados estrangeiros. Todo esse período correspondeu, portanto, a uma adequação econômica e política do Brasil às exigências do capitalismo industrial inglês:
A decadência da economia apoiada no açúcar e o esgotamento do outro, no fim do século XVIII, obrigaram o Brasil a romper seus laços com a metrópole portuguesa […].
Quando a monarquia portuguesa se transferiu para o Brasil fugindo de Napoleão, que havia conquistado Portugal, institucionalizou o domínio da Inglaterra sobre a colônia lusitana […].
A abertura dos portos do Brasil à Inglaterra foi o prêmio dado pela Coroa portuguesa aos seus salvadores ingleses, que os libertaram do jugo napoleônico. Os tratados econômicos colocaram a Corte portuguesa e sua colônia aos pés da Inglaterra. Portugal se tornou um protetorado. Duplas cadeias vão prender, doravante, o pobre e explorado Brasil. Em 1821, o Brasil passou a ser o maior importador de produtos ingleses, superando a Ásia. Iniciava-se o século de dominação inglesa sobre nosso país. […]
[…]
Diante dessa conjuntura econômica e política mundial, a partir de 1822, a história do Brasil foi influenciada, diretamente, pelos ingleses. […] De colônia de Portugal passamos a semicolônia da Inglaterra. A “independência” custou ao Brasil três milhões de libras, emprestadas pelos banqueiros ingleses, como Rothschild. […]
[…]
[…] O imperialismo nascente inglês empurrou a classe dominante brasileira para operar transformações profundas pela via pacífica, pois de outra forma, revolucionária, poderia fazê-la romper com a Inglaterra, como ocorreu nos Estados Unidos. Os ingleses queriam manter todo o status colonial, sem a escravidão, que já não era rentável nesse período. […]
[…]
Em todo o período que vai de 1822 até a Proclamação da República, em 1889, se processou uma adaptação em câmera lenta da economia e da política brasileira às condições capitalistas de produção, determinadas pelos ingleses. […] Nesse período, a burguesia cafeeira substituiu a aristocracia rural e assumiu o poder em 1889, já com todas as condições de produção adequadas ao sistema capitalista, inclusive com o trabalho assalariado de imigrantes europeus, mantendo a monocultura e o domínio semicolonial do Brasil pela Inglaterra.
A Inglaterra passou a dominar o Brasil via comércio de manufaturas, exportação de mercadorias, de capitais e, principalmente, via dominação financeira, através de empréstimos vultosos. Isso criou uma forma de acumulação capitalista dependente das exportações de produtos primários para gerar libras ou dólares, que serviam para pagar as dívidas com as metrópoles, esquema que se mantém até hoje. (GODEIRO, 2016, p. 35-42, grifos nossos)
Esta conversão da dependência colonial sem mediações pela dependência financeira da Inglaterra se agudiza com o surgimento da fase imperialista do capitalismo.
O desenvolvimento acelerado da indústria produziu uma tendência aos monopólios, visto que a “cada nova empresa que queira manter-se ao nível das empresas gigantes criadas pela concentração [de capital resultante da vigorosa acumulação da fase ascendente do capitalismo] representa um aumento tão grande da oferta de mercadorias que a sua venda só é possível com a condição de um aumento extraordinário da procura” (LENIN, 1982, p. 589). E a forma encontrada pela anarquia capitalista para maximizar a demanda é a formação de monopólios para arruinar os concorrentes, além da fusão com o capital bancário para induzir os investimentos, fixar condições fiscais e exportar suas mercadorias e capitais a novos mercados – transformando-os em territórios absolutamente dependentes.
A combinação entre essa fase decadente do capitalismo com a conseqüente subordinação fiscal do Brasil atrasou por um tempo ainda maior a marcha do desenvolvimento e da industrialização, bloqueando por completo qualquer possibilidade de uma economia independente. Com uma estrutura econômica instável, subordinada a investimentos externos e dependente das variações do mercado mundial, o Brasil transforma a dívida que foi contraindo desde quando ainda era colônia portuguesa num traço permanente e estrutural – o que impedia qualquer intenção “nacional-desenvolvimentista” que não estivesse subordinada à atração de investimentos externos, já que parte significativa das reservas nacionais deveriam se voltar ao pagamento dos títulos da dívida sob pena de “quebra” do país. Uma análise da evolução da dívida externa e seus serviços no período pós-independência (até o início da industrialização no Brasil), comparados com as receitas e exportações brasileiras, mostra como mesmo num país predominantemente agrário e de baixíssimo desenvolvimento o endividamento já tinha um peso significativo:
Os dados sobre a evolução da dívida são reveladores. Precisamente entre as décadas de 1920 e 1930 – intervalo histórico no qual explode a Grande Depressão econômica em 1929 –, a dívida externa brasileira mais que triplica e a razão entre a dívida e as exportações duplica. Mas a submissão do ao imperialismo não se aprofunda apenas pelo aumento das cifras da dívida.
A crise de superprodução que impactou profundamente a indústria e o capital financeiro internacional, segundo HOBSBAWN (1995, p. 16), “pôs de joelhos até mesmo as economias capitalistas mais fortes […]. Mesmo os EUA, a salvo da guerra e revolução, pareceram próximos ao colapso”. Empresas fecharam, vagas de emprego foram fechadas, capitais foram queimados e, conseqüentemente, as importações e os investimentos externos feitos pelas nações imperialistas caíram vertiginosamente. Subordinando ao capital externo comprador dos produtos primários de exportação (na circunstância, principalmente o café) e seus investimentos no país, o Brasil tem sua estrutura econômica baseada na monocultura exportadora quebrada pela crise. O preço do café “caiu 70% no mercado internacional, e o Brasil caminhava para o caos em, já que não tinha como pagar sua dívida” (GODEIRO, 2016, p. 50).
A combinação da dependência dos capitais e empréstimos dos países imperialistas com a quebra da economia sustentada num mercado mundial de produtos primários em crise gerou contradições políticas nas colônias e semicolônias, fortalecendo nesses países uma orientação industrializante como saída para os efeitos da depressão. No Brasil isto ocorre no Governo Vargas (1930-1945), contudo, pelo caráter historicamente subordinado da burguesia nacional, esta não possuía nem capital para promover a industrialização nem o ímpeto revolucionário para fazê-lo – uma vez que para isto era necessária uma ruptura completa com os sócios do capital imperialista que a sustentavam. A industrialização foi realizada, portanto, com mais endividamento e subordinação fiscal, com a diferença de que agora era o imperialismo norte-americano (suplantando o inglês) a tornar ainda mais estrutural a submissão do capitalismo dependente brasileiro:
[…] a industrialização do país não se deu sob o comando de uma burguesia industrial com projeto próprio e independente do capital estrangeiro, ao contrário, teve muito peso do Estado, que, a partir de 1930, impulsionou a nacionalização das minas, o planejamento para a indústria do petróleo e da siderurgia. […] Essa industrialização capitaneada pelo Estado, que substituiu a burguesia nacional, se baseou no endividamento público estatal, gerando um sistema altamente dependente de financiamento externo e imprimiu uma marca característica na economia brasileira.
Getúlio Vargas […] em 1941, assinou um acordo com Roosevelt, o Acordo de Washington, segundo o qual os EUA garantiriam fornecimento de armamentos e o Brasil garantiria adaptar sua indústria às necessidades de guerra dos EUA, fornecendo, por exemplo, minério de ferro e aço para os aliados. […] Roosevelt se comprometeu a ampliar a compra de produtos agrícolas brasileiros, como algodão, borracha e café, a importar toneladas de manganês, níquel e bauxita e ainda garantia US$ 200 milhões em armamentos para o Exército brasileiro. […] O Estado se responsabilizou pela infraestrutura necessária para a industrialização do Brasil, garantindo a indústria de base, como mineração, siderurgia, energia, estradas, portos, petróleo, etc. […]
A partir de 1941, o Brasil deixou de ser uma semicolônia da Inglaterra para se tornar uma submetrópole industrial dos EUA na América do Sul. (Idem, ibidem, p. 52-54)
Com a industrialização realizada sob o controle e o patrocínio dos Estados Unidos, houve uma maximização do endividamento e da dependência que atingiu o ápice durante o chamado “milagre econômico”[8] do regime civil-militar constituído em 1964, com o desenvolvimento econômico e social do Brasil tornando-se ainda mais frágil. A evolução da dívida externa brasileira e do seu peso em relação ao PIB após o período do “milagre” até os dias atuais é inconteste:
Gráfico 1: Evolução da dívida pública brasileira em percentual relativo ao PIB nacional (1978-2015)
Fonte: BANCO CENTRAL DO BRASIL (2017); FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL (2010; 2016)
Os dados confirmam a relação de dependência estrutural sob todas as dimensões. Em termos absolutos percebe-se que a dívida pública, quando comparada ao PIB nacional (toda a riqueza produzida no país), não apenas é altíssima como segue em dinâmica crescente – oscilando, a partir dos anos 2000, entre 60% e 76% do PIB.
Além disso, é preciso considerar que essa tendência de aumento do endividamento concorre com uma política fiscal histórica de pagamento religioso dos juros e amortizações da dívida púbica. Uma vez que ela é impagável, os governos historicamente optam pelo seu refinanciamento constante, realizando todo um esforço fiscal (superávit primário) que dedica parte significativa do orçamento para o mecanismo de rolagem da dívida, para evitar fuga de capitais e, conseqüentemente, efeitos recessivos sobre a economia. Abaixo, o gráfico que mostra a evolução dos gastos da União com juros da dívida proporcionalmente ao total das despesas revela a profundidade da dependência fiscal brasileira:
Gráfico 2: Evolução dos gastos com juros da dívida pública em percentual relativo ao total de despesas da União (1997-2016)
Fonte: BANCO CENTRAL DO BRASIL (2017)
Os dados no período de praticamente duas décadas (entre 1997 e 2016) observados no gráfico acima são particularmente reveladores porque consideram um período histórico pós-estabilização monetária (Plano Real) e que compreende governos liderados por organizações políticas com origens de classe distintas (governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma). Isto posto, em tese, com a superação da hiperinflação que marcou a primeira metade da década de 1990 e com a ascensão de governos (também em tese) liderados por setores de esquerda, poderia se vislumbrar – em algum momento desse lapso temporal – que ações político-institucionais se insubordinassem em relação a essa dependência fiscal.
Contudo, ao verificar que durante esse período o percentual de juros da dívida pagos correspondeu a uma variação sempre acima de 10% (aproximando-se dos 30% em vários momentos) do total das despesas do país, se percebe que não é possível uma insubordinação a esta dependência sem uma ruptura completa com os interesses da dominação imperialista, através da qual as grandes corporações e os países centrais do capitalismo subjugam as nações periféricas.
Isto se torna ainda mais nítido quando se analisa não apenas o esforço para pagamento de juros, mas quando se considera outros fatores do mecanismo de rolagem da dívida pública, como as amortizações, os encargos e os contratos de refinanciamento. A previsão orçamentária “padrão” do Tesouro Nacional brasileiro até o advento da “Lei de Responsabilidade Fiscal”[9], quando se considera a inclusão do gasto com refinanciamento da dívida em relação às despesas gerais previstas, revela o que o nível de dependência é de fato muito profundo:
Gráfico 3: Previsão de participação dos fatores de rolagem da dívida no Orçamento Geral da União, segundo o Tesouro Nacional
Fonte: SILVA et al. (Orgs.) (2009, p. 228)
Apesar dessa metodologia de análise possuir uma distorção (no gráfico acima se observa que praticamente 60% das receitas são utilizadas para pagar dívida) visto que os gastos com refinanciamento da dívida pressupõem também contrapartidas de entrada de recursos provenientes de novas parcelas de empréstimos, a evolução histórica dos percentuais das receitas da União destinadas ao pagamento de juros, encargos, amortizações e refinanciamento da dívida do mesmo período em questão (1997-2016) fornece uma dramática indicação: os gastos gerais com a dívida brasileira têm ocupado uma média de aproximadamente metade das despesas totais da União. É o que demonstra o gráfico a seguir:
Gráfico 4: Percentual ocupado pelo pagamento de juros, encargos, amortizações e refinanciamento da dívida pública brasileira nos gastos totais anuais da União (1997-2016)
Fonte: ILAESE (2017, p. 30)
Além de dedicar parte muito significativa do orçamento para pagar e rolar a dívida pública, a evolução da dívida (Gráfico 1) revela a total sujeição do país ao ritmo das turbulências da economia mundial, com seu percentual em relação ao PIB disparando nos momentos em que por força de crises internacionais ou de hiper-desvalorização da moeda nacional (1989, 1990, 1992, 1999 e 2015, por exemplo), os governos lançam mão do artifício de aumentar a taxa de juros para manter um ambiente atrativo aos investimentos externos, impedindo a fuga de capitais. Trata-se, portanto, de um impasse de caráter cíclico: sem por fim a dívida é impossível um nível satisfatório de desenvolvimento; e sem refinanciá-la, é impossível obter um nível de capitais para a realização de quaisquer investimentos internos.
Como se percebe, independente da orientação política dos governos, ao se adotar a política de regulação fiscal inscrita na lógica de “respeito aos contratos” e atração dos investimentos externos como mecanismo de sustentação da economia nacional – mesmo quando atravessada por momentos de estabilidade política e econômica – é exigido um grau de sacrifício financeiro das nações periféricas que é incompatível com a possibilidade de dedicar recursos para reformas sociais consistentes ou um desenvolvimento autônomo desses países.
Essa subordinação completa converteu-se em fator decisivo para cristalizar uma tendência anti-reformista, que se torna insuperável diante de projetos que não apontem uma ruptura radical com este circuito de dependência que marca a história brasileira.
ATRASO SECULAR, INSOLVÊNCIA FISCAL E DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE: CONCLUSÕES SOBRE UMA TENDÊNCIA ANTI-REFORMISTA PERMANENTE
A história do Brasil, desde a época colonial, foi marcada pelo atraso e pela dependência. Ao se transformar em unidade produtora escravista e latifundiária voltada aos interesses mercantis da Coroa portuguesa, inaugura sua trajetória historicamente subordinada, que apenas sofre modificações de forma a partir do desenvolvimento do capitalismo industrial, cujo impulso empurra o país para uma “independência” formal estruturalmente submissa ao imperialismo nascente.
Contudo, é com o início do processo tardio de industrialização que o ciclo ascendente da dependência estrutural atinge o seu apogeu. Evidentemente, as características de dependência seriam ainda mais dramaticamente acentuadas com a chegada do neoliberalismo na década de 1990 – que abriu a economia para o capital estrangeiro de baixíssima regulação como jamais anteriormente havia se visto. Mas, os laços que embaraçam o Brasil ao capital monopolista de um modo inseparável foram amarrados quando o atraso secular foi elevado à última potência a partir de sua simbiose com a insolvência fiscal resultante de uma dívida incontível (potencializada pelo financiamento da industrialização tardia) e com o desenvolvimento dependente que exigia mais submissão externa para qualquer investimento de vulto ou tentativa de modernização.
Essa dependência econômica vincula o funcionamento do capitalismo tardio ao fluxo de investimentos estrangeiros, que por sua vez se deslocam conforme os interesses da burguesia financeira imperialista. Isto exige mais subordinação, mais endividamento, mais permissão para exploração e pilhagem.
Daí a tendência anti-reformista. Trata-se de uma impossibilidade estrutural, permanente de realizar reformas consistentes e duradouras a partir da manutenção/submissão a esse quadro de dependência, por melhor que seja a dinâmica da economia mundial e por mais relevante que sejam as particularidades nacionais que caracterizam um tipo de submetrópole (como é o caso do Brasil). Este é o fator objetivo que impede o sucesso de projetos políticos de regulação capitalista com aspirações reformistas. Quanto mais se desenvolve o capitalismo nas nações periféricas, mais elas são dependentes, vivendo sob a ameaça constante da fuga de capitais que pode colapsar a economia e empurrar as condições gerais de vida para níveis mais aviltantes. Trata-se, portanto, de utopia a idéia de que reformas são possíveis por “vontade política” ou “capacidade governamental”.
Evidentemente, a conclusão de que existe uma dependência estrutural não leva necessariamente a um caminho único. A constatação do atraso secular, da insolvência fiscal e do desenvolvimento dependente das nações periféricas tem servido também como escudo para a defesa de planos de austeridade e eliminação de direitos históricos dos trabalhadores. Afinal, ou se adotam medidas restritivas ou “a economia quebra”, “os investimentos abandonam o país”.
Contudo, é somente compreendendo objetivamente a profundidade e a natureza radical dessa dependência que se pode apresentar uma saída igualmente radical, rompendo com a dependência estrutural, o que necessariamente passa por inverter as prioridades das despesas que hoje estão voltadas para a dívida pública, além de impedir a fuga de capitais e a debandada das unidades produtivas transnacionais.
Trata-se, portanto, de um programa que não pode ser negociado segundo as regras do mercado, visto que se choca com os interesses do capital imperialista. Também não pode ser um programa que se limite a promessas de um futuro virtuoso em função da habilidade política ou da vontade das representações institucionais. Promessas reformistas numa nação periférica são apenas promessas se não houver luta antiimperialista. É, portanto, um programa orientado pela luta de classes, apoiado na mobilização social, pois é o único que poderá pautar a necessidade de reformas em linha de ruptura com a dependência estrutural, ligando-as às demandas necessárias a este tipo de conquista: de poder político e controle social da riqueza produzida; ou seja, tarefas revolucionárias.
REFERÊNCIAS
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NOTAS
[1] Segundo pesquisa da PricewaterhouseCoopers (PWC, 2017, tradução nossa), o Brasil possui um Produto Interno Bruto (PIB) per capita no valor de US$ 3.135, somente atrás de China, Estados Unidos, Índia, Japão, Alemanha e Rússia.
[2] Conforme dados da UNIDO (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial) de 2016, apenas oito países são mais industrializados que o Brasil, a saber: China, Estados Unidos, Japão, Alemanha, Índia, Coréia do Sul, Itália e França. Os dados podem ser verificados em IEDI (2017).
[3] O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é uma aferição, ainda que não possa ser considerada como absoluta, que possibilita uma visão sobre condições do nível de vida das populações dos países. O IDH leva em consideração três fatores: a expectativa de vida (fator saúde), a média de anos de estudo e os anos esperados de escolaridade (fator instrução) e a renda nacional bruta per capita (fator “padrão de vida”). Segundo o ranking do IDH elaborado em 2016, os cinco primeiros países são Noruega, Austrália, Suíça, Alemanha e Dinamarca. Conforme o mesmo relatório está numa posição intermediária entre os países considerados de “médio desenvolvimento humano”, contudo, atrás de países como Cazaquistão (56º), Trindade e Tobago (65º), Cuba (68º), Irã (69ª), Venezuela (71º) e Azerbaijão (78º). O relatório completo pode ser encontrado em UNDP (2016, tradução nossa).
[4] Este indicador é elaborado desde 2007 pela Universidade Cornell, pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e pelo INSEAD (Instituto Europeu de Administração de Empresas) e reúne uma série de variáveis no contexto da inovação de 130 economias do mundo: registro de patentes, questões regulatórias, despesas com educação e pesquisa, etc. Embora parcial, é um indicador que ajuda aferir o nível de progresso técnico-científico, além da produção e do aproveitamento da inteligência nacional para projetos que envolvem inovação tecnológica. O relatório completo pode ser encontrado em CORNELL UNIVERSITY; INSEAD; WIPO (2017, tradução nossa).
[5] A dinâmica histórica da formação econômico-social brasileira não produziu um setor social com impulso burguês, aspirante ao poder, com interesses de libertação e desenvolvimento nacional. A classe dominante luso-brasileira do período colonial foi forjada por interesses capitalistas, mas cumprindo um papel de gerenciamento da colônia brasileira como mera produtora de riquezas destinadas à metrópole portuguesa, ou seja, um papel estruturalmente subordinado. Não houve nenhum setor social, a exemplo do que surgiu no norte dos Estados Unidos no século XVIII, que empreendeu (e venceu) uma luta para, nos termos de MORENO (2003, p. 40), “acabar com a opressão de outra burguesia [o império inglês, que objetivava subordinar os Estados Unidos como colônia produtiva de exploração tal qual ocorria em sua região sul] e poder desenvolver plenamente o capitalismo”. Sem desenvolver plenamente o capitalismo no Brasil, conservando por séculos relações de subordinação e formas sociais e de trabalho pré-capitalistas, a formação social e a classe dominante brasileira terminou marcada estruturalmente pela desigualdade, dependência e atraso, bloqueando as possibilidades de pleno desenvolvimento enquanto o capitalismo for preservado.
[6] Para aferir esse lapso temporal considera-se o surgimento das primeiras fazendas de monocultura de açúcar (nas quais foi empregada mão de obra escrava) por volta de 1530 até o ano de 1888, quando foi sancionada a Lei Imperial n. 3.353 (chamada popularmente de “Lei Áurea) pela Princesa Isabel, que estava em regência devido à ausência do imperador D. Pedro II do Brasil.
[7] Segundo INNOCENTINI (2009, p. 16), “Em março de 1534 o Rei de Portugal, Dom João III, dividiu a costa do país em Capitanias Hereditárias. Eram quinze lotes que formavam doze capitanias, que iam da Ilha de Marajó, a norte, até o sul do Estado de Santa Catarina. Foram definidas como faixas lineares de terra, que ignoravam os acidentes geográficos, e iam do litoral da costa do Brasil até o Tratado de Tordesilhas. […] A linha do Tratado de Tordesilhas coincide com o meridiano a 46º 37‟ longitude oeste, o qual passa pela atual cidade de São Paulo. Cada Capitania tinha mais ou menos uns 300 km de largura na costa, mas os dados divergem em relação à exatidão da extensão de cada Capitania, e algumas delas eram maiores que outras”, ou seja, enormes extensões territoriais. Esse sistema de divisão territorial perdurou por quase 300 anos, sendo extinto somente em 1821, menos de um ano antes da declaração de independência do Brasil.
[8] O “milagre econômico” foi como ficou conhecido um período compreendido entre a segunda metade da década de 1960 e a primeira metade da década de 1970 no qual a economia brasileira vivenciou um vigoroso crescimento, influenciado por medidas de inspiração keynesiana resultantes de um forte investimento no parque industrial nacional e em grandes obras. Contudo, ao terem sido majoritariamente financiadas por empréstimos e atração de investimentos externos, o “milagre” rapidamente se desfez diante da crise econômica internacional no final dos anos 1970. Segundo WELMOWICKI (2004, p. 43-44), havia “um tripé da acumulação entre a burguesia estrangeira, a nacional e o Estado. O Estado garantiu a infra-estrutura de serviços necessária à acumulação privada na indústria e no setor financeiro. […] O capital externo e seus associados internos multiplicaram as indústrias de bens de consumo durável, que produziam essencialmente para o mercado interno, para um público de classes alta e média (ou seu estrato mais alto). […] A burguesia nacional era o sócio menor e ganhava a sua parte do bolo como fornecedora das multinacionais […]”.
[9] A “Lei de Responsabilidade Fiscal” (LRF) é como ficou conhecida a Lei Complemente n.º 101, sancionada em 04 de maio de 2000, durante o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso (1998-2002). Em que pese a justificativa de estabelecer um controle de gastos à União, estados e municípios, a LRF determinou que “o Orçamento destaque o valor referente ao principal da Dívida Pública Federal a ser refinanciado das demais despesas pagas com emissão de títulos” (SILVA et. al., 2009, p. 227), ou seja, que os valores gastos com o refinanciamento não deveriam ser alvo dos limites prudenciais, não mais realizando análise das despesas previstas no orçamento da União com os efeitos da emissão de títulos para rolagem da dívida principal.
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