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Eleições no Chile e algumas lições para a esquerda socialista brasileira

Santiago, 3 de abril 2017. Junto a los diputados Giorgio Jackson (RD) y Gabriel Boric (MA), la periodista Beatriz Sanchez presenta su precandidatura presidencial. Su postulacion cuenta con el apoyo de Revolucion Democratica y el Movimiento Autonomista, organizaciones que resolvieron su respaldo en referendos universales, con m‡s de un 95% de votos a favor.. Javier Torres/Aton Chile.

André Freire

Historiador e membro da Coordenação Nacional da Resistência/PSOL

Por: André Freire, colunista do Esquerda Online

No último final de semana, aconteceram as eleições nacionais no Chile, tanto para a Presidência da República, como para a Câmara dos Deputados deste importante país da América Latina.

As pesquisas de opinião apontavam para uma vitória consagradora do candidato da direita tradicional, o grande empresário Sebastián Piñera, dono do Canal de Televisão Chilevisión. Ele foi presidente do país e é o terceiro homem mais rico do Chile.

Entretanto, o resultado efetivo das urnas mudou relativamente o cenário. Piñera chegou de fato em primeiro ligar, com 36,6% dos votos (as pesquisas chegaram apontar que ele poderia chegar a 45%). Em segundo lugar, chegou o candidato governista, o senador Alejandro Guillier, da Aliança Nova Maioria, apoiado pela atual Presidenta Michelle Bachelet, com 22,7% dos votos. Esses dois candidatos disputarão um segundo turno, ainda em dezembro, mas o resultado está completamente indefinido.

A Nova Maioria foi conformada majoritariamente a partir das organizações que eram parte da Concertación. A Concertación foi uma antiga aliança política de conciliação de classes, formada principalmente pelo Partido Socialista chileno, partido de Bachelet, e também por organizações diretamente burguesas e de direita, como a democracia cristã. Da Nova Maioria participa também o Partido Comunista chileno.

Porém, a grande novidade das eleições foi a votação expressiva de uma nova alternativa de esquerda, denominada Frente Ampla, construída apenas no início deste ano. Ela é formada por organizações como Revolução Democrática, Movimento Autonomista, Partido Humanista, Nova Democracia, Esquerda Autónoma, entre outras organizações.

A Frente Ampla foi construída a partir dos setores políticos que se conformaram e se desenvolveram depois das sucessivas rebeliões estudantis dos últimos anos, em defesa da educação pública. Sua candidata a Presidente da República, a jornalista Beatriz Sánchez, obteve 20,3% dos votos, e a Frente Ampla elegeu uma bancada de 20 deputados e deputadas, mais de 10% do parlamento nacional chileno.

Ela ousou apresentar uma nova proposta de esquerda para o Chile, que negasse a falsa polarização entre as candidaturas conservadoras, como a de Piñera, e as candidaturas da Concertación – Nova Maioria, como de Bachelet e Guillier. Afinal, ambas alternativas tradicionais já governaram várias vezes o Chile, sem representar uma mudança significativa na vida dos trabalhadores, da juventude e da maioria do povo chileno.

É necessário conhecer de forma mais aprofundada as propostas programáticas da Frente Ampla chilena, analisar também seus limites, uma tarefa para as próximas semanas. Mas, é inegável que o resultado demonstra um amplo espaço à esquerda neste país, oposto radicalmente à velha direita burguesa, mas que significa também uma ruptura, muito progressiva, com o velho projeto de conciliação de classes representado nas últimas décadas pela Concertación, e agora pela chamada Nova Maioria.

A esquerda socialista brasileira precisa ter ousadia política
O exemplo vindo do Chile aponta um caminho muito importante para a esquerda socialista brasileira. Aqui, como lá, precisamos de uma nova alternativa política de esquerda para nosso país, que enfrente a velha direita burguesa e reacionária, e a extrema-direita, mas que seja também uma superação do projeto de conciliação de classes representado pela direção do PT e dos 13 anos de governos petistas, tanto de Lula, como de Dilma.

Seria muito importante que o PT e Lula estivessem realmente dispostos a rever sua política de alianças com os partidos da velha direita, como o PMDB de Sarney e Renan Calheiros, ou mesmo mudar seu programa de governo, que não se propôs a mexer em nada com os interesses das grandes empresas e bancos.

Mas, infelizmente, as atitudes políticas da direção do PT, mesmo depois do golpe parlamentar do Impeachment, demonstram de forma inequívoca que a proposta de uma eventual candidatura de Lula não mudará de forma significativa o que foi o seu programa de governo e as suas alianças políticas espúrias.

Por exemplo, onde o PT está em governos de Estado vem aplicando a mesma política econômica que o governo de Temer e Meirelles. E é sempre útil lembrar que Temer era vice de Dilma, e mesmo assim o PT segue apoiando o PMDB em vários processos políticos, como foi na eleição de Eunício Oliveira para a Presidência do Senado.
Portanto, o momento é de ousadia para a esquerda socialista. De apresentar uma nova alternativa política, de independência de classe, que aponte um programa anticapitalista, através de propostas bem concretas, tais como a anulação de todas as reformas do governo ilegítimo de Temer, a auditoria e a suspensão do pagamento da dívida pública, a sobretaxação das grandes fortunas e heranças, cancelamento das isenções fiscais a grandes empresários, fim das privatizações, entre outras medidas.

Nossas propostas devem ter como objetivo imediato melhorar a vida do povo trabalhador, atendendo às reivindicações da classe trabalhadora e da juventude. E, para isso, limitar de forma significativa os lucros exorbitantes das grandes empresas e bancos.

Os passos concretos e imediatos
Devemos evitar dois erros principais neste processo. Em primeiro lugar, não se paralisar diante do receio de apresentar essa nova alternativa política. O momento não é de ficarmos presos ao passado, de acreditar que os nossos sonhos cabem dentro de um projeto político construído em aliança com os grandes empresários, que preserva os interesses dos ricos e poderosos, acenando apenas com concessões limitadas à maioria da população. O momento é de ousadia!

O outro erro a ser evitado é o representado pelo sectarismo e a autoproclamação. A nova alternativa de esquerda e socialista que devemos apresentar deve ser necessariamente construída de forma democrática, por distintos setores da esquerda socialista e dos movimentos sociais combativos.

Nenhum partido político conseguirá apenas sozinho apresentar uma alternativa que tenha capacidade de agregar amplos setores da classe trabalhadora e da juventude, que estão presentes nas lutas de resistência ao governo ilegítimo de Temer.

Por isso, o momento é de construção de uma verdadeira Frente de Esquerda Socialista, formada por partidos como o PSOL, PSTU e PCB, movimentos sociais combativos como o MTST e que são parte da Frente Povo Sem Medo, Centrais Sindicais alternativas como a CSP-Conlutas e as Intersindicais e organizações socialistas ainda sem legalidade.

Assim como no Chile, acreditamos que uma nova frente de esquerda no Brasil poderá ter um amplo espaço de diálogo com o povo trabalhador, apresentando, na prática, uma alternativa que pode mobilizar parcelas significativas dos trabalhadores e da juventude para a sua construção.

Foto: Radio Rebelde