Em 16/10/2017, o Sr. Ronaldo Nogueira (PTB/ RS) – ministro do trabalho do governo Temer – publicou uma portaria com vistas a alterar as regras do que é considerado trabalho escravo no país. É verdade que o STF suspendeu liminarmente seus efeitos, mas a relevância e repercussão do tema, bem como a provisoriedade da decisão monocrática, mantém a importância de se elaborarem reflexões a esse respeito.
Se as auditoras e os auditores fiscais do trabalho utilizam conceitos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Código Penal para determinar o que é trabalho escravo, pela portaria o entendimento do que é trabalho escravo passaria a ser apreendido a partir de 4 pontos: submissão sob ameaça de punição; restrição de transporte para reter trabalhador no local de trabalho; uso de segurança armada para reter trabalhador; retenção da documentação pessoal. Perceba-se que as hipóteses lançadas pela norma limitam o reconhecimento da condição de escravidão ao cerceamento da liberdade de ir e vir, requisitos que nem sempre eram regra durante a escravidão praticada formalmente no Brasil até 1888. Muitas escravas e escravos, submetidos a intensa violência física e psicológica, não ficavam permanentemente acorrentados, conservando moderada liberdade de locomoção.
Outra mudança central diz respeito à lista suja que antes era organizada e divulgada pela Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae). Com a vigência da portaria, a lista suja passaria a ser de responsabilidade da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) e sua divulgação seria realizada por “determinação expressa” do Ministro do Trabalho. Em suma, é o governo do golpista Michel Temer buscando dificultar o acesso à lista suja e, assim, proteger seus amigos empresários.
A lista suja divulgada essa semana traz 132 empregadores, dentre eles latifundiários, empresários da agroindústria, empresas de cana-de-açúcar, restaurantes e construtoras. Trinta por cento das empresas presentes na lista concentram-se em Minas Gerais que “lidera o ranking por condições irregulares dos trabalhadores”.
Ao todo, entre 2012 e 2017, foram libertados 1.008 trabalhadoras e trabalhadores. A “União Agropecuária Novo Horizonte S.A” lidera o ranking com 348, seguida da “Diedro Construções e Serviços S.A”. A “Diedro” aparece como responsável por submeter trabalhadores a condições de escravidão em um canteiro de obras pertencente ao empreendimento “Minas Rio”, da mineradora “Anglo American”, no Jardim Bouganville em Conceição do Mato Dentro.
A “Diedro” e a “Construtora Modelo”, ambas terceirizadas da mineradora “Anglo American”, mantinham pelo menos 192 trabalhadores em situação de escravidão. Muito embora não estejam na lista atual os resultados ds fiscalizações realizadas em conjunto pelo MTE com o MPT, força tarefa formada pelas duas organizações identificou outras situações de trabalho escravo envolvendo as empresas “Milplan” e “Tetra Tech”, também terceirizadas da mineradora “Anglo American”.
Na primeira fiscalização ocorrida em Conceição do Mato Dentro no ano de 2013 foram identificados 160 trabalhadores escravizados, dentre os quais 100 haitianos e 60 nordestinos, valendo dizer, portanto, que a mão de obra ali escravizada é em sua maioria de trabalhadores negros.
As regiões em que atualmente se extrai minério de ferro em Minas Gerais são justamente aquelas em que se utilizou intensamente a mão de obra escrava para extrair o ouro e o diamante no período colonial. Durante o período colonial, o trabalho escravo nas minas de ouro foi uma das atividades a que mais se dedicaram negras e negros escravizados no Brasil. Vale destacar, segundo levantamento de Machado Filho em “O negro e o garimpo em Minas Gerais” (1985, p. 31), que “a lei áurea libertou cerca de 800.000 brasileiros, sendo 230.000 os escravos de Minas”.
Fica evidente que a tradição colonialista não foi superada. Nós que nascemos nesse estado do sudeste brasileiro, carregamos em nossa naturalidade (mineiras e mineiros) a história da mineração, mas junto dela, carregamos também a história da escravidão. Uma escravidão continuamente reinventada, mas sempre com a presença do elemento racial.
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