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BRASIL

ENTREVISTA | Ataques e resistência no setor da saúde no Rio de Janeiro

Por: Igor Dantas, do Rio de Janeiro, RJ

A sociedade brasileira vive um duro período em sua história. Desde o golpe parlamentar de 2016, se intensificou uma forte ofensiva burguesa às classes populares, o desemprego está alto, a crise econômica segue e ataques a direitos são parte do cotidiano do trabalhador no país. Uma das faces mais cruéis desses ataques é o descaso e desrespeito ao direito à saúde pública, e aos trabalhadores desse setor tão relevante em qualquer nação. Um exemplo é a PEC 241, aprovada em 2016. Com ela, os gastos com inúmeros setores da economia, incluindo a saúde, foram limitados ao valor da despesa no ano anterior corrigida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, por um período de 20 anos.

Para se aprofundar nessa situação dramática, o Esquerda Online entrevistou a nutricionista, membro da executiva da CSP – Conlutas e experiente militante na causa da saúde, no Rio de Janeiro, Cintia Teixeira.

Esquerda Online – Como você analisa a conjuntura nacional e o panorama atual da saúde no Rio de janeiro e no Brasil?

Cintia Teixeira – Então, nós (da saúde) entendemos que é um ataque ideológico desse governo ilegítimo de Michel Temer e do ministro da saúde Ricardo Barros. Esse ataque ideológico tem a ver com a perda de direitos, não só com a questão das reformas da Previdência e Trabalhista, mas um ataque a um direito que é legítimo e foi conquistado pela população, pelos trabalhadores que lutaram contra a ditadura nas décadas de 60, 70. Aí veio a reforma sanitária e a gente conseguiu construir o Sistema Único de Saúde (SUS) público, gratuito, para a população. Você pode ir, é um direito seu ser atendido nos quatro cantos do país e com todos os profissionais, todas as equipes e elas deveriam ser montadas com todos os profissionais da rede. Por ser um ataque de perda de direitos, a gente entende que é um retrocesso de todas as políticas públicas de saúde. Esse governo, na realidade, quer implementar o plano de saúde popular, em detrimento ao  SUS. O próprio ministro da Saúde, que a gente chama de ministro empresarial da Saúde, já verbalizou isso nas suas entrevistas, nas conferências do setor. Que ele quer flexibilizar as fiscalizações de plano de saúde e quer implementar o plano de saúde acessível.

O que é mais temeroso é que a população venha passando por mais esse ataque, que o estado do Rio de Janeiro é o único estado que ainda tem uma rede pública federal, com seis hospitais, três institutos. O modelo de gestão ainda é o modelo de gestão próprio, direto da gestão pública. Esse governo quer desmontar a rede, então é um ataque muito frontal pelo qual o estado do Rio está passando, Na realidade, está fazendo uma desassistência à população. Então a gente considera isso como um ataque ideológico, de direitos, que é o direito ao SUS, a gente entende que ele tem que se manter enquanto direito universal. No Congresso da CSP-Conlutas nós votamos uma moção que é a continuidade da defesa do SUS como direito e não como concessão. Isso também foi uma vitória, que só referenda nossa política diária na luta pelo SUS via os militantes da CSP-Conlutas.

EO – Quais os principais ataques, cortes que as categorias envolvidas com os serviços de saúde vêm sofrendo?

Cintia Teixeira – Para continuar com esse ataque ideológico é mais cruel incluir a saúde na PEC da morte, do congelamento de gastos e todas essas contrarreformas aí. Então, na realidade, não só na gestão do Temer, que isso fique bem claro,  mas também na gestão do PT, já estavam acontecendo cortes orçamentários para a Saúde. Além disso, tem a questão do congelamento de gastos para o setor. Paralelo a isso, tem a questão de que o governo, através de uma portaria, altera o programa nacional de atenção básica (PNAB), o que significa que restringe o número de profissionais da equipe de família, da estratégia de saúde de família, que faz o atendimento direto à população no território. Então, ainda existe o congelamento de gastos e a reestruturação da rede, com a mudança da PNAB na rede federal, que são seis hospitais e três institutos aqui no Rio de janeiro. O governo abruptamente corta os contratos de trabalho de diversos profissionais, e através de uma luta hoje acabamos de receber a notícia de que a Justiça enquadrou o Ministério da Saúde. O Ministério tem que recontratar esses trabalhadores, por que, na realidade, representam quase 40% da mão de obra que vai ficar desprotegida para atender a população em hospitais e institutos de alta complexidade. Na realidade, é uma política cruel desse governo porque a população está ficando desassistida. Vários serviços foram fechados por falta de mão de obra, porque o governo cortou esses contratos na saúde, nos hospitais e institutos. Então, a gente entende que isso, além de um ataque ideológico, é muito cruel, pois está lidando com a vida das pessoas, é uma política genocida. Esses ataques acontecem através da PEC da Morte, corte de gastos e investimentos nos planos de saúde, mudança na PNAB. Na verdade essa reestruturação é para desmontar o SUS. Só que esses ataques têm, de alguma forma, fortalecido uma resistência pela base, e o mais interessante, a base, através de suas lideranças de movimentos sociais, sindicais e ativistas, têm se organizado através de comando de mobilização. Como a gente ajudou a construir a mobilização da saúde nacional, agora no município construímos o comando de mobilização “nenhum serviço de saúde a menos”. Isso tem sido muito interessante, pois tem tensionado sindicatos burocráticos a rever os seus conceitos e vir para a luta, porque é necessário o movimento sindical estar nesse processo de defesa do SUS e ajudar na organização da classe. Esses ataques são muito cruéis, mas a população, os trabalhadores e pacientes têm se movido para fortalecer a resistência.

EO – Apenas para que fique claro, trata-se, então, de um sucateamento do SUS para substituí-lo por planos de saúde populares, mas ao custo de praticamente colocar em risco a população a doenças e mortes que poderiam ser evitadas, não é?

Cintia Teixeira – Interessante é o prefeito Crivella que, durante a campanha, dizia que iria cuidar das pessoas, iria acrescentar R$ 250 milhões à saúde, não fez isso. Mal iniciou o mandato, já anunciou que iria cortar 11 clínicas da família. Então, os trabalhadores se organizaram, junto com os pacientes e seus familiares, e conseguimos uma vitória que é o não fechamento das clínicas. Só que na mudança da PNAB, em que há restrição de equipes de família, de profissionais, já está tendo demissão. O modelo de gestão da Prefeitura do Rio para todas as unidades de clínicas da família e UPAs é com as Organizações Sociais (OSs). Para isso, a mando de uma política nacional, eles estão demitindo trabalhadores, para justificar redução, inclusive do valor dos contratos. E, nessa luta,a gente tem um ganho hoje, amanhã tem um retrocesso, mas esse processo, a luta, segue, porque a gente entende que eles, do governo, querem desmontar o SUS para justificar a implementação de um programa de saúde de planos populares.

EO – Mas, e quanto  à resistência dos trabalhadores afetados na saúde, como está a reação?

Cintia Teixeira – Bom, há resistência. Como a gente entende que é um ataque ideológico desse governo, o movimento sindical na saúde federal entendeu que só o movimento sindical não daria conta de defender o SUS, defender os trabalhadores, lutar pelos seus direitos e pelos direitos da população. Então, nós conseguimos montar uma frente, uma frente única, que é a frente em defesa dos hospitais e institutos federais, que tem mais de cem assinaturas dentre movimentos populares, sindicatos e conselhos de categoria no âmbito nacional, inclusive de parlamentares. Isso é o que vem vem movendo. A gente entende que tem que ser uma ação jurídica, administrativa, institucional com a luta direta. Então, criamos essa frente que conseguiu fazer vários atos, fechamento de grandes avenidas, grandes vias, nos hospitais aqui no Rio. No estado, já existe um comando de mobilização que deu o ‘start’ no processo da construção da greve do estado.  Há atrasos de salário dos servidores, questionamentos do modelo de gestão via organização social. No município, há a organização do comando de mobilização, chamado ‘Nenhum serviço de saúde a menos’, que está dando suporte aos comandos de greve que estão sendo instituídos.

Hoje, nós temos a greve dos médicos residentes, de nutricionistas do NASF e diversas outras profissões já estão com as agendas de assembleias marcadas. Essa semana aconteceu uma assembleia lotada dos enfermeiros, para deflagração da greve com calendário de processo de luta. Então, essa resistência segue, mas a gente entende que o ataque é muito frontal, é muito duro e que, por isso, é fundamental a unidade da classe dos trabalhadores, junto com os moradores. Estamos intensificando muito os atos no território, para envolver a comunidade. E isso tem fortalecido os trabalhadores das unidades, assim como está tensionando o próprio governo, em especial a Prefeitura do Rio de Janeiro. A gente está, literalmente, caçando o prefeito, indo para cima, exigindo audiências, porque ele foge dos trabalhadores. Estamos exigindo que não tenha corte orçamentário. É bom dizer que nessa resistência a gente conseguiu duas audiências públicas na Câmara Municipal. Na segunda audiência pública, infelizmente, a segurança da Câmara Municipal agrediu os manifestantes, mas a gente conseguiu resistir. Uma parte conseguiu entrar na Câmara. Então é isso, as pessoas estão resistindo, ainda não é o que é necessário, mas os trabalhadores da saúde aqui no Rio estão dando um banho de processo, dando um alerta de que só é possível mudar esse quadro de ataque ideológico aos nossos direitos com muita luta.

EO – Pelo seu relato, dá para perceber que esse processo de unidade de ação, ainda que com limitações, está ocorrendo. Existem contatos entre vocês e outras categorias que também estão passando por inúmeros ataques aqui no estado, como os profissionais da UERJ, ou outros servidores?

Sim, a educação também montou uma frente em defesa da educação pública e nós fomos para o lançamento dessa frente e deixamos muito bem desenhado o objetivo, que é importante a unidade dos profissionais da saúde e da educação  para barrar esses ataques. Então, a gente deu total apoio ao lançamento da frente. Também teve um ato de rua, com repressão e a saúde estava lá. Também, a frente dos institutos e hospitais estava lá.

Tanto na parte do município, como na do estado, a gente tem conectado com os comandos. Vamos ver se no dia 10 a gente consegue colocar uniformemente a saúde na rua. O Fórum de Saúde do Rio de Janeiro também é um movimento superimportante para aglutinar diversos lutadores e lutadoras. Então, também está imbuído aí nesse processo de unificar as lutas a saúde e a educação, contra os ataques do governo.

EO – Dia 10 de novembro, como dia nacional de luta, então ganha uma grande importância. Como ponto que pode mudar essa correlação tão ofensiva contra os trabalhadores, pode ser uma retomada do processo?

Cintia Teixeira – Sim, pode ser uma retomada. Entendendo que nós podemos ter várias diferenças táticas com diversas correntes sindicais, partidárias, mas a gente entende que nesse momento a gente tem que buscar uma bandeira que nos unifique. Então, é através dessa bandeira que nos unifica, que estaremos construindo o dia 10 de novembro.

Foto: Dendê – Ilha do Governador

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