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BRASIL

Disputa entre facções, estado corrupto e legalização das drogas: garantir lucro alto ou a vida do povo?

Rio de Janeiro – Militares fazem operação na favela da Rocinha após guerra entre quadrilhas rivais de traficantes pelo controle da área (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Por: Leandro Santos, do Rio de Janeiro, RJ

Desde o dia 17 desse mês, os moradores da Rocinha são reféns de uma guerra que não é recente, nem tem perspectivas de ser solucionada tão cedo. Membros de uma mesma facção disputam o controle do tráfico de drogas na favela. O Estado que já não garante condições de vida dignas para as comunidades, é incapaz de garantir o direito de ir e vir dos moradores, colocando o exército nas ruas em mais uma tentativa desesperada de cessar os confrontos que acontecem no meio de uma área nobre da cidade, com um modelo já fracassado de segurança pública.

Essa realidade cruel, principalmente para a população mais pobre, que mora ou trabalha nessas comunidades, coloca cada vez mais evidente a força das facções do crime organizado frente à falência e conivência das instituições do Estado em resposta a suas ações.

O tráfico de drogas no Brasil gira em torno de R$15,5 bilhões por ano. O país foi a principal rota do tráfico para o envio de cocaína entre 2009 e 2014 para a Europa, segundo o Anuário das Drogas da ONU, de 2016. E no mesmo período foi responsável por 51% do fornecimento para a África. O Brasil é o segundo maior consumidor da droga e mandá-la para fora é ainda mais lucrativo pelo preço que alcança. Para se ter uma ideia, o quilo da cocaína na Colômbia custa de US$ 3 a 5 mil, US$ 8,5 mil na Bolívia, US$ 10 mil no Paraguai, chega ao Brasil pagando-se US$ 20 mil em Campo Grande (MS), até US$ 27 mil em São Paulo. Quando chega aos Estados Unidos custa US$ 86,4 mil o quilo e na Europa vale US$ 94 mil o quilo. Na Ásia atinge seu recorde: US$ 100 mil o quilo no Japão e até US$ 300 mil na Austrália.

Com altas oscilações de acordo com a demanda e procura de um mercado abastecido de forma irregular por causa da ilegalidade, se torna um negócio altamente rentável, com margens de lucro altíssimas. As “empresas” que controlam esse negócio no país estão em constante disputa de mercado, território e mão-de-obra. Desde o controle das rotas, passando pelos centros de distribuição e comércio, até o sistema penitenciário.

O ano de 2017 começou com um banho de sangue nos presídios do Norte do país: mais de cem mortos em rebeliões e motins somente na primeira quinzena de janeiro. A Família do Norte (FDN), organização surgida em Manaus (2006) a partir da unificação de coletivos criminosos da região, controla a rota do rio Solimões (escoa a produção do Peru e Colômbia) e, aliada do Comando Vermelho, ordenou a ação contra integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital) em presídios de Manaus, Boa Vista e Natal. Era um episódio de disputa entre as facções deflagrado com o rompimento entre CV e PCC, em 2012, e em retaliação pela morte de Jorge Rafaat em junho de 2016, o ‘barão da droga’. Ele controlava o narcotráfico na região de fronteira com o Paraguai. Após isso, o PCC passou a controlar a rota de entrada para o Brasil vinda da Bolívia e Paraguai.

A facção paulista, maior do país, com cerca de 29 mil membros, está presente na maioria dos estados da federação. Com caráter monopolista, tem buscado dominar as principais rotas do tráfico. Possui diversas ramificações, como roubo a banco (participou do assalto ao Banco Central em 2006 no Ceará) e carro forte, transportadora (roubo de US$ 40 milhões da Prosegur em Ciudad del Este em abril desse ano) e mercado imobiliário, o que dificulta mensurar o volume de seus negócios. A Secretaria de Segurança Pública de Alagoas, segundo estado do NE com mais integrantes da facção, atribui o aumento dos assassinatos no primeiro semestre de 2017 em relação ao mesmo período do ano anterior à disputa nacional pelo tráfico. Só em Maceió o aumento foi de 69%.

No Ceará, estado do Nordeste com mais membros, a disputa entre facções provocou três rebeliões em presídios da capital, em menos de 24 horas. O objetivo era separar os presos e ter uma penitenciária para cada organização. A política de encarceramento para justificar a guerra às drogas superlota cada vez mais os presídios e promove mão-de-obra para as facções, juntando presos provisórios com condenados.

Com um Estado altamente corrupto, as facções têm forte influência em todas as esferas de poder: sistema judiciário, polícia e sistema político, inclusive financiando campanhas. O modelo de policiamento repressivo visa dar respostas imediatas a classes média e alta sem nenhuma efetividade e pune os mais pobres, com mortes e perda de direitos, sendo os jovens negros o principal alvo da polícia e também do sistema judiciário, que diante dos estereótipos racistas enquadra essa parcela da população na posição de traficantes, mesmo portando pequenas quantidades, enquanto jovens brancos de classe média ou alta podem, em condições similares, serem enquadrados como usuários. O Tratamento dispensado a Rafael Braga e o filho da desembargadora que portava drogas e munição em Mato Grosso do Sul exemplificam essa conduta. Quanto maior a repressão, maior o valor da droga.

Com uma polícia corrupta, as facções destinam grandes quantias de dinheiro para arrego, invasões de favelas rivais e compra de armas: com esquemas de propina do baixo, ao alto escalão, em que esta vira parceira do crime organizado e não investiga os grandes negociantes da droga, mas apenas reprime o vapor, última e mais frágil ponta da engrenagem, enquanto parlamentares carregam helicópteros carregados de cocaína sem serem importunados. É necessário uma nova polícia, unificada e desmilitarizada, voltada à prevenção e investigação ao invés de repressora, com direito de sindicalização e que garanta direitos básicos dos trabalhadores.

Sem qualquer tipo de regulamentação, quem tem mais poder e armas se estabelece. A necessidade da legalização das drogas passa por encarar o uso de entorpecentes um tema de saúde pública que demanda acompanhamento e tratamento e não caso de polícia.

Para além disso, é uma forma importante, mas não se basta, de desarticular e enfraquecer o poderio dessas organizações. Com o Estado controlando a produção, distribuição e comércio dessas substâncias, com controle de qualidade, garantindo privacidade e intimidade no uso recreativo e auxiliando usos terapêuticos e medicinal, ou ainda uso industrial, por exemplo da maconha, produzindo produtos derivados com potencial econômico e ecologicamente vantajoso, para diversos ramos da economia com seus lucros destinados a fins de interesse público.

É urgente uma política de Estado voltada para garantir direitos básicos da população mais pobre, que cesse uma guerra que vitimiza a população trabalhadora, enquanto os grandes barões da droga seguem enriquecendo com a conivência dos governos de plantão.

Foto: Rio de Janeiro – Militares fazem operação na favela da Rocinha após guerra entre quadrilhas rivais de traficantes pelo controle da área (Fernando Frazão/Agência Brasil)