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TEORIA

O Partido Comunista e a libertação negra na década de 1930

Por Paul D’Amato. Publicado originalmente na revista International Socialist Review

Tradução: Jéssica Milare, Revisão: Caio Dias Garrido

Uma visão comum da esquerda é que o marxismo sempre foi limitado quando se trata de combater o racismo. Como uma política da luta da classe trabalhadora, ela “privilegia” a classe sobre a raça, argumentando que a raça não tem importância, ou na melhor das hipóteses, uma questão secundária.

Um autor “neomarxista”, escreve um ataque típico ao marxismo no jornal Repensando o marxismo:

Marx esteve sempre preocupado principalmente com o capitalismo como modo de produção e com a emancipação dos trabalhadores predominantemente brancos da Europa… Os marxistas ortodoxos, na América e em outros lugares, como Marx, sempre reduziram as experiências concretas de intolerância racial diretamente ao capitalismo… Quando a exploração econômica capitalista morrer, também morrerá a intolerância. Os negros, portanto, precisavam silenciar ou ignorar totalmente as questões raciais e, em vez disso, enfatizar a solidariedade inter-racial da classe trabalhadora. Eles teriam que se mobilizar pelo socialismo e não contra o racismo. 1

O autor então ataca o Partido Comunista dos EUA (PC) por causa de sua “redução da consciência negra a categorias econômicas objetivas”. Embora ele reconheça que o PC na década de 1930 fez “tentativas valiosas de organizar trabalhadores e combater a discriminação” o que, “ocasionalmente, melhoraram as condições para milhares de famílias negras”, os líderes brancos do PC manipularam e “estabeleceram o domínio teórico sobre os negros”.

Há dois problemas com o argumento. Ele estabelece um marxismo caricato que nunca existiu, e apresenta o stalinismo como marxismo genuíno.

A luta contra a opressão sempre foi fundamental para a teoria e a prática marxistas. Os marxistas nunca contrapuseram a unidade da classe trabalhadora à luta contra o racismo. Pelo contrário, a luta contra todas as formas de opressão é uma condição indispensável para essa unidade.

Além disso, o ataque ao PC na década de 1930 está mal colocado. Em qualquer caso, o trabalho do PC contra o racismo na década de 1930 confirma a necessidade e a possibilidade prática de unir os trabalhadores negros e brancos, não só em torno de lutas econômicas comuns, mas também em questões de opressão negra. Que o PC, em última instância, abandonou seu compromisso de combater o racismo reflete não o fato de que a “ortodoxia” historicamente traiu a luta negra, mas sim que o PC na década de 1930 se tornou um partido completamente stalinista.

Este artigo pretende argumentar esses pontos concentrando-se em cinco áreas do trabalho do PC: seu desenvolvimento teórico da questão negra na década de 1920; seu papel na organização de uma luta multirracial para o combate ao desemprego; sua campanha nacional em torno do caso de Scottsboro; seu trabalho no Alabama organizando trabalhadores negros; e seu papel na construção de um movimento de trabalhadores multirracial no CIO.

Marxismo, PC e a Questão Negra

Os escritos de Marx e Engels ainda fornecem um excelente ponto de partida para entender o papel da opressão racial e nacional. Eles apoiaram todo movimento real contra a opressão. Expressando o seu apoio ao Norte na Guerra Civil, Marx escreveu no Capital :

Nos Estados Unidos da América, todo movimento dos trabalhadores independente estaria paralisado enquanto a escravidão desfigurasse uma parte da República. O trabalho não pode emancipar-se na pele branca onde na pele negra é estigmatizado. 2

Marx também apoiou o movimento de independência irlandês e argumentou que a dominação britânica da Irlanda ajudou a conter a luta dos trabalhadores ingleses:

Todos os centros industriais e comerciais ingleses agora possuem uma classe trabalhadora dividida em dois campos hostis: proletários ingleses e proletários irlandeses. O trabalhador inglês comum odeia o trabalhador irlandês porque ele vê nele um concorrente que prejudica seu padrão de vida. Em comparação com o trabalhador irlandês, ele se sente um membro da nação dominante e, por essa razão, ele se torna uma ferramenta dos aristocratas e capitalistas contra a Irlanda e, portanto, fortalece o domínio deles sobre ele próprio… O irlandês o paga de volta com juros em seu próprio dinheiro. Ele vê no trabalhador inglês tanto a cumplicidade quanto a ferramenta estúpida do domínio inglês na Irlanda.

Este antagonismo é artificialmente sustentado e intensificado pela imprensa, o púlpito, as tirinhas de quadrinhos, em resumo, por todos os meios à disposição das classes dominantes. Esse antagonismo é o segredo da impotência da classe trabalhadora inglesa, apesar da sua organização. Esse é o segredo que permite que a classe capitalista mantenha seu poder, pois esta classe está perfeitamente consciente. 3

Lenin atualizou Marx para o período do imperialismo, quando a separação do globo entre as maiores potências do mundo estava despertando movimentos contra a opressão nacional.

O proletariado deve lutar contra a retenção forçada das nações oprimidas dentro dos limites do estado dado… O proletariado deve exigir a liberdade de separação política para as colônias e nações oprimidas pela própria nação “deles”. Caso contrário, o internacionalismo do proletariado não seria senão palavras vazias; nem a confiança nem a solidariedade de classe seria possível entre os trabalhadores das nações oprimidas e opressoras…

Por outro lado, os socialistas da nação oprimida devem, em particular, defender e implementar a unidade plena e incondicional, incluindo a unidade organizacional, dos trabalhadores da nação oprimida e da nação opressora. Sem isso, é impossível defender a política independente do proletariado e sua solidariedade coletiva com o proletariado de outros países. 4

Quando a Internacional Comunista foi formada em 1919 – dos partidos revolucionários que se separaram das ideias reformistas da Segunda Internacional – as ideias de Lenin foram o ponto de partida para suas políticas.

Lenin e os líderes da Internacional Comunista levaram os comunistas dos EUA a adotar uma abordagem mais revolucionária da questão negra. Sob a sua influência, o Partido Comunista rompeu com a política do Partido Socialista nos EUA que via o racismo simplesmente como uma extensão da opressão de classe. Inicialmente, o PC sofria das mesmas limitações teóricas. A convenção fundacional da PC em 1919 referiu-se à questão negra como “um problema político e econômico. A opressão racial do negro é simplesmente a expressão de sua escravidão econômica e opressão, cada uma intensificando a outra.”5

O impacto da teoria do Comintern e de Lenin pode ser visto no programa do Partido (Comunista) dos Trabalhadores em 1921 que reconheceu o caráter especial da opressão negra:

Os trabalhadores negros americanos são explorados e oprimidos mais impiedosamente do que qualquer outro grupo. A história do negro do Sul é a história de um reinado de terror – de perseguição, estupro e assassinato… Por causa das políticas anti-negras do movimento dos trabalhadores organizado, o negro desesperou-se na busca de ajuda e foi conduzido para o campo dos inimigos do trabalho, ou foi compelido a desenvolver organizações puramente raciais que buscam objetivos puramente raciais. O Partido dos Trabalhadores apoiará os negros em sua luta pela Libertação e os ajudará na luta pela igualdade econômica, política e social… Sua tarefa será destruir completamente a barreira do preconceito racial que tem usado para separar os trabalhadores negros e brancos e ligá-los a uma sólida união de forças revolucionárias para a derrubada do nosso inimigo comum. 6

O PC foi a primeira organização socialista dos EUA a reconhecer que a condição especialmente oprimida dos negros exigia que os socialistas defendessem a luta contra a opressão legal, política, econômica e social. James Cannon, o primeiro presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (como o PC foi chamado) que mais tarde fundou a oposição trotskista ao stalinismo nos EUA, argumentou que a intervenção da Internacional Comunista foi decisiva para mudar o PC sobre esta questão. Esta nova abordagem tornou o PC atraente para uma camada de negros radicalizados pela Guerra, a Revolução Russa e o aumento da luta de classes nos EUA nesse período.

Vários líderes-chave de uma sociedade secreta chamada Irmandade de Sangue Africano foram atraídos para a PC. A Irmandade era nacionalista – exigindo um estado separado para os negros nos EUA. Mas também foi inspirado pela Revolução Russa e gravitava em direção à política socialista. A Irmandade defendeu a completa libertação social, econômica e política e a união entre os negros e os “trabalhadores brancos revolucionários conscientes da classe” .7 Uma maioria da liderança da Irmandade – incluindo Cyril Briggs, Richard B. Moore e Harry Haywood – se juntou ao PC e formaram o primeiro quadro de negros dentro dele.

Embora o recrutamento de negros do PC em seus primeiros anos não tenha sido alto, lançou as bases neste período para seus sucessos na década de 1930.

O Impacto do Stalinismo 

Infelizmente, no início da Depressão, o PC deixou de ser um genuíno partido revolucionário dos trabalhadores. A intervenção da Comintern ajudou inicialmente o PC novato. Mas, à medida que a Revolução Russa se degenerou, também a Comintern se degenerou. À medida que a guerra civil brutal fez com que a indústria e a agricultura russas colapsassem e as cidades fossem despovoadas, a burocracia de Stalin governava por cima, substituindo a democracia dos sovietes (conselhos de trabalhadores) que governava por baixo. A burocracia stalinista usou o enorme prestígio da Revolução para transformar a Comintern de uma organização dedicada à revolução mundial a uma organização subordinada aos interesses da política externa da URSS.

O ano de 1928 marcou a consolidação final de uma nova classe dominante capitalista do Estado na Rússia. No primeiro plano quinquenal de Stalin, milhões de trabalhadores foram enviados para campos de trabalho e milhões de camponeses levados a fazendas coletivas, já que o Estado acelerou o ritmo do desenvolvimento industrial. Esta mudança para o capitalismo de Estado burocrático, que representou a liquidação final da Revolução Bolchevique, foi apresentada como um giro à “esquerda”.

Este giro se refletiu na Comintern:

Em 1928, a Comintern, agora completamente sob o controle de Stalin, promulgou o dogma ultraesquerdista das políticas do “Terceiro Período” e do “Social-Fascismo”, que continuaria até Hitler chegar ao poder. De acordo com esta ‘teoria’ … o Terceiro Período, que estava então se abrindo, era trazer a agonia da morte do capitalismo. 8

Os partidos comunistas foram então condenados a rejeitar qualquer frente única com os socialdemocratas, que foram denunciados como “social-fascistas”. Os PCs receberam ordens para formar sindicatos “vermelhos” separados e controlados pelas PCs. O principal inimigo não era o fascismo – que procurava aniquilar o movimento da classe trabalhadora –, mas os reformistas “social-fascistas” e líderes sindicais.

O resultado dessa “teoria” aparentemente muito esquerdista foi uma atividade furiosa, isolada da massa de trabalhadores que ainda era influenciada pelas organizações reformistas – e uma passividade na prática para a construção de lutas unidas com os trabalhadores não-revolucionários. Esta política não representava um compromisso genuíno com a revolução. Pelo contrário. Stalin queria evitar os levantes sociais que poderiam provocar uma intervenção das potências estrangeiras contra a Rússia. Uma política que impedia uma frente única agressiva contra Hitler se encaixava bem nessa estratégia.

Na Alemanha, a linha do Terceiro Período provou-se desastrosa. A recusa do PC em unir-se com o partido socialdemocrata de massas contra Hitler abriu o caminho para a vitória de Hitler e a pior derrota da classe trabalhadora na História.

Nos EUA, o impacto do terceiro período não foi tão desastroso porque as apostas não eram tão altas. Ainda assim, a política do Terceiro Período de denunciar todas as forças políticas à direita do PC como fascistas ou “social-fascistas” – desde Roosevelt, à Federação Americana do Trabalho até o Partido Socialista – cortou do PC milhares de recrutas e aliados potenciais na luta.

Ao longo do tempo, as políticas em ziguezague do PC em resposta às demandas da política externa da URSS enfraqueceram o seu apelo e desmoralizaram muitos militantes que tinha se atraído para suas fileiras. Mas a URSS foi vista na década de 1930 por milhões de trabalhadores em todo o mundo como uma sociedade socialista. Apesar da degeneração stalinista, o enorme prestígio da Revolução Russa atraiu para o PC os melhores combatentes militantes da classe trabalhadora. À medida que a luta se recuperou em meados da década de 1930, o PC tornou-se o principal veículo de radicalização entre os trabalhadores. Milhares de trabalhadores se juntaram ou foram influenciados pelo Partido Comunista. Em 1930, contava com 7.545 membros. Esse número triplicou para 23.760 em 1934 e triplicou novamente para 75.000 no início de 1938.9

A Teoria do Cinturão Negro

Em 1928, a Comintern declarou que os negros nos EUA constituíam uma nação e defenderam a “autodeterminação no Cinturão Negro”. (O Cinturão Negro [Black Belt] era uma faixa de território que cortava o sul conhecido por seu solo rico e escuro, em que os negros rurais da época estavam concentrados em grande número).

A teoria não se encaixava nas condições e aspirações dos negros. Milhares estavam se mudando para o Norte para obter empregos na fábrica, já que o sistema de parceria estava morrendo e os negros estavam sendo expulsos da terra. Simplesmente não havia nenhuma base – nas condições ou nas aspirações dos próprios negros, – a exigência de um estado separado no Cinturão Negro. Isso não significa que não existisse um sentimento nacionalista. Particularmente no Norte, a Associação Universal para o Progresso Negro de Marcus Garvey (UNIA), que pediu um retorno à África, atraiu um seguimento de massa. Mas o apelo de Garvey não era porque os negros realmente queriam voltar para a África, mas por causa de sua mensagem de orgulho racial.

Além disso, a defesa de um estado separado em uma sociedade de segregação forçada poderia ser interpretada como um apoio à segregação, não uma luta contra ela. Talvez isso explique por que, na prática, o slogan nunca ganhou força no norte e foi rápida e silenciosamente abandonado no sul. O que restava era um compromisso primordial do PC de “considerar a luta em nome das massas negras… como uma das suas principais tarefas… [O] problema negro deve ser parte integrante de toda e cada uma das campanhas realizadas pelo partido.”10

A Conjuntura

A década de 1930 foi um período de crise econômica e radicalização da classe trabalhadora. O desemprego oficial passou de 8,8 por cento em 1930 para um pico de 25,2 por cento em 1933 (mais de 15 milhões de trabalhadores!), nunca reduzindo para menos de 13,8 por cento ao longo do período anterior à guerra.11

Para os negros, os números foram ainda mais aterrorizantes. Em cidades como Detroit, Chicago, Filadélfia e Nova York, o desemprego negro em 1932 variou de 40 para mais de 55 por cento. Os salários eram baixos e o auxílio desemprego era praticamente inexistente.12

A Lei de Recuperação Nacional de Roosevelt de 1933 – um programa de gastos do governo destinado a aliviar o impacto da crise – piorou as condições para os negros. Escreve o historiador Philip Foner:

Milhares foram dispensados e substituídos por trabalhadores brancos em empregos onde os negros estavam recebendo menos do que as escalas de salário mínimo estabelecidas; em agosto de 1933, os negros a chamavam de ‘Lei de Remoção de Negros’… Foi dada sanção legal a menores escalas de salários nas indústrias do Sul, especialmente para os negros.13

A Depressão criou as condições para uma explosão em massa de descontentamento entre todos os trabalhadores, mas particularmente entre os negros. Mas a Federação Americana do Trabalho (AFL), dominada e segregada por artesãos, bem como as organizações tradicionais de negros, como a Liga Urbana e a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP), com sua ênfase em ações legais, ofereciam pouca ou nenhuma resposta à crise. O fato de o PC ter tornado uma prioridade o aumento das demandas em torno do racismo como parte da luta geral das classes significava que os trabalhadores negros eram mais receptivos ao apelo classista do PC para lutas unidas de trabalhadores negros e brancos.

O PC iniciou várias lutas contra o racismo ao longo da década da Depressão. Os membros do PC lideraram as lutas contra as habitações precárias e os despejos, pelo auxílio-desemprego, contra o terror policial e o linchamento. Organizaram campanhas de massa para a defesa das vítimas de injustiça racista; criaram petições contra a segregação no beisebol; organizaram encontros e danças, manifestações e encontros sociais inter-raciais tanto no Norte como no Sul; eles iniciaram campanhas para erradicar manifestações de racismo dentro do partido. Quando os comunistas viajaram para Washington para demonstrar em nome dos Scottsboro Boys, eles pararam no caminho para se sentarem-se nas mesas de restaurantes que se recusavam a servir negros – uma tática adotada pelo movimento de direitos civis na década de 1960.14 Nestes anos, o PC pôde desafiar as organizações negras tradicionais como a NAACP e os Garveyites.

Como resultado, a adesão negra do PC passou de 200 membros em 1930 (menos de 3% do total) para 7.000 em 1938 (mais de 9%). Em algumas cidades, a porcentagem de membros negros era consideravelmente maior. Em Chicago, em 1931, cerca de um quarto dos 2.000 membros da cidade eram negros. Como os negros constituíam 11 por cento da população total dos EUA na época, esses números representam um passo pequeno mas importante na construção de um movimento multirracial. Numa época em que a segregação era desenfreada – legalmente no Sul e na prática no Norte – o PC era praticamente a única organização integrada no país.15

O Partido desenvolveu e promoveu líderes negros sistematicamente na organização, começando em 1929 ao eleger seis afro-americanos a seu comitê central. Também anunciou o líder negro do PC, James Ford, como candidato à vice-presidência nas eleições de 1932 e 1936.

Os Primeiros Anos da Depressão

Em 1930, o Partido Comunista chamou um Dia Internacional do Desemprego em 6 de março – uma série de protestos nacionais para exigir auxílio-desemprego. Marchas em todo o país trouxeram entre 500.000 a um milhão de pessoas. Este foi o primeiro grande levante da Depressão, e a primeira vez em muitas cidades que os desempregados negros e brancos foram vistos marchando lado a lado por seus direitos.

Na Union Square de Nova York, o protesto trouxe mais de 50 mil pessoas, um quarto das quais eram negras. Quatro policiais e mais de 100 manifestantes ficaram feridos quando 1000 policiais invadiram a multidão agitando seus cassetetes. Os negros lutaram lado a lado com os brancos para proteger a marcha contra a polícia.

Milhares de pessoas se juntaram a manifestações multiraciais lideradas pelo PC para salvar as famílias de despejos em todo o país. Em um incidente em Chicago em 3 de agosto de 1931, três negros morreram quando a polícia abriu fogo em 500 pessoas que acabavam de evitar o despejo de uma mulher negra.

Durante toda a semana, realizaram-se reuniões de protesto em massa de 5.000 a 8.000 pessoas e 1.500 policiais patrulharam o Lado Sul com armas antimotim e bombas de gás lacrimogêneo. Os corpos de Abe Gray, um comunista, e Jim O’Neil, um membro de um Conselho de Desempregados, jaziam sob um grande retrato de Lenin. Uma procissão de funeral para os trabalhadores mortos atraiu 60 mil participantes e 50 mil espectadores, bloqueando todo o tráfego.16

A marcha da fome na Ford mostra como o PC fez das demandas dos trabalhadores negros um componente fundamental do seu trabalho com relação ao desemprego. Em 7 de março de 1932, o PC organizou uma marcha da fome na Ford Motor Company exigindo empregos, 50 por cento de pagamento para os desempregados e $50 de auxílio de inverno por família. Trabalhadores levaram sinais dizendo “Nenhuma discriminação contra os negros nos empregos, auxílios, serviços médicos, etc.” A polícia abriu fogo contra 3.000 manifestantes. Quatro foram mortos e mais de 30 feridos. Um dos quatro trabalhadores mortos no ataque foi Curtis Williams, um trabalhador negro da Ford desempregado. Cinco dias depois, uma procissão fúnebre realizada para os quatro trabalhadores mortos atraiu 30 mil trabalhadores – a maior manifestação em Detroit até então.17

Em Harlem, o trabalho do PC para os desempregados ganhou a reputação de ser a organização disposta a lutar pelos trabalhadores desempregados negros e brancos. Em 1932, os organizadores do Black PC lideraram várias marchas locais por auxílio-desemprego pagos pelas autoridades locais. Em um dos “locais de Scottsboros” de Harlem, o PC organizou protestos para libertar Sam Brown, um organizador do conselho de desempregados que foi condenado a seis meses de prisão por liderar um protesto de desempregados (o líder branco do conselho detido com ele recebeu apenas uma sentença de 10 dias). Um agrupamento de centenas, predominantemente brancos, foi organizado em frente à casa do juiz. Depois de uma briga com a polícia, muitos foram presos. O historiador do PC de Harlem, Mark Naisan, escreve:

A vontade de tantos comunistas brancos de suportar prisões e espancamentos para proteger um camarada negro deu uma nova lógica e concretude aos argumentos comunistas em prol da solidariedade inter-racial. Vários dos líderes dos conselhos negros que participaram dessa luta… transformaram-se em alguns dos comunistas de Harlem mais sólidos e confiáveis.18

Essas lutas alcançaram resultados. Por exemplo, uma demonstração de 500 liderada pelo conselho de desempregados de Harlem em 1933 ganhou aluguel e cheques de comida para 25 pessoas. O PC ganhou uma reputação como a organização a quem os homens e as mulheres da classe trabalhadora negra poderiam recorrer.

Na luta por empregos, o PC enfrentou uma concorrência política feroz de grupos nacionalistas negros. Um nacionalista local proeminente, Sufi Abdul Hamid – que logo depois começou a se chamar de “Hitler negro” e exigir que os judeus fossem expulsos de Harlem – organizou um boicote de caráter anti-branco à Woolworth e outras lojas em 1934, coletando dinheiro de seus apoiantes em troca da promessa de empregos nas lojas que eles escolhessem.

Argumentando que esta abordagem aprofundaria as divisões raciais entre os trabalhadores negros e brancos, o PC organizou sua própria campanha de emprego, unindo negros e brancos em piquetes que pediam a contratação de negros, mas exigindo que nenhum branco fosse demitido. O boicote liderado pelo PC na Empire Cafeteria na 125th Street forçou o restaurante a contratar quatro negros sem demitir funcionários brancos. O impacto dessas lutas, em que os trabalhadores brancos foram vistos assumindo a liderança na luta por empregos para afro-americanos, reforçou o prestígio do PC.

No entanto, o sectarismo do terceiro período em relação a outras forças políticas enfraqueceu o impacto de seu trabalho. Em 1930, por exemplo, os comunistas interromperam uma conferência de Harlem sobre o desemprego presidida por A. Philip Randolph (presidente negro da Irmandade de Sleeping Car Porters e líder do Partido Socialista). Embora as exigências da conferência incluíssem um apelo a uma semana de trabalho de cinco dias, o dia de oito horas e as obras públicas para os desempregados, os comunistas que participaram denunciaram os participantes como “traidores”19.

O ultraesquerdismo do PC privou-o de potenciais recrutas e aliados. Mas sua militância tomou conta de uma crescente raiva e amargura que outras organizações no início não tocaram – e defender as necessidades e os direitos dos trabalhadores negros obteve uma reputação de antirracista que atraiu números significativos de negros para suas fileiras.

Scottsboro 

A campanha para libertar os Garotos de Scottsboro, mais do que qualquer evento em particular, marcou o surgimento do Partido Comunista como força na vida de Harlem. O papel do Partido no caso, e seus conflitos com a NAACP, foram notícias da primeira página, e seus comícios de protesto deram entrada em igrejas, organizações fraternas e clubes políticos que anteriormente estavam fechados a ele. Das plataformas, púlpitos e pódios, comunistas negros e brancos fizeram dos detalhes do caso de Scottsboro uma parte da consciência diária da comunidade até que “Scottsboro se tornou sinônimo de racismo, repressão e injustiça no Sul”. 20

Em 1930, nove jovens negros, de 13 a 21 anos, foram presos no Alabama e acusados ​​de estuprar duas mulheres brancas em um trem de carga. Embora não existissem evidências que os impliquem – até mesmo evidências de que o estupro ocorreu – os nove foram julgados e condenados com uma sentença de morte dentro de duas semanas, em meio a uma atmosfera de linchamento.

A Defesa Internacional do Trabalho (ILD), liderada pelo PC, rapidamente se mudou para o caso, ganhando os réus e seus pais para uma campanha que envolveu uma defesa legal forte – que pela primeira vez desafiou a exclusão dos negros dos júris – e um protesto em massa movimento para garantir sua liberação.

O caso de Scottsboro dividiu a população negra ao longo das linhas de classe. O NAACP – comprometido com uma política de pressão suave através dos tribunais e do Congresso e oposto ao protesto em massa – caixa de sabão permaneceu inicialmente distante em relação ao caso. “A última coisa que a NAACP queria”, escreve o historiador de Scottsboro, Dan T. Carter, “era identificar a Associação com um grupo de estupros em massa, a menos que eles estivessem razoavelmente certos de que os meninos eram inocentes ou que seus direitos constitucionais haviam sido respeitados”.

Alarmados de que o Partido Comunista pudesse ofuscá-los, a NAACP rapidamente manobrou, sem sucesso, para assumir o caso de Scottsboro. Mas mesmo assim, eles não o fizeram com a intenção de provar que os réus eram inocentes, mas sim para garantir-lhes um “julgamento justo”. Um “julgamento justo” de um júri totalmente branco na Alabama da década de 1930 para nove jovens negros acusados ​​de violar duas mulheres brancas era impossível.

A NAACP saiu do seu caminho para se distanciar do PC, oferecendo sua abordagem mais moderada como forma de prevenir o radicalismo entre os negros pobres. O líder da NAACP, Charles McPherson, por exemplo, desencorajou uma campanha de massa liderada pelo ILD para defender outra vítima negra da injustiça do sul, porque “vai fazer os brancos em Birmingham ficarem irritados”22.

O PC era tão sectário que, quando o advogado Clarence Darrow – o advogado liberal mais famoso dos EUA – ofereceu para ajudar a defender os Garotos de Scottsboro em 1931, os advogados da ILD apenas aceitariam sua ajuda com a condição de que ele renunciasse à NAACP.

O ILD realizou encontros com mães de Scottsboro em todo o país, às vezes reunindo milhares. Uma das mães, Janie Patterson, que se referiu a si mesma como “um dos vermelhos”, tornou-se uma palestrante efetiva na campanha. Em uma reunião em New Haven, Connecticut, ela disse: “Eles tentaram me dizer que o ILD era de brancos e vermelhos desonestos. Eu não tenho escolaridade, mas tenho cinco sentidos e sei que os negros não podem ganhar sozinhos… Não me importo se eles são vermelhos, verdes ou azuis. Eles são os únicos que enfrentam uma luta para salvar esses meninos e estou com eles até o fim”.23

O PC organizou um protesto em massa em Harlem, em abril de 1931, que começou com 200 comunistas, na maioria brancos, e chegou a mais de 3.000, na maioria negros, protestando contra o linchamento legal.

O ILD também defendeu trabalhadores contra linchamentos e lutou para libertar outras vítimas de injustiça racista. Para dar apenas um exemplo: um trabalhador da cidade Selma Black, Ed Johnson, foi preso e acusado de estupro em 1934. Logo depois, a mulher branca admitiu que a polícia a forçara a mentir. Quando a polícia tentou entregar Johnson para uma multidão de linchamento, o ILD organizou um esquadrão de defesa de ex-militares e escoltou Johnson com segurança.24 O historiador do PC em Birmingham, Robin Kelley, resume brilhantemente o papel do ILD:

Ativistas negros e brancos no ILD se afirmaram como defensores dos direitos constitucionais e civis básicos da comunidade afro-americana e, portanto, entraram em um campo da prática política geralmente considerado restrito aos movimentos negros burgueses ou liberais inter-raciais. O ILD não era apenas mais uma voz falando em defesa dos negros pobres, era um movimento composto de negros pobres. Não só forneceu defesa legal gratuita e procurou expor a “base econômica” do racismo no Sul, como também deu aos trabalhadores negros o que as organizações tradicionais da classe média não fariam – uma voz política. 25

O caso de Scottsboro levou muitos anos para ser resolvido. Em 1937, quatro dos nove réus foram finalmente libertados, e o último não foi liberado até 1950.

A estratégia do ILD de organizar uma campanha multirracial em massa para libertar os Garotos de Scottsboro foi justificada. Se o PC não tivesse agido rapidamente para organizar uma campanha nacional em massa, o caso de Scottsboro teria acabado rapidamente em um típico linchamento do Sul. Em vez disso, tornou-se um grito coletivo contra a injustiça e a prova de que os trabalhadores negros e brancos poderiam se unir como uma classe na luta contra o racismo.

O PC no Alabama 

O trabalho do PC no Sul centrou-se em Birmingham, Alabama. Em condições de repressão comparáveis ​​à Rússia tzarista, o PC conseguiu organizar trabalhadores negros e brancos em lutas para o auxílio, pelos Garotos de Scottsboro e por direitos sindicais. Rapidamente ganhou uma reputação entre a classe dominante do Sul como uma organização de “igualdade racial”. Em nenhum lado a relação entre exploração de classe e opressão racial era mais nítida. A classe dominante do Sul desenvolveu um sistema cuidadosamente construído de violência racial e segregação projetada para explorar os trabalhadores negros e brancos de forma mais eficaz. O PC era temido e odiado porque o chamado à união e à igualdade entre negros e brancos ameaçava destruir esse edifício.

O trabalho do PC no Sul começou em 1929, quando o partido enviou dois organizadores brancos para Birmingham. No final de 1930, o PC de Birmingham tinha crescido para 90 membros e havia recrutado cerca de 500 trabalhadores para “organizações de massa”. Em 1933, o Partido havia recrutado quase 500 membros, a maioria trabalhadores negros. A participação do PC em Birmingham sozinha atingiu 1.000 em 1934.26

Os negros que vieram ao redor do PC ficaram impressionados com a vontade dos comunistas brancos de tratar os trabalhadores negros como iguais. Escreve o ativista do PC Angelo Herndon, “Nós fomos chamados de” camaradas “sem condescendência ou patrocínio. Melhor ainda, fomos tratados como iguais e irmãos”.

A teoria do Cinturão Negro não teve nenhuma influência sobre o trabalho do PC. Seus ganhos foram obtidos agitando em torno de questões imediatas de extrema preocupação para os trabalhadores negros: pelo alívio do desemprego, contra injustiças e segregações legais, pelo direito de organizar sindicatos, salários superiores e iguais e pelo fim dos linchamentos.27

Como no Norte, o sucesso inicial do PC centrou-se na luta pelo auxílio-desemprego. A primeira manifestação pelo auxílio-desemprego, realizada no Capitólio de Birmingham em maio de 1931, atraiu 700 negros e 100 brancos. No dia 7 de novembro, chamou-se mais uma manifestação que atraiu 7.000 trabalhadores, na maioria negros, desempregados.

No ano seguinte, uma manifestação do dia de maio chamada pelo PC de Birmingham atraiu 3.000 trabalhadores. A polícia apoiada por legionários brancos e membros da KKK atacou a manifestação, mas os manifestantes resistiram. Um grupo de mulheres negras que participaram de uma reunião do Partido no dia seguinte “perguntaram com entusiasmo qual a hora e o lugar da próxima manifestação ‘porque elas queriam chicoteá-los’”.

Esses protestos foram impressionantes, dado o nível de repressão no Sul na época. O linchamento era muito comum e qualquer pessoa que se organizasse contra o racismo ou por direitos sindicais era alvo da violência das organizações da supremacia branca e da polícia, cujos membros geralmente pertenciam aos dois grupos. O número de “klaverns” do KKK aumentou em 44 apenas em 1934. Em resposta a um panfleto do Klan de nome “Cuidado, Negros” que ameaçava os negros para se manterem longe dos comunistas, um panfleto do ILD foi emitido alertando “KKK! Os trabalhadores estão de olho em vocês! “

O estado, em resposta à atividade comunista, aprovou leis que proibiam a distribuição de literatura radical. A repressão obrigou os membros do PC a trabalharem clandestinamente. As reuniões eram realizadas em segredo. As mulheres negras disfarçadas de lavadeiras contrabandeavam panfletos das casas de comunistas brancos em cestas de lavanderia. Os organizadores do partido esconderam cópias de jornais do PC em árvores ocas.

A pior repressão foi feita contra os meeiros negros, que o PC organizou no Sindicato de Cultivadores e Trabalhadores Agrícolas (CFWU) em 1931 e que cresceu para 800 membros em questão de meses.

A união foi esmagada depois que um encontro sindical para os Garotos de Scottsboro em Camp Hill, Alabama, foi dispersado por vigilantes brancos armados, que assassinaram Ralph Gray – um dos fundadores do CFWU – e incendiaram sua casa. Os restos do CFWU reagruparam e formaram o Sindicato dos Agricultores Inquilinos (SCU). Em face da repressão maciça e total, os donos da SCU foram obrigados a disfarçar suas reuniões como reuniões “bíblicas” e a se armarem. O líder do PC, Harry Haywood, observou que os meeiros chegaram a reuniões com “um pequeno arsenal”.

As tensões voltaram a crescer em 1932 em uma cidade perto de Camp Hill, quando 15 membros negros armados da SCU defenderam um agricultor endividado cuja terra estava sendo apreendida. Eles se enfrentaram com o pelotão de um xerife em um tiroteio que deixou um membro do SCU morto e vários feridos. Na onda de terror de massa que se seguiu, os negros foram forçados a fugir para a floresta para escapar das bandas de vigilantes armados. James Clifford – ferido no tiroteio – mais tarde morreu na prisão depois de recusar atenção médica. Uma procissão fúnebre realizada em Birmingham para os dois membros da SCU mortos atraiu 3.000 manifestantes e 1.000 espectadores.

Apesar desta repressão, o SCU no seu auge se inscreveu em mais de 8 mil meeiros, alguns brancos, mas na maioria negros.

Em Birmingham, mesmo mais do que nas cidades do Norte, o PC pôde, por um momento, se posicionar como a organização mais preocupada com as questões e demandas dos trabalhadores negros. Em Birmingham, a classe média negra era extremamente moderada quando se tratava de uma segregação desafiadora. Não havia praticamente nenhuma outra organização que não fosse a PC que fez uma pretensão de organizar trabalhadores negros e os pobres por seus direitos. O PC, portanto, era praticamente, até o CIO ir para o sul, o único ponto focal de radicalização entre os trabalhadores negros. O PC passou a ser visto como a organização que luta contra o racismo de Jim Crow. Em Harlem, por outro lado, o ultraesquerdismo do Terceiro Período dos PCs foi mais prejudicial, porque impediu o PC de pedir uma unidade principista em torno de lutas imediatas que poderiam ter ajudado a conquistar os negros dos garveyistas nacionalistas ou do NAACP liberal – ambos tinham uma presença maior e mais influente entre os negros em Harlem.

O CIO e a Frente Popular 

O ano de 1933 marcou o início de um aumento na luta de classes. As greves triplicaram para 1.856 em 1934 e atingiram um pico de 4.470 em 1937.28 A onda de greve foi acompanhada por uma explosão de organização sindical: a adesão passou de 2,6 milhões em 1934 para 7,3 milhões em 1938.

Os trabalhadores negros eram uma parte significativa da força de trabalho: 9,9 por cento dos mineiros de carvão, 18,9 por cento dos trabalhadores da indústria siderúrgica e 35 por cento dos estivadores.29 Forçados a assumir os trabalhos mais sujos e com menores salários, eles também começaram a se juntar a sindicatos em números sem precedentes. Em 1930, 50 mil negros estavam filiados a sindicatos. Em 1940, meio milhão de trabalhadores negros se uniram a sindicatos.30

Pouco tempo depois da vitória de Hitler em 1933, o Comintern deu um giro de 180 graus. Temendo um ataque nazista contra a URSS, Stalin procurou estabelecer alianças militares com Grã-Bretanha e França. De acordo com esta nova abordagem, a linha ultraesquerdista do Terceiro Período deu lugar ao seu completo oposto: a Frente Popular. Os PCs agora eram chamados a fazer unidades com todos – mesmo com partidos burgueses – para fazer pressão nos países “democráticos e antifascistas”.

Nos EUA, o PC de repente tornou-se defensor ferrenho de Roosevelt e do New Deal. Anteriormente denunciado como fascista, Roosevelt tornou-se agora “o porta-voz antifascista mais destacado dentro das democracias capitalistas”. O líder do PC Earl Browder listou entre as realizações de Roosevelt em 1937 a “aplicação dos direitos dos negros”.

O giro do Comintern para a Frente Popular em 1935 coincidiu com a criação do Congresso de Organizações Industriais (CIO). O CIO foi formado por John L. Lewis do Sindicato Trabalhadores das Minas (UMW) e um punhado de outros líderes sindicais da Federação Americana do Trabalho (AFL) que entenderam claramente a necessidade de organizar trabalhadores das indústrias. Embora Lewis tivesse na década de 1920 despejado implacavelmente os comunistas e outros militantes da UMW, o aumento da sindicalização e das greves levaram-no a concluir que, para organizar sindicatos industriais de Automóveis, Aço e Borracha, ele teria que trazer o melhores organizadores. Os melhores organizadores eram membros do Partido Comunista.

A AFL era dominada por sindicatos artesanais que se recusaram a organizar trabalhadores não-qualificados, nativos, negros e imigrantes. Em vez de desafiar as táticas dos patrões de dividir os trabalhadores para dominá-los, particularmente no Sul, os líderes da AFL capitularam ao racismo e à segregação.

A mudança de Lewis e outros na AFL para organizar trabalhadores em uma base industrial representou automaticamente a questão de organizar todos os trabalhadores – negros e brancos, imigrantes e nativos – juntos. Sem apelar para que os trabalhadores negros se juntassem e fizessem parte do novo movimento sindical, o CIO não poderia ter sucesso.

Em 1936, 40,3 por cento dos membros do PC estavam em sindicatos, organizados em mais de 600 núcleos.32 Eles se tornaram ativistas e líderes chave nas unidades organizadoras de massa do CIO. De acordo com o líder do PC, William Z. Foster, 60 dos 200 organizadores que lançaram o Comitê Organizador dos Trabalhadores do Aço (SWOC) eram comunistas. E no sindicato do Trabalhadores dos Automóveis (UAW), os membros da PC no chão de fábrica e nos sindicatos da união desempenharam papéis principais nas greves sentadas. Os membros e adeptos negros do PC foram cruciais para levar os negros ao CIO. Três dos seis primeiros organizadores negros do UAW tiveram experiência prévia com o sindicato de trabalhadores do automóvel organizado pelo PC. Um organizador do SWOC – um membro negro do PC que liderou as marchas de desempregados no início dos anos 30 – sozinho fez com que cerca de 2.000 trabalhadores negros do aço se filiassem ao sindicato na área de Pittsburgh.33

As ideias racistas predominantes faziam com que os trabalhadores brancos não percebessem automaticamente a importância da unidade antirracista dos trabalhadores negros e brancos, mas o surgimento da luta proporcionou as condições para quebrar o racismo.

Em algumas situações, os trabalhadores brancos reconheceram instintivamente que as demandas antirracistas estavam na raiz de fortes sindicatos solidários. Trabalhadores brancos do aço juntaram-se com seus camaradas negros em sua “revolução dos direitos civis” no final da década de 1930 em cidades de aço recém-organizadas que reúnem os rios Allegheny, Monongahela e Ohio, desagregando tudo à vista, de restaurantes e lojas de departamento a salas de cinema e piscinas.34

Não é exagero dizer que os militantes do PC desempenharam o papel mais importante em iniciar e liderar essas lutas para quebrar as barreiras do racismo entre trabalhadores brancos e negros e trazer trabalhadores negros para o novo movimento trabalhista.

No entanto, à medida que o PC se girou para a fase da Frente Popular, abandonou a militância de base para acomodar-se com Lewis e a burocracia do CIO. De fato, a condição de Lewis de trazer membros do Partido Comunista como organizadores sindicais – uma condição aceita pelo PC – era que eles minimizassem suas políticas e se comportassem apenas como bons ativistas. Embora os membros do PC fossem líderes-chave no terreno nas greves sentadas, os líderes do PC apoiaram os esforços de Lewis para dar um fim nelas. Essa tendência foi reforçada pela orientação do PC para adquirir posições de liderança na burocracia. De acordo com Harvey Klehr, os membros do PC lideraram 40% dos recém-formados sindicatos do CIO.35 Esta orientação, em alguns casos, reduziu o compromisso do PC em combater o racismo.

Assim, por exemplo, no sindicato de trabalhadores de trânsito de Nova York, os líderes sindicais do PC não desafiaram a recusa do sindicato em incluir uma cláusula contra a discriminação em suas propostas de contrato em 1937 por medo de afastar trabalhadores brancos conservadores na união.36

A Frente Popular fez o Partido trabalhar com organizações que já havia denunciado e se recusado a trabalhar anteriormente. Em Harlem, o PC foi fundamental na organização de uma manifestação de 25 mil negros e italianos-americanos contra a invasão de Mussolini na Etiópia em um momento em que o sentimento anti-italiano era elevado na comunidade negra. O anti-imperialismo do PC, no entanto, foi manchado quando o New York Times revelou que Stalin estava vendendo petróleo e outros materiais para o governo de Mussolini. Um número de negros desertou do PC como resultado desta revelação.37

O PC, em aliança com A. Philip Randolph e vários líderes e organizações liberais negros, estabeleceu o Congresso Nacional Negro (NNC). O NNC foi crucial para ajudar a organizar os trabalhadores negros no CIO e em trazer questões antirracistas para o movimento trabalhista. Mas com o NNC, o PC aceitou um papel como um parceiro júnior furtivo. Nesta e em todas as áreas do trabalho, os membros da PC agora deveriam, na melhor das hipóteses,  minimizar ou, na pior das hipóteses, esconder completamente sua participação no Partido, aliciando seus aliados liberais.

O alojamento do PC ao liberalismo de Roosevelt e do New Deal significou apoiar o Partido Democrata, que se recusou a desafiar a segregação por medo de alienar sua ala “Dixiecrat” do Sul. Roosevelt até se recusou a apoiar a legislação contra o linchamento em um momento em que gangues cometiam dezenas de linchamentos contra os negros a cada ano – 28 apenas em 1933.38

Os defensores do New Deal do Sul se recusaram a desafiar o linchamento, a segregação de Jim Crow ou a restrição das eleições primárias apenas aos brancos. Isso, no entanto, não impediu o representante do Sul do PC no comitê central, John Ballam, de proclamar:

É inteiramente no campo da política prática para os trabalhadores, os agricultores e a classe média da cidade – o povo comum do Sul – tomar posse da maquinaria do Partido Democrata, no Sul, e transformá-la em agente da democracia e progresso.39

Os resultados práticos desta nova linha – especialmente no Sul – foram surpreendentes. Em 1937, o PC apoiou o democrata Lister Hill no Alabama, um oponente, como praticamente todos os Democratas do New Deal do Sul, de legislação anti-linchamento.40 O semanal do PC, Trabalhador do Sul – que regularmente apresentava cartas de trabalhadores negros descrevendo suas lutas e condições – foi descartado e substituído pelo Novo Sul, um “Jornal de Opinião Progressiva”, projetado para atrair liberais do Sul. O ILD – a organização que atraiu milhares de negros em todo o país para o seu trabalho militante em torno do caso de Scottsboro e outros – foi dissolvido sumariamente em 1937 e todos os membros do PC foram obrigados a se juntar à NAACP. Embora a sua adesão tenha se deslocado para a esquerda sob a influência da recuperação da luta de classes, a NAACP continuou empenhada em lobbies e esforços legais para garantir reformas modestas.

Em 1937, os organizadores comunistas da Marcha Nacional do Emprego em Washington não conseguiram nomear organizadores negros e se recusaram a nomear negros para as delegações de lobbies para o Congresso, por medo de envergonhar os apoiadores do auxílio expandido do Sul.

O oportunismo stalinista do PC desiludiu muitos membros negros que se sentiram atraídos pelo trabalho do PC contra o racismo. Embora o Partido continuasse a crescer, seus ziguezagues políticos, ditados pela burocracia na Rússia, comprometeram e minaram seu compromisso de combater o racismo. A credibilidade do PC foi ainda mais corroída quando, em 1939, como resultado do pacto Hitler-Stalin, o partido novamente reverteu sua política de frente única e começou a denunciar Roosevelt de novo. Com a invasão de Hitler da Rússia, o partido tornou-se novamente o maior líder de torcida de Roosevelt, convidando negros a deixarem de lado suas demandas para integrar o exército e as indústrias de produção de guerra para o sucesso do esforço de guerra – até mesmo apoiando a colocação de americanos de descendência japonesa em campos de concentração.

Conclusão 
É comum afirmar que o PC subordinou a luta pela liberdade negra à política externa de Stalin. O problema é que, para a maioria dos críticos, isso é visto como um fracasso não do stalinismo, mas do marxismo. Nada poderia estar mais longe da verdade.

O abandono do partido da luta negra militante foi acompanhado por seu apoio a Roosevelt, sua acomodação ao liberalismo e seu afastamento da classe trabalhadora – em suma, o abandono do marxismo.

Alguns historiadores de esquerda argumentam que a frente popular foi um grande passo em frente porque trouxe o PC para fora do seu isolamento e na correnteza da política americana. Alguns, por outro lado, são mais atraídos para o Terceiro Período por causa da militância ultraesquerdista dos PCs. A verdade é que, em ambos os períodos, o PC – amarrado pelos ditames de Stalin – tinha deixado de ser um partido comprometido em fazer avançar a luta de classes nos EUA. No seu Terceiro Período ultraesquerdista, desperdiçou qualquer possibilidade de construir verdadeiras frentes de luta. No período da Frente Popular, sua aliança sem princípios com liberais e devoção acrítica a Roosevelt canalizou o impulso radical de dezenas de milhares de trabalhadores longe da política revolucionária.

Os marxistas revolucionários sempre estiveram na vanguarda da luta contra o racismo. No centro do marxismo está a ideia de que os trabalhadores – a maioria da sociedade, de composição multirracial – só conseguem sua emancipação se se unirem contra seus opressores e exploradores comuns. É por essa visão que os socialistas sempre colocaram a luta contra o racismo como uma prioridade. Sem uma luta consistente contra o racismo, uma unidade baseada na igualdade não pode ser alcançada. Sem superar as divisões que garantem o regime do capitalismo – do qual o racismo é o mais venenoso – a classe trabalhadora não pode se libertar.

A importância do trabalho do PC na década de 1930 – apesar do stalinismo – é que mostrou que essa unidade de combate é possível nos Estados Unidos. Se o PC tivesse sido um verdadeiro partido revolucionário durante a Depressão, que combinasse o compromisso de combater o racismo com a vontade de se unir com outras forças ainda não conquistadas para ideias revolucionárias, poderia ter crescido de forma ainda mais massiva e decisivamente ganhando trabalhadores – ambos negros e brancos – para longe do liberalismo do New Deal, da NAACP e do beco sem saída do nacionalismo negro. Mas, como não o foi, uma oportunidade de grandes proporções foi perdida. Se entendemos tanto as conquistas do PC quanto a luta contra o racismo e os motivos das suas deficiências, os socialistas de hoje podem aprender lições valiosas na luta contra o racismo e para o socialismo.

As ideias apresentadas por Gorman em “Black Neo-Marxism”, Rethinking Marxism, 1989, pp.  120-123 [o texto original, por um provável problema de edição, substituiu a passagem pela referência] são comuns à esquerda e têm uma longa história. O número de negros que se desiludiram com sua experiência no Partido Comunista – por exemplo, George Padmore, fundador do movimento Pan Africanista e aclamado autor Richard Wright – igualou o PC da década de 1930 ao marxismo e fez com que se tirassem conclusões semelhantes às de Gorman de que o marxismo “falha” em relação aos negros.

  1. Philip Foner, British Labor and the American Civil War (London: Holmes & Meier, 1981), p. 113.
  2. Letter to Meyer and Voght, Writings Vol. 3 (New York: Vintage, 1977), p. 169.
  3. V.I. Lenin, “The Socialist Revolution and the Right of Nations to Self-Determination,” Collected Works, Vol. 22 (Moscow, 1976), pp. 147-148.
  4. Philip Foner and James S. Allen, Eds., American Communism and Black Americans (Temple, 1987), p.3. Na verdade, dois partidos comunistas se formaram em 1919 – o Partido Comunista dos Trabalhadores e o Partido Comunits, que se fundiram em 1921.
  5. Foner and Allen, op. cit., p. 9.
  6. Philip Foner, Organized Labor and the Black Worker, 1619-1981 (New York: International Publishers, 1981), p. 149.
  7. Tony Cliff, The Darker the Night, the Brighter the Star: Trotsky: 1927-1940 (London: Bookmarks, 1993), p 110.
  8. R. J. Alperin, Organization in the Communist Party, United States, 1931-1938 (Doctoral Dissertation, Northwestern University, 1959), p. 49.
  9. Sharon Smith, End of the American Dream: The U.S. Working Class at the Crossroads (unpublished manuscript), p. 45.
  10. Alperin, op. cit., p. 32.
  11. Harvard Sitkoff, A New Deal for Blacks, (Oxford, 1978), pp. 36-37.
  12. Foner, op. cit., p. 200.
  13. Sharon Smith, op. cit., p. 43.
  14. Alperin, op. cit., p. 60.
  15. Harvey Klehr, The Heyday of American Communism (Basic, 1984), p. 332.
  16. Foner, op. cit., p. 196. Rhonda Levine, Class Struggle and the New Deal (University of Kansas, 1988), p. 54.
  17. Mark Naison, Communists in Harlem During the Depression (New York: Grove Press, 1974), p. 78.
  18. Sharon Smith, op. cit., p. 38. Este não foi o primeiro incidente. Em 16 de fevereiro de 1934 – depois da vitória de Hitler na Alemanha – 5.000 membros do PC liderados por Robert Minor e Clarence Hathaway, o editor do Daily Worker, organizaram uma manifestação socialista de massas em Nova Iorque chamada para protestar contra o massacre de trabalhadores da Áustria pelo chanceler fascista Dolfuss. Não há dúvidas de que atividades como essas desmoralizaram militantes do PC e causaram revoltas em potenciais apoiadores. [Fraser M. Otanelli, The Communist Party of the United States (Rutgers, 1991) p.56].
  19. Naison, op. cit., p. 60.
  20. Dan T. Carter, Scottsboro: A Tragegy of the American South (Louisiana State, 1994), p. 52.
  21. Robin Kelley, Hammer and Hoe: Alabama Communists During the Great Depression (Chapel Hill, 1990), p. 84.
  22. Carter, op. cit., p. 144.
  23. Kelley, op. cit., p. 90.
  24. Ibid., p. 91.
  25. Material para essa sessão vêm de Kelley, Hammer e Hoe, exceto nos casos indicados em contrário. O livro de Kelley sobre o PC no Alabama o livro de Naison’s book sobre o PC em Harlem são, de longe, os melhores livros sobre o PC nos anos 1930, e grande parte do material deste artigo depende deles.
  26. Otanelli, op. cit., p 39.
  27. Alperin, op. cit., p. 29.
  28. Ibid, p. 33.
  29. Foner, op. cit., p. 231.
  30. Klehr, op. cit., p. 207, and Otanelli, op. cit., pp. 114-115.
  31. Alperin, op. cit., pp.53-55.
  32. Foner, op. cit. p. 219.
  33. Mike Goldfield, “Was There a Golden Age of the CIO?” Trade Union Politics, American Unions and Economic Change 1970s-1990s (Humanities Press, 1995), p. 88.
  34. Klehr, op. cit., p. 238.
  35. Naison, op. cit., pp. 265-266.
  36. Naison, op. cit., p. 157. Wilson Record, The Negro and the Communist Party (Athaneum, 1951), p. 139.
  37. Sitkoff, op. cit., p. 288.
  38. Kelley, op. cit., p. 177.
  39. Ibid, p. 134.
  40. Naison, op. cit., p. 264.