“Depois que a polícia convence o público branco que o negro é um criminoso, a polícia pode chegar e interrogar, brutalizar e assassinar negros desarmados e inocentes. E o público branco é manipulável o bastante para lhes dar apoio. Isso faz da comunidade negra um Estado policial. Isso faz do bairro negro um Estado policial. É o bairro mais patrulhado. Tem mais polícia que qualquer outro bairro e ainda tem mais crimes que qualquer outro bairro. Como pode ter mais policiais e mais crimes? Como pode? Isso nos mostra que a polícia deve estar envolvida com os criminosos” Malcom X
O Ministro da Justiça do desgoverno Temer, Toquarto Jardim, fez uma crítica e uma denúncia politicamente muito grave sobre a política de segurança pública no Rio de Janeiro, afirmando que a escolha para o Comando da Polícia Militar no estado é fruto de um acordo entre políticos, como deputados estaduais e o crime organizado. Essa noticia foi dada pelo jornalista Josias de Souza, no seu blog no site do UOL.
O Ministro ainda disse que não acreditava na motivação de assalto, para o assassinato do Tenente – Coronel Luis Gustavo Pereira, que era comandante do 3ª Batalhão da PM, no bairro do Meier. O Tenente – Coronel Luiz Gustavo foi assassinado no dia 26 de outubro, quando voltava de um evento realizado pelo 23ª BMP (Leblon) em um carro oficial, só que sem identificação, e segundo informações, um carro que vinha à frente parou no meio da via, e alguns homens desembarcaram para iniciar um arrastão, houve uma troca de tiros e o oficial foi atingido no rosto. O carro foi atingido por pelo menos 17 tiros. Mas, para o Toquarto Jardim, o Tenente – Coronel foi executado em um acerto de contas, e que ninguém o convencia do contrário, pois , segundo afirmou, dificilmente alguém assaltaria um coronel fardado, num carro descaracterizado.
Na avaliação feita por Toquarto Jardim, o crime organizado deixou de ser verticalizado, e a milícia tem avançado no narcotráfico, devido a prisões dos chefes do tráfico de drogas. Ainda segundo analisa, com a horizontalização do crime, os capitães e tenentes da polícia passaram a ganhar força, e hoje os comandantes dos batalhões seriam sócios do crime organizado e não existiria comando sobre a PM.
Em uma entrevista dada ao jornal O Globo, o Ministro da Justiça disse que os seus argumentos sobre a vinculação entre a polícia e o crime organizado vêm do próprio histórico da PM, e cita as prisões de 93 Policiais Militares do Batalhão de São Gonçalo. O caso ao qual o Ministro se referiu é a Operação Calabar realizada no mês de Junho no Rio de Janeiro, com o objetivo de prender 96 PMs envolvidos em esquemas de corrupção, que foi considerada a maior operação contra a corrupção policial no estado. Os alvos eram 96 PMs denunciados por participar de um esquema envolvendo pedido de propina a traficantes, que rendia R$ 1 milhão aos militares.
As investigações demonstraram que os Policiais Militares assaltaram uma boca de fumo, quer dizer, realizaram uma ação em na qual apreenderam drogas e armas, e revendiam para traficantes, sequestravam traficantes e pediam o dinheiro do resgate em forma de propina para manter o comércio funcionando. Os policiais vendiam armas parceladas aos traficantes e, para alcançar as metas no batalhão, os PMs ainda prendiam usuários como traficantes.
O Ministro ainda falou sobre o vazamento de informações sobre operações em favelas, citando um caso em que ele não diz onde, mas que havia uma ação conjunta com forças federais, que sabiam que todo sábado pela manhã um dos sujeitos do tráfico visto como perigoso jogava bola, em uma localidade. E que os agentes chegaram de forma silenciosa e discreta, mas o traficante não estava jogando bola como de costume. E achou curioso e intrigante que o Secretário de Segurança, Roberto Sá, não tenha encontrado entre os oficiais na ativa, um novo Comandante Geral da PM, e foi buscar o Coronel Dias que já estava aposentado. E que quando fala sobre a relação existente entre policiais em postos de comando, com o crime organizado, diz isso amparado nas informações fornecidas pelo serviço de inteligência, mas que todo serviço de inteligência é sigiloso, não podendo relevar quem, quando e como.
Toquarto Jardim enfatiza a necessidade de uma investigação por toda linha de comando da PM, e cita como exemplo a favela da Rocinha, porque se tem informações de que o tráfico lucra R$ 10 milhões por semana explorando os serviços de gato de energia elétrica, TV a cabo, distribuição de gás e com a venda das drogas. “Como isso aconteceria sem o consentimento dos policiais, já que se trata de um espaço geográfico pequeno, e ainda conta com uma base da UPP, apenas na informalidade?”, questiona o ministro.
O ministro da Justiça diz que as investigações sobre corrupção policial são de competência das Corregedorias das Polícias Militares estaduais. E que o que ele disse é apenas a sua opinião individual e não como membro do Governo Federal.
E como era de se esperar, as declarações do ministro Toquarto Jardim não foram muito bem recebidas pelos oficiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Um grupo de policiais foi até à sede do quartel-general exigir uma resposta do comandante geral, Wolney Dias. Inclusive ameaçaram entregar os seus postos, como apurou a imprensa.
O Comando da PM publicou uma nota de repúdio às declarações do ministro, dizendo que vincular os comandantes dos batalhões com o crime organizado é de uma irresponsabilidade inaceitável que merece um forte repúdio. E que, ao generalizar as acusações sem base para poder comprovar, revela um verdadeiro desprezo com a instituição.
No mundo político também houve reação. O presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Jorge Picciani (PMDB), disse que o ministro mente, é irresponsável e age com má fé, quando acusa todos comandantes de serem cúmplices do crime organizado, pois a Polícia tem punido seus maus profissionais. O governador, Luiz Fernando Pezão (PMDB), por meio de uma nota à imprensa, rebateu as críticas do ministro da Justiça, em que diz que o governo e o Comando da PM não negociam com criminosos, e que as escolhas dos comandos de delegacias e batalhões são decisões técnicas, sem indicação e pedido de deputados. E, por meio da Procuradoria do Estado do Rio, entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal, para que o Ministro seja interpelado sobre as suas declarações. No documento acessado pelo jornalista da Rede Globo, Lauro Jardim, a Procuradoria Geral pede que o ministro apresente documentos comprovando a associação entre policiais e criminosos. Além dos documentos, é pedido também que o ministro apresente nomes de policiais, para que o governo tome medidas administrativas e judiciais cabíveis.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), que é deputado federal eleito pelo Rio de Janeiro, disse que a fala do ministro da Justiça pode atrapalhar a força tarefa que estava sendo montada para combater o crime organizado, que envolve a Procuradoria Geral da República, os Ministérios da Justiça e Defesa, Gabinete de Segurança Institucional, e acabou alertando os que são alvos de investigação.
O Ministro da Justiça disse o que já sabíamos, mas é importante para o debate público
As palavras que foram ditas pelo ministro da Justiça não são de forma alguma meras especulações e acusações sem provas. Por mais que ele esteja fazendo uma acusação, essas declarações devem ser disputadas por aqueles que defendem outra política de drogas e a redução da violência na sociedade, e vistas como mais uma denúncia do que é o aquilo que chamamos de crime organizado, tido como centro nervoso da violência urbana.
É uma oportunidade para compreendermos o funcionamento da dinâmica da violência na sociedade brasileira, e como a atual política de segurança não vai reduzir a violência, mas pelo contrário, pois parte dos homicídios que acontecem no país tem uma relação com a legislação criminal que proíbe algumas drogas, produzindo uma altíssima letalidade social, com intensa participação do Estado. E o resultado é que as polícias civis e militares têm matado cada vez mais em nome do combate ao tráfico de drogas, fomentando a criação de bases policiais de ocupação como as UPPs e lançando mão até do Exército nas ruas.
O que o ministro diz é grave. É necessário ter provas, mas elas existem, e basta darmos uma pesquisa rápida no Google, por exemplo. Em 2015, no Rio de Janeiro, foi deflagrada a Operação Black Evil, para cumprir cinco mandados de prisão contra policiais do BOPE – Batalhão de Operações Especiais – por estarem recebendo propina para vazar informações de operações e negociando a revenda de armas apreendidas.
Em 2014, o Ministério Público do Rio de Janeiro organizou uma operação que terminou com a prisão do Coronel Alexandre Fontenelle Ribeiro, que era terceiro homem na hierarquia da PM no Rio de Janeiro, apontado por liderar a cobrança de propinas a moradores e comerciantes. No ano de 2011, o Tenente – Coronel Djalma Beltrami, do Comandante do 7ª Batalhão em São Gonçalo, também foi preso no Rio de Janeiro, por lucrar R$ 160 mil por mês através de propinas pagas por traficantes.
E não se restringe apenas ao estado do Rio de Janeiro. Esse ano, em São Paulo, 12 policiais de um mesmo batalhão, entre soldados e sargentos, foram presos acusados de receber, exigir propina de traficantes e revender drogas. Ddois dos 12 soldados já tinham sido presos com duas sacolas cheias de drogas, inclusive. E não apenas na instituição militar, mas também na Polícia Civil se tem casos de policiais que vendiam informações a traficantes. E PMs revendendo drogas e armas para traficantes.
A Polícia é uma das principais instituições mantenedoras do tráfico de drogas. A participação de membros do Estado que são responsáveis pela repressão ao tráfico acaba dando um efeito de proteção ao mercado de drogas, desde a sua produção, passando pelo transporte e a venda no varejo. É que, para a existência do mercado de drogas, é necessário que policiais e traficantes (comerciantes) entrem em algum tipo de relação. E, a partir dos interesses em jogo, a relação que é conflituosa a priore, também pode assumir situações de negociação, que são fundamentais para o funcionamento de um comércio que é mundial.
A corrupção policial e a proibição das drogas são as duas faces da mesma moeda. Ambos se alimentam e retroalimentam. É por meio do pagamento de propinas ou extorsão que os traficantes conseguem uma espécie de alvará para vender as substâncias que são ilegais. E os policiais aumentam seus rendimentos, pois ambos têm interesses na existência de uma lei que proíba determinadas drogas, e que crie um mercado ilegal, onde a regulamentação se dá através de relações comerciais e informais entre o Estado e os agentes econômicos das drogas. A corrupção e a violência policial só podem ser enfrentadas a partir da legalização e regulamentação de todas as drogas que se encontram proibidas. É o passo inicial para uma ação concreta e efetiva.
Henrique Oliveira é graduado em História, mestrando em História Social pela UFBA, colaborador da Revista Rever e militante do Coletivo Negro Minervino de Oliveira/Bahia.
Foto: Ministério da Justiça
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