Da Redação
Reproduzimos, a seguir, nota publicada pelo grupo Tambores de Olokun, no contexto da tentativa de censura e repressão por parte da Prefeitura do Rio de Janeiro às manifestações culturais e religiosas de rua. No último domingo (22), o bloco se concentrava para ensaiar no Aterro do Flamengo, como faz há cinco anos, quando seus integrantes foram surpreendidos por agente da Prefeitura que tentou, sem fundamento legal, impedir o baque de ocorrer no local.
Confira a íntegra da nota do Tambores de Olokum:
Nos últimos meses, rodas de Hip hop, rodas de samba e diversas iniciativas culturais na cidade do Rio de Janeiro tem sofrido reprimendas, como o samba da Praça Tiradentes, o qual a PM reprimiu nessa sexta feira, após o prefeito embargar um evento que obtinha o alvará da própria prefeitura. Impediram, também, o funcionamento do Rivalzinho, um dos únicos eventos na rua que movimentavam a Cinelândia, depois foi a vez do Pede Teresa e por aí vai. A lista é grande para uma única cidade, muito rica culturalmente, mas com poucas opções para pessoas que tem sede de acesso à cultura gratuita.
Estrategicamente, esses únicos espaços que ainda nos restam estão sendo tomados como parte de uma política de cidade que já começou no governo Paes e sua seletividade elitista de blocos “oficiais”. Seu governo levou, inclusive, a conflitos que impuseram a força policial sobre blocos carnavalescos com uso de gás lacrimogêneo e bala de borracha, mesmo com a presença de crianças no ambiente. Crivella tem dado continuidade a essa burocratização elitista dos grupos culturais do Rio de Janeiro e do Carnaval, mas com o agravante de ser um representante e defensor de políticas da bancada evangélica ocupando um cargo de governo, caminhando contra a constituição do Estado laico que em tese possuímos.
Em vista disso, deixamos claro que o Tambores de Olokun não concorda com esse modelo de cidade que vem sendo implantado e irá lutar para que a cidade do Rio de Janeiro tenha de volta a sua vitalidade e espontaneidade do carnaval de rua e das manifestações culturais que ocorrem durante todo o ano. Em se tratando da tentativa de impedimento de ensaio do bloco Tambores de Olokun no Aterro do Flamengo, nossa posição não se trata de vitimismo, nem de um fato isolado, muito menos de um mal entendido, mas de uma posição consciente do contexto de Estado racista, seletivo e intolerante que estamos vivendo e de que estamos passando por um período de retrocessos e arbitrariedade em todos os campos, mas nesse caso específico, na cultura da cidade do Rio de Janeiro.
Esclarecemos que antes do início do baque, fomos pegos de surpresa por um agente da Prefeitura que veio acompanhado de policiais do Aterro Presente para impedir a realização do ensaio. Sem fundamento legal, as explicações do agente da Superintendência da Zona Sul variavam a todo tempo: dizia estar ali atendendo à reclamações, ou preocupado com a grama, ora porque a vários metros dali havia um deque, ora por conta dos gatos. No entanto, o bloco ocupa aquele espaço já há cinco anos com seus ensaios a céu aberto, sempre preservando o espaço público e contando com todo apoio das pessoas que frequentam o espaço e solicitando que as mesmas retirem seus lixos ao fim dos ensaios.
Manifestamos todo o respeito aos trabalhadores que nos abordaram e que tinham a justificativa de estarem apenas “cumprindo ordens”. No entanto, os pretextos para proibir o ensaio inviabilizaram o diálogo e, portanto, a negociação. Foi mais de uma hora, com a presença de advogados e advogadas e jornalistas, tentando entender as motivações daquela arbitrariedade. Nossa orientação é de que por lei municipal, a manifestação cultural de rua não depende de autorização da prefeitura, conforme a própria prefeitura assumiu em sua nota pública após o incidente. Conforme explica Fernanda Amim, pesquisadora do Observatório das Metrópoles (IPPUR/UFRJ):
“Após longos períodos de proibição ao uso dos espaços públicos, bem como de manifestações sociais, a Constituição Federal determina, por meio do art. 5º, IX, a proteção do livre desenvolvimento de determinadas atividades, inclusive a artística, que poderá ser realizada independente de licença, buscando não só resguardar o direito a expressão cultural dos cidadãos, mas também evitar que as questões culturais passassem por exames de conveniência por parte do Poder Público.”
Porém, se o agente da prefeitura reagiu alegando que “não está ali para discutir a lei”, ficou impossível o acordo ou até mesmo que fossemos instruídos da melhor procedência legal, se fosse o caso de alguma irregularidade. Ademais, as alternativas oferecidas para localidade adjacentes não contemplavam as demandas do grupo em suas especificidades de espaço para o ensaio da dança e do corpo de batuqueir@s presentes. Lembramos também que nunca fomos solicitados para mudança de local, nem obtivemos qualquer proibição, pelas autoridades, sobre a localidade de nossos ensaios nesses cinco anos de frequência ao Aterro. Fizemos a opção por resistir, inclusive protegidos pelo privilégio que é termos como mais recorrente ponto de encontro o Aterro do Flamengo, na zona sul da cidade. Sabemos que, em outras regiões, esse tipo de resistência nos colocaria em risco maior. Somos solidários aos grupos que resistem e aos que recuam por falta de opção.
Por fim, agradecemos imensamente todo o apoio incondicional dos mais diversos meios, desde grupos culturais, das áreas jurídicas e jornalísticas, dos muitos amigos que temos em diversas formas, sem dúvidas o Tambores de Olokun não anda só e segue cada vez mais forte. Como disse nossa Dama do Paço Pâmela Carvalho:
“Anteontem foi o Pede Teresa, ontem foi o Tambores de Olokun e amanhã pode ser você. A hora é de se unir e não se deixar silenciar. E se aliar com quem ainda não foi pisoteado pelos braços e pés dessas instâncias fantasmagóricas da (in)gerência do Rio de Janeiro e (re)ocupar as ruas. Se aliar com quem foi pisoteado também. Pra dar a mão, pra resistir.Ontem a gente conseguiu. Com o regente do grupo ameaçado de prisão, com a regente da dança passando mal física e psicologicamente, com medo de ser expulso, de ser preso, de ser agredido, mas com centenas de corpos e corações pulsando e resistindo juntos. Cada rufar de alfaia e girar de saia soava como um grito de socorro e de resistência. Fizemos o nosso. Com carinho, com respeito e com convicção de que o que se planta hoje se colhe amanhã. E choveu. Após. Pra lavar. Choveu. Que a justiça seja feita”.
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