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BRASIL

Rocinha: mais uma faceta da falência do atual modelo de segurança pública

Fernando Frazão/Agência Brasil

Militares fazem operação na favela da Rocinha, durante intervenção

Por: Gustavo Fagundes, de Niterói, RJ

Foi a partir do dia 17 de setembro que a rotina dos moradores da Rocinha, favela situada na zona sul do Rio de Janeiro, foi brutalmente transformada. Os intensos confrontos iniciaram a partir da disputa do controle dos pontos de vendas de drogas por grupos rivais. E dias depois teve início a intervenção das Forças Armadas junto à Polícia Militar e equipes da Polícia Civil. O efetivo do Exército, da Marinha e da Aeronáutica atinge 950 soldados, além de dezenas de veículos blindados e helicópteros. Mais três batalhões do Exército, que somam quase três mil homens, estão de prontidão.

As operações policiais se multiplicaram na última semana pela capital fluminense e impediram a realização de aulas em unidades escolares na Vila Canoas, Vidigal, Gávea, Turano, Jacarezinho e Morro do Urubu, segundo a Secretaria Municipal de Educação. Inclusive, os moradores da Rocinha que fariam a prova da UERJ no dia 17 não conseguiram realizar o exame devido ao intenso tiroteio na favela.

Tragicamente, a Rocinha possui uma Unidade de Polícia Pacificadora. A sede da UPP fica na parte alta da favela, próximo à mata. A pouca eficácia desse projeto de policiamento foi amplamente exposta logo em seu início. Sua elaboração não possuía um viés estratégico de longo prazo para uma radical diminuição dos índices de violência na cidade. Pelo contrário, prezava pela simples ocupação dos territórios das favelas. Sem envolvimento dos moradores na construção da política, ou o mínimo de diálogo com as comunidades.

As UPPs serviram como maquiagem nos territórios historicamente dominados pelas facções responsáveis pelo tráfico de drogas. Uma falsa sensação de segurança para viabilizar a realização dos megaeventos na cidade, como a Copa do Mundo em 2014 e as Olímpiadas em 2016. O que se viu ao longo dos anos foi a retomada das favelas pelo crime organizado e a sistemática ocorrência dos casos de abuso e truculência cometidos pelos policiais militares nas favelas. Soma-se a isso o crescimento das milícias armadas nos bairros das zonas oeste e norte.

A mídia e o governo estadual negam a incluir o caos social causado pela crise econômica na equação que explica a crescente violência. O não pagamento dos salários dos servidores, incluso os policiais e aposentados do estado, possibilidade de fechamento das universidades estaduais aliadas às taxas alarmantes de desemprego criam um cenário de pouca ou nenhuma expectativa para a população. Ao mesmo tempo que se combina o aumento da informalidade e a repressão a esses trabalhadores.

Rocinha com operação do Exército
Foto: Fernando Frazão/Agênci Brasil

Exército não é solução!

Esse pedido de auxílio do exército para intervir na Rocinha não foi o primeiro que o governador Pezão solicitou ao Governo Federal para a crise de segurança no Rio. Vale lembrar que seu antecessor, Sergio Cabral, também do PMDB, fez uso das Forças Armadas em diversos momentos.

Diferente da conclusão gerada pelo senso comum, aumentar o poder bélico das forças do Estado nas ruas não resulta em diminuição da violência e sensação de insegurança. Tanto é assim que a atual política de segurança pública impõe a participação de fuzileiros navais na Maré, incursões com veículos blindados da polícia militar e polícia civil nas favelas cariocas faz alguns anos. O resultado é o crescente número de jovens negros assassinados e crianças feridas por disparos de arma de fogo dentro de escolas.

O modus operandi das operações nas favelas se repete, seja protagonizado por policiais militares, civis ou soldados das forças armadas. Arrombamentos nas casas dos moradores, apreensão ilegal de bens e abuso de autoridade. Não são poucas as denúncias feitas através das redes sociais. O uso da tecnologia acaba sendo o principal aliado para divulgar os acontecimentos, muito por ser o meio que dificulta a retaliação dos agentes do Estado e também dos traficantes.

A falsa ideia de que se trata de uma guerra o que ocorre na cidade do Rio de Janeira e que tem hoje na Rocinha o seu foco, causa confusão inclusive entre aqueles que a produziram. O presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a pedir a demissão de Roberto Sá, secretário de segurança do estado. Ao mesmo tempo que o governador Pezão afirma que o secretário vem cumprindo com o seu dever. Em meio a tudo isso, o prefeito Crivella afirma ter o desejo de dar um “banho de loja” na Rocinha e implementar um plano turístico par atrair outros megaeventos à cidade.

A frouxidão da legislação também não se aplica. Nem, líder da facção Amigos dos Amigos (ADA) e que cumpre pena em um presídio federal de segurança máxima, em Rondônia, foi quem ordenou o início dos ataques na Rocinha. Logo, existe um longo percurso e muitos participantes para que as informações que ditam as regras do tráfico de drogas cheguem até seu destino, no Rio de Janeiro.

Portanto, se torna urgente e necessária a construção de uma outra política de segurança pública e que tenha como os pilares da sua elaboração a desmilitarização da PM – uma medida que contribui também para diminuir a desigualdade entre praças e oficiais na corporação – e a descriminalização das drogas, uma ação que irá incidir na principal fonte de arrecadação das facções criminosas e dar fim à guerra às drogas, justificativa utilizada para as operações nas favelas que culminam em mortes da juventude negra.

(Fernando Frazão/Agência Brasil)