Economia mundial: dias ensolarados seguidos por tempestades

Michael Roberts

11/10/2017

Em 9 de outubro, o FMI e o Banco Mundial se reuniram em Washington para sua conferência semestral na qual discutiram a situação da economia mundial. Nesta ocasião, os poderosos e os influentes do mundo da economia, os Bancos Centrais e Ministérios da Fazenda, se reuniram para debater as tendências e definir as melhores políticas e estratégias para o capital. Isso inclui o FMI e o Banco Mundial que prepararam muitos relatórios e estudos para considerações.

A atual visão da economia mundial foi esboçada no fim de semana passado por Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI e ex-Ministra das Finanças da França, quando a presidência estava com Nicholas Sarkozy, de direita. A linha de Lagarde foi que a economia global está mostrando importantes sinais de melhora e esta é uma oportunidade para “consertar o telhado enquanto o sol brilha” – em outras palavras, continuar com as difíceis e controversas “reformas”, enquanto as coisas melhoram, tanto para sustentar a recuperação como para reduzir o impacto social das medidas. “Por mais agradável que seja o desfrute do calor da recuperação … o momento para consertar o telhado é quando o sol brilha”.

Em seu discurso na Universidade de Harvard, uma fortaleza da elite, Lagarde começou por apontar que “a tão esperada recuperação global está se arraigando. Em julho, o FMI projetava um crescimento global de 3,5% para 2017 e de 3,6% para 2018. Na próxima semana, será divulgado o prognóstico atualizado antes das nossas reuniões anuais – e é provável que seja ainda mais otimista. De acordo com o PIB, quase 75% do mundo está passando por uma fase de expansão; é a maior aceleração desde o início da década. Isso significa mais empregos e melhores padrões de vida em muitos lugares do mundo …. O mais provável para este ano e para o próximo é que o crescimento seja superior à tendência”.

Esta visão otimista foi prevista por muitos outros. Gavyn Davies, ex-economista chefe da Goldman Sachs e atual dirigente da Forecasting Fulcrum, que busca medir a atividade econômica global, previra isso em seu relatório mais recente. A Fulcrum afirma que “a atividade econômica global iniciou um período de expansão mais forte e sincronizado desde 2010. O crescimento global está bem acima da tendência de longo prazo, especialmente nas economias avançadas”.

Da mesma forma, segundo o índice do “think-tank” do Brookings Institute e do Financial Times (Tiger da atividade global), a economia mundial está experimentando sua maior e mais forte recuperação há mais de cinco anos. O índice, que abrange todas as principais economias avançadas e em desenvolvimento, está perto do pico quinquenal dos índices da economia real, de confiança e das condições financeiras. “Uma recuperação cíclica do investimento e do comércio nas economias avançadas – especialmente na Europa e no Japão – levou a um crescimento maior do que o esperado”. E um relatório especial do G20 reconhece que: “O G-20 percorreu um longo caminho para seu objetivo de um crescimento forte, sustentável e equilibrado “.

Tudo isso soa bem. Por fim, as economias capitalistas do mundo estão entrando em um período de crescimento sustentado e rápido. A Longa Depressão, como a caracterizei, terminou. Mas, apesar de toda conversa otimista, esses comentaristas, de Lagarde ao Banco Mundial e ao novo relatório do G-20, passando por Gavyn Davies, também escondem um lado obscuro de incertezas.

Como Gavyn Davies resume: “É somente outro falso amanhecer?” Ele ressalta que “há poucos sinais de recuperação do lado da oferta e alguns sinais de excesso de riscos nos mercados de ativos (isto é, o crescimento transbordado dos preços das ações). Assim, alguns economistas sugerem que a economia global pode ser “bipolar”, com um aumento do risco de que o atual período de crescimento da atividade das empresas possa ser perfurado por um súbito aumento da aversão ao risco nos mercados de ativos. Assim, “um choque de risco relativamente menor, por exemplo geopolítico, poderia dar lugar a uma forte correção dos preços dos ativos, o que poderia frear a recuperação econômica mundial a seco“.

Davies cita um novo modelo publicado por Ricardo Caballero e Alp Simsek do MIT, que conclui que a economia mundial pode ser “bipolar” e que seu recente comportamento reconfortante pode ser excepcionalmente vulnerável a choques de risco nos mercados. ativos. Esses economistas apontam três perigos principais, quer uma correção técnica do mercado (ou seja, uma crise financeira); ou uma recessão econômica direta; ou um evento geopolítico (por exemplo, que os EUA ataquem a Coréia do Norte e uma guerra estoure). Os dois primeiros são descartados como pouco prováveis ​​neste momento. No entanto, “se tivéssemos de apontar uma causa de volatilidade que levasse a economia a uma recessão, o último perigo poderia, por si só, aumentar a volatilidade de forma endógena”.

 E este é o risco apontado recentemente pelo Banco de Pagamentos Internacionais como uma possibilidade ou mesmo o mais provável, como mostrei em uma nota recente: O BPI observou: as condições de alavancagem nos Estados Unidos são as mais altas desde o início do milênio e semelhante às da década de 1990, quando os coeficientes da dívida empresarial refletiam o legado do boom de compra alavancado do final dos anos 80. Em geral, isso sugere que, no caso de uma desaceleração ou de um ajuste para cima nas taxas de juros, os elevados pagamentos de serviço da dívida e o risco de inadimplência poderiam causar dificuldades para as empresas, gerando assim ventos contrários ao crescimento do PIB “.

Os autores do índice Tiger del FT são também cautelosos. Sim, há uma recuperação “sincronizada”, mas “fraca”. É fraca porque o fim sustentado da longa depressão é freado pelo crescimento da produtividade. “A combinação da baixa produtividade e o fraco crescimento de investimento não indicam ser bom para um aumento do crescimento ou mesmo para a sustentabilidade do baixo crescimento atual”.

Lagarde também se referiu ao outro lado da história: “a recuperação não está completa. Alguns países estão crescendo muito lentamente e, no ano passado, 47 países experimentaram um crescimento negativo do PIB per capita. Muitas pessoas – em todos os tipos de economia – ainda não experimentam os benefícios da recuperação”. Nas economias maiores, o crescimento da produtividade global – uma medida de quanto somos eficientes – reduziu para 0,3%, abaixo da média pré-crise que era de aproximadamente 1%. Isso significa que, apesar dos avanços tecnológicos, os salários em muitos lugares estão crescendo muito lentamente.

 

Em um relatório adjunto, os economistas do FMI apontam que o crescimento da produtividade desacelerou fortemente em todo o mundo depois da crise financeira mundial. Eles atribuem isso aos “efeitos desvanecidos do auge da tecnologia da informação e da comunicação, o enfraquecimento dos esforços das reformas do mercado de trabalho e dos produtos, a falta de pessoal qualificado e desajustes do mercado de trabalho, bem como fatores demográficos como o envelhecimento das populações. Além disso, continuam os efeitos persistentes da crise global: balanços empresariais fracos, condições de crédito mais rigorosas em alguns países, investimentos fracos, demanda escassa e incerteza política”.

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E se referem à desaceleração do comércio mundial como outro freio a longo prazo sobre a produtividade. “Desde 2012, o comércio apenas avançou no mesmo ritmo que o PIB mundial. Isso poderia apontar para menores ganhos de produtividade no futuro, mesmo sem levar em conta a possibilidade de restrições comerciais.” O que preocupa Lagarde e o FMI é que esta recuperação cíclica pode desaparecer sem solucionar a longo prazo este “quebra-cabeças de produtividade”.

Todas essas coisas mencionadas pelo FMI são, sem dúvida, fatores causais da Longa Depressão, mas o FMI deixa de lado intencionalmente a causa-chave subjacente: o crescimento da produtividade continua dependendo do investimento de capital suficientemente grande. E isso depende da rentabilidade do investimento. Sob o capitalismo, até que a rentabilidade não se recupere suficientemente e se reduza a dívida (e ambas estão de mãos dadas), os benefícios de produtividade das novas “tecnologias de ponta” (segundo o jargão em vigor) de robôs, IA, impressão 3D, ‘big data’, etc. não permitirão uma retomada sustentada do crescimento da produtividade e, portanto, do PIB real.

Além disso, não há nenhum sinal de que se reverta o contínuo aumento da desigualdade de renda e de riqueza em todo o mundo, o que ameaça a coesão social e a dominação estável do capital sobre o trabalho: “Se considerarmos a desigualdade dentro de países específicos, especialmente em algumas economias avançadas, vemos que as diferenças se acentuam e há um aumento da concentração de riqueza entre aqueles que ganham mais” (Lagarde). Segundo os economistas do FMI, “nas economias avançadas, a renda da parte superior do 1% cresceu três vezes mais rápido do que a do resto da população.”

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Mais empregos para jovens e mulheres, bem como mais formação e educação tecnológica é a resposta do FMI. É insinuada uma redistribuição de renda e da riqueza é insinuada através de “impostos progressivos” (“Todas essas idéias valem a pena explorar”), mas a propriedade pública e o controle de grandes monopólios e de bancos não são, evidentemente, mencionados.

De fato, as políticas de emprego do FMI são as velhas receitas neoliberais de “mercados de trabalho flexíveis”. O FMI assinala que, se as mulheres participassem da força de trabalho na mesma proporção que os homens, o PIB poderia aumentar em até 5% nos EUA, 27% na Índia e 34% no Egito, para citar apenas três exemplos. No entanto, tem pouco a dizer sobre o mal crônico (o que Marx chamou de exército de mão de obra de reserva), que o capital moderno utilizou para explorar a mão de obra global: isto é, o nível massivo de desemprego juvenil em todo o mundo .

Um discurso recente de Mario Draghi, chefe do BCE, expõe o fracasso do capitalismo para dar trabalho com salário digno e com um futuro para milhões de jovens. Draghi ressaltou que o desemprego entre os jovens não é um fenômeno recente. Começou com o final da era de ouro do capitalismo na década de 1970, quando o desemprego aumentou de 4,6% para 11,1% até o final da década. Em 2007, quando o desemprego total na zona do euro diminuiu para 7,5%, o nível mais baixo desde o início dos anos 80, a taxa de desemprego para os jovens era muito alta, em torno de 15%. 

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E, em seguida, como resultado da Grande Recessão, atingiu 24% e permanece ao redor de 4 pontos percentuais acima do que no início da crise em 2007. O número de jovens adultos que participam do mercado de trabalho da UE é 41,5%, muito baixo. Isso significa que uma grande maioria dos jovens está em processo de formação, estudando, ou não está buscando trabalho. Se comparamos o desemprego dos jovens com o desemprego entre pessoas com mais de 25 anos, descobrimos que é 250% maior. Isso não mudou nos últimos anos – mesmo nos maiores países da UE. No caso dos jovens adultos, o modesto aumento do emprego consistiu quase exclusivamente em empregos temporários. Na Espanha e na Polônia, mais de 70% dos jovens adultos têm empregos temporários. Trata-se de um exército de mão de obra não qualificada de reserva permanente para o capital.

A outra razão pela qual a economia mundial não vai sustentar essa “recuperação cíclica” é o ainda alto nível da dívida do setor privado. Em seu último relatório sobre a Estabilidade Financeira Mundial, os economistas do FMI se concentram no aumento da dívida das famílias. O FMI começa: “A dívida engraxa as rodas da economia. Permite que indivíduos façam grandes investimentos hoje, como comprar uma casa ou ir à universidade – comprometendo parte de seus ganhos futuros. Isso está bem somente na teoria. Como a crise financeira global mostrou, o rápido crescimento da dívida das famílias – especialmente as hipotecas – pode ser perigoso.”

O relatório conclui: “De acordo com o nosso relatório, a curto prazo, é provável que haja um aumento na proporção da dívida familiar que possa impulsionar o crescimento econômico e o emprego. Mas de três a cinco anos, esses efeitos se invertem; o crescimento é mais lento do que teria sido se fosse adotada outra maneira, e as probabilidades de uma crise financeira aumentam. Esses efeitos são mais fortes nos níveis mais altos da dívida, típicos das economias avançadas, e mais fracos nos níveis mais baixos que prevalecem nos mercados emergentes “.

Mais especificamente, “nosso estudo descobriu que um aumento de 5 pontos percentuais na proporção da dívida doméstica em relação ao PIB durante um período de três anos prevê um declínio de 1,25 pontos percentuais no crescimento ajustado à inflação dos três anos seguintes. Uma dívida mais alta está associada a um número significativamente maior de desemprego nos quatro anos seguintes. E um aumento de 1 ponto percentual da dívida aumenta as probabilidades de uma futura crise bancária em aproximadamente 1 ponto percentual. Isso é um aumento significativo, considerando que a probabilidade de uma crise é de 3,5%, mesmo sem nenhum aumento da dívida “.

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“Qual é o motivo dessa inter-relação? No início, as famílias assumem mais dívidas para comprar coisas como casas e carros novos. Isso dá à economia um impulso de curto prazo, já que os fabricantes de automóveis e as empreiteiras contratam mais trabalhadores. Mas, mais tarde, as famílias altamente endividadas podem ter que cortar gastos para pagar seus empréstimos. Isso é um obstáculo para o crescimento. E, como a crise de 2008 mostrou, uma repentina comoção econômica – como a queda dos preços da habitação – pode desencadear uma espiral de inadimplências de crédito que abala as bases do sistema financeiro”.

Assim, o FMI está preocupado que o “castelo de cartas”, que é a dívida do setor privado, dificulte qualquer recuperação econômica. Nos meus artigos, destaquei não a dívida das famílias, mas a dívida das empresas e o maior risco envolvido. A dívida das empresas é muito alta e cresce, enquanto o número de empresas “zombie” (aquelas quase incapazes de honrar os pagamentos da dívida) está em níveis recorde (16% nos EUA). Com US$ 8,6 trilhões, os níveis de dívida das empresas norte-americanas é atualmente 30% maiores do que em seu pico anterior, em setembro de 2008. Em 45,3%, a proporção da dívida empresarial em relação ao PIB está em níveis históricos, tendo ultrapassado recentemente os níveis anteriores às duas últimas recessões. Isso sugere que o aumento dos custos do serviço da dívida devido às taxas de juros crescentes impulsionadas pela política de “normalização” do Fed podem piorar as coisas, a menos que a rentabilidade do setor empresarial em geral se recupere.

Uma palavra-chave no discurso de Lagarde aos poderosos e influentes na Universidade de Harvard foi “ciclos”. Lagarde começou: “Claro, há ciclos sazonais – como o que estamos desfrutando neste momento. Há também ciclos econômicos. Um desafio essencial nos ciclos econômicos é tentar ter uma perspectiva sobre o que vem depois, quando se está no meio do ciclo “.

 Sim. Em que tipo de ciclo está a economia mundial? Está no início de um longo ciclo de boom após a depressão, finalmente? Ou se trata apenas de uma recuperação curta e insustentável? Em meu livro, A Longa Depressão, em um capítulo sobre ciclos, procuro delinear entre os ciclos de longo prazo de rentabilidade e das finanças (Marx) e a inovação (Kondratiev) e os ciclos curtos de investimento e construção (Kuznets) e a utilização da capacidade produtiva (Kitchin). Este último ciclo de utilização da capacidade disponível e do capital de giro geralmente tem uma duração de apenas quatro anos, ao contrário do ciclo de investimento de 8 a10 anos ou do ciclo de rentabilidade mais longo (32 anos, penso eu ).

Acredito que estamos em uma fase de expansão de um novo ciclo Kitchin, mas ainda dentro da fase descendente do ciclo de rentabilidade dos vales e picos do ciclo de Kitchin, medidos por mudanças na utilização da capacidade (o gráfico mostra a indústria norte-americana), podem ser definidos com uma duração de 4-6 anos: 1982, 1986, 1991, 1996, 2002, 2008 , 2012 e 2016. Se isso for correto, o ciclo de Kitchin atingirá seu pico em 2018 e depois desliza para um novo fosso em 2020.

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Isso não se encaixa com a minha tese anterior de uma nova recessão em 2018. No entanto, a desenvolvi a partir do ciclo da rentabilidade. Teremos que voltar a ela no futuro. Enquanto isso, vamos aproveitar o sol antes da tempestade.

Michael Roberts

É um reconhecido economista marxista britânico, que trabalhou 30 anos em Londres como analista econômico e atualmente anima o blog The Next Recession.

Fonte: https://thenextrecession.wordpress.com/2017/10/09/sunny-periods-followed-by-showers/

Tradução para o espanhol: G. Buster, do site “Sin Permiso”

Fonte: http://www.sinpermiso.info/textos/economia-mundial-dias-soleados-seguidos-de-tormentas