Editorial de 18 de outubro,
O cinismo de Michel Temer parece não conhecer limites. Às vésperas da votação da segunda denúncia de Janot na Câmara, o presidente enviou aos deputados uma carta em que afirma existir uma “conspiração” para tirá-lo do cargo. Logo ele, o responsável por tramar com Eduardo Cunha o golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff.
Com medo de um revés, Michel Temer foi às compras para se livrar do perigo de afastamento. Nesta segunda (16), numa barganha junto à bancada ruralista, o governo editou uma portaria que facilita o trabalho escravo no Brasil. Os empresários flagrados neste crime não aparecerão mais na “lista suja”, a menos que o ministro do trabalho permita. O texto também modifica o modelo de fiscalização e punição. Numa frase: Temer decretou uma “licença” para o trabalho escravo no país.
Mas não é só. Com o intuito de preservar o suporte da bancada patronal, o governou aproveitou a ocasião para tentar ressuscitar a reforma da previdência. Os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Henrique Meirelles (Fazenda) apresentaram a proposta de uma reforma “desidratada” baseada em três pilares: idade mínima (65 anos para homens e 62 para mulheres), o tempo de contribuição de pelo menos 25 anos e uma regra de transição.
Embora encontre um cenário político mais adverso nesta segunda denúncia, Michel Temer provavelmente conseguirá os votos necessários para se manter no cargo. O apoio dos grandes empresários ao governo, em razão do ávido interesse que estes têm na retirada de direitos sociais, e o suporte de políticos e partidos comprometidos com esquemas de corrupção seguram Temer no poder, apesar da quase unânime rejeição popular e das provas irrefutáveis de crimes praticados pelo peemedebista.
A delação de Funaro e o fator Maia
Para esquentar o clima da denúncia, a delação de Lúcio Funaro, ex-operador do PMDB na Câmara, vazou para a imprensa. O doleiro afirmou que Michel Temer ficava com um percentual das propinas repassadas a Eduardo Cunha. “Tenho certeza que parte do dinheiro que era repassado, capitaneado em todos esses esquemas que ele tinha, dava um percentual também para o Michel Temer. Eu nunca cheguei a entregar, mas o Altair deve ter entregado algumas vezes”, disse.
Os vídeos da delação foram divulgados no site oficial da Câmara na sexta (13), fato que detonou uma crise na relação entre o governo e Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara. O deputado carioca, de olho nas eleições de 2018, busca-se se afastar da imagem “tóxica” de Temer. As rusgas entre eles, contudo, dificilmente evoluirão a ponto de ameaçar a vitória governista na votação da denúncia.
A bem da verdade, prevalece no Congresso ações descaradas de acobertamento de corruptos, particularmente quando se trata de membros da coalização governista do PMDB, PSDB e DEM. A decisão do Senado que, por 44 votos a 26, revogou as medidas cautelares impostas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a Aécio Neves (PSDB), mesmo este tendo sido flagrado pedindo R$ 2 milhões a Joesley Batista, é mais uma prova da desfaçatez que reina no parlamento brasileiro.
Sem o povo nas ruas, o golpe continuará de pé
A burguesia quer manter o governo para dar andamento às contra-reformas sociais e à política econômica entreguista, e também para evitar maior instabilidade política até as eleições. Temer não precisa de legitimidade popular para seguir na presidência, afinal alcançou esta posição por meio de um golpe parlamentar que foi patrocinado pelo grande empresariado e a maioria do Congresso.
A única possibilidade de derrotar Temer é por meio da retomada da luta unificada. Sem a força das ruas e das greves, os golpistas seguirão no controle da situação.
Por isso, é necessário apostar na resistência social. Cada greve de trabalhadores deve ser abraçada por todo movimento sindical. Cada ocupação de terra precisa receber a solidariedade ativa do conjunto dos movimento sociais. A unificação das lutas e a retomada das manifestações de rua unitárias são fundamentais neste momento. Como corretamente definiu o Congresso da CSP-Conlutas, o dia nacional de greve e manifestações, marcado pelos metalúrgicos para 10 de novembro, pode ser o primeiro passo nesse sentido.
Esperar as eleições de 2018 é um grave erro. Até lá, nossos direitos sociais e trabalhistas estarão acabados. Lula, o PT e a CUT, que ainda tem muita influência entre os trabalhadores e o povo pobre, deveriam chamar a mobilização social, para repetirmos a greve geral de 28 de abril. Se fizessem isso, a resistência social ganharia enorme força. Porém, a direção petista parece mais interessada em costurar alianças eleitorais com os velhos aliados da direita.
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