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BRASIL

Hoje é aniversário da Petrobras: por que nesse ano é diferente?

Por Pedro Augusto Nascimento, de Mauá, SP

Nesse 03 de Outubro a criação da Petrobras completa 64 anos. Sim, não se trata de uma data redonda ou nada do tipo. Mas ainda assim é um aniversário especial.

A Petrobras nasceu após um longo processo de lutas, que envolveu desde o movimento operário e popular recém surgido no país nas décadas de 1940 e 1950, até setores que defendiam um nacionalismo-burguês à brasileira. Monteiro Lobato era o principal expoente desse último grupo. O lema do movimento era: “O petróleo é nosso!”.

Esse lema traduz a principal motivação por trás desse forte e vigoroso movimento: defender que o petróleo contido no subsolo brasileiro não nos fosse tomado como havia sido o pau-brasil, a cana-de-açúcar, o ouro, o café. Dessa vez, o que estava em jogo era a principal matriz energética e matéria-prima do mundo. Ter controle sobre essa riqueza era uma questão de sobrevivência nacional, considerando um país de dimensões continentais que havia iniciado recentemente o seu processo de industrialização.

As motivações de Getúlio Vargas para assinar a Lei 2004/ 1953 não eram as mesmas do movimento “O petróleo é nosso!”. Por um lado, a expansão da industrialização e o surgimento de grandes concentrações urbanas, somado ao início da expansão rodoviária que conectou as principais cidades do país naquele período, criava uma grande demanda por derivados de petróleo de primeira geração, como o diesel, a gasolina, o gás de cozinha (GLP), o asfalto, o querosene, o gás de refinaria, dentre outros. Além disso, o estímulo do Estado brasileiro para a descoberta de jazidas de petróleo no país por parte de “exploradores” financiados pela Standard Oil (maior multinacional petroleira da época – EUA) não obteve sucesso. Não foram encontradas jazidas significativas naquele momento, e seria necessário um grande investimento para avançar nas pesquisas. O lema das multinacionais passou, então, a ser: “nem explorar, nem deixar explorar”. Já a produção de derivados, atividade com maior valor agregado, não havia qualquer intenção dos países imperialistas e de suas multinacionais, em especial os Estados Unidos, de estimular a sua produção fora de seus domínios diretos. Getúlio, que num primeiro momento defendia um modelo misto de exploração de hidrocarbonetos, acabou sendo vencido pela pressão popular.

A grande vitória do movimento, portanto, foi a criação do monopólio estatal do petróleo. Além disso, com a criação da Petrobras, o Brasil passou a ter um projeto de estímulo à busca por petróleo e pela auto-suficiência energética, financiado e controlado pelo Estado, ao invés de manter a busca paralisada até que os investidores estrangeiros voltassem a se interessar por esse promissor negócio. Além disso, a Petrobras assumiu desde cedo a vocação de abastecer o mercado interno com derivados, daí a construção de 14 refinarias ao longo de seus 64 anos de história.

Os investimentos na tecnologia de exploração de petróleo teve efeito quase 30 anos depois, com as descobertas dos campos de petróleo no mar. Primeiramente em águas rasas, em Sergipe (1968), e posteriormente uma das maiores províncias petrolíferas do mundo, em águas profundas, na Bacia de Campos (1974). Já nos anos 2000, o pré-sal, descoberto em águas ultra-profundas, demonstrou que o investimento estatal valeu a pena, tornando o país auto-suficiente na produção de petróleo, e a Petrobras consolidando-se como a maior potência tecnológica na produção de petróleo em águas profundas e ultra-profundas no mundo.

O alvo agora é o pré-sal

Passados 64 anos, está em curso novamente uma grande ofensiva das multinacionais sobre as nossas reservas de petróleo e o abastecimento do país de derivados. Nos anos 1990, com a quebra do monopólio estatal do petróleo feita por FHC, a porteira foi aberta. Apesar disso, a Petrobras estava (ainda está!) tão à frente de suas concorrentes na tecnologia de exploração em águas profundas que pouco se alterou o cenário da produção de petróleo no país, com a Petrobras mantendo até hoje 93,7% da produção de óleo e gás no Brasil sob sua operação.

No entanto, o declínio da produção de óleo e gás no Mar do Norte, somado à busca das multinacionais por novos mercados, colocou o pré-sal brasileiro, que em pouco mais de dez anos já equivale à metade da produção do país (idem), no olho do furacão.

Em 2013, durante o governo Dilma, foi realizado o Leilão de Libra, o maior campo descoberto do pré-sal. Para arrecadar R$ 15 Bilhões, que foram consumidos rapidamente para fechar o déficit nas contas públicas gerado pelo pagamento dos juros da dívida, foi entregue uma reserva estratégica que, segundo a Pré-sal Petróleo S/A, tem potencial de reserva de 28 a 35 bilhões de barris. Considerando o valor atual do barril de petróleo (US$ 50,4 o barril, em 02/10/2017), só o campo de LIBRA pode valer entre R$ 1,4 a R$ 1,7 Trilhões. Sim, Trilhões. A Petrobras ficou com 40% do bloco, 10% acima da previsão legal, que determinava um mínimo de participação da Petrobras em 30% de cada bloco do pré-sal. A Shell (Holanda/ Reino Unido), a Total (França), a CNOOC e a CNPC (China) arremataram os outros 60%.

Programa do golpe inclui entrega da Petrobras

É nesse contexto que o governo Temer teve como uma de suas primeiras medidas o apoio à aprovação da PLS 4567/16, negociada entre o governo Dilma (PT) e José Serra (PSDB), que retirou da Petrobras o monopólio da operação dos blocos do pré-sal e o patamar mínimo de participação de 30%, alterando assim a Lei da Partilha, aprovada em 2010.

Pedro Parente, nomeado por Temer no ano passado, não só deu continuidade ao plano de desinvestimento bilionário iniciado por Aldemir Bendine, ainda durante o governo Dilma, como o ampliou e deu uma cobertura ideológica apoiado na Lava Jato e na ideia da estatal como uma empresa ineficiente e em decadência.

Desde então, além da venda de campos de petróleo lucrativos em terra, no mar, e mesmo participação em blocos do pré-sal, Pedro Parente tem dado atenção especial em repartir os ativos mais rentáveis da Petrobras entre as empresas concorrentes, incluindo as subsidiárias, como a Liquigás, a Petrobras Distribuidora. Também pretende tirar a Petrobras da produção de fertilizantes, um mercado extremamente lucrativo no maior país produtor agropecuário do mundo, e da produção de biocombustível, essencial para o desenvolvimento de matrizes energéticas alternativas ao petróleo.

Por exemplo, a malha de gás do sudeste, maior região consumidora do país, foi vendida em 2016 por US$ 4,23 Bilhões para a canadense Brookfield. Acontece que a Petrobras depende dessa malha para escoar a sua produção de gás e abastecer unidades termoelétricas e refinarias. Nesse pouco mais de um ano desde a venda a Petrobras, já pagou de aluguel US$ 1 Bilhão para usar o gasoduto que já era dela. Aliás, quem opera e faz manutenção na malha continua sendo a Transpetro, subsidiária da Petrobras que agora presta serviços à Brookfield. Ou seja, cabe à Brookfield manter um escritório e uma conta bancária para receber a renda do gasoduto daqui pra frente, enquanto a Petrobras terá pago de aluguel em 4 anos o valor recebido pela venda.

Isso sem contar a redução drástica na produção de combustíveis nas refinarias da Petrobras, aumentando, dessa forma, a importação de combustíveis. Enquanto as refinarias, por ordem da diretoria da estatal, operam com 77% de sua capacidade, contra 98% em 2013 e 7% abaixo do mesmo período do ano anterior, a importação de derivados no país subiu 41% no último ano. Parece uma auto-sabotagem patrocinada pela diretoria com o aval do governo. E é. O objetivo é desvalorizar os ativos para favorecer a venda das refinarias, além de favorecer as importadoras de combustíveis e as refinarias dos Estados Unidos.


https://ocafezinho.com/2017/07/18/eua-assumem-controle-de-83-da-importacao-brasileira-de-oleo-diesel/

Outra arena da disputa pelo patrimônio da Petrobras é a redução do efetivo de trabalhadores. Segundo dados do final de 2016, o número de petroleiros terceirizados caiu desde 2013 60%, de 297 mil para 117 mil. Já os trabalhadores diretos foram de 85,6 mil para 68,8 mil no mesmo período, uma redução de aproximadamente 20% . Os efeitos na sobrecarga de trabalho e nos acidentes já são alarmantes, o que levou os petroleiros a entrarem em greve no final de Junho, para barrar a redução do efetivo mínimo nas refinarias, uma batalha que ainda não terminou.

A proposta da Petrobras para o Acordo Coletivo de Trabalho 2017 mostra mais uma frente dessa artilharia que parece não ter fim. Na prática, a Petrobras propõe a redução de salário para os trabalhadores, o aumento do valor pago pelo plano de saúde em 34%, a redução no valor das horas extras pela metade, justamente quando as horas extras já estão aumentando devido à redução do efetivo, além de diversos outros ataques que valem um texto à parte. O objetivo é enxugar para vender, além de criar um clima de terror entre os trabalhadores e indicar ao mercado intransigência na defesa dos interesses dos acionistas e dos futuros compradores.

Por fim, a empresa quer, em acordo com o Conselho Deliberativo da Petros, aplicar um plano de equacionamento do plano de previdência complementar dos petroleiros que o inviabiliza. Além de recusar-se a pagar as dívidas que tem com o plano e de não assumir suas falhas de gestão que geraram déficits no Petros PPSP (conhecido pelos trabalhadores como Petros 1), o equacionamento, se aplicado como está, prevê, no pior dos casos, um aumento da contribuição do petroleiro da ativa em 2,6 vezes, e do petroleiro aposentado em 3,5 vezes, o que torna impossível a sustentabilidade do plano. Ao reduzir de forma arbitrária o seu passivo, mais uma vez a Petrobras visa melhorar o perfil das dívidas para tornar ainda mais atrativo o patrimônio da estatal, que está à venda.

O petróleo tem que ser nosso!

É hora de voltar aonde tudo começou. Foi a mobilização popular que fez surgir uma das maiores indústrias de petróleo do mundo aqui no país, e foi o investimento estatal numa empresa estratégica, a Petrobras, que nos permitiu atingir níveis de excelência na produção de petróleo, que tem potencial de ser revertido em forma de saúde, educação e empregos para a população brasileira. E é essa conquista que está em jogo agora, como esteve 64 anos atrás.

Hoje, além da indústria nacional de petróleo, estão ameaçados o sistema elétrico, através da privatização da Eletrobrás e de suas subsidiárias, além dos Correios e até mesmo a Casa da Moeda. Nos estados, a caça às estatais não é diferente, como mostra a privatização da CEDAE, que o governo do estado do Rio de Janeiro quer efetivar.

O dia de hoje representa, portanto, o aniversário de uma das maiores conquistas do povo brasileiro, que é a Petrobras, e a luta pela preservação desse patrimônio brasileiro como indutor do desenvolvimento e como arma pela conquista da soberania nacional e energética. Representa também a unidade de petroleiros, trabalhadores dos correios, eletricitários, funcionários da Casa da Moeda e da CEDAE, além de movimentos populares, na luta em defesa das estatais e dos nossos direitos. Todos contra Temer, sem temer.