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EDITORIAL

Coréia do Norte: o impasse e a ameaça nuclear

Por Pierre Rousset

Publicado no site Viento Sur. Tradução Rodrigo Claudio

A guerra da Coréia ( 1950-1953) nunca foi resolvida com um tratado de paz. A ferida despertou hoje com profundas implicações para toda a região e para o mundo inteiro. O conflito entre Washington e Pyongyang faz com que a situação seja hoje instável e o futuro, incerto.

A atual espiral conflituosa não era inevitável. Para fazer baixar as tensões na península bastaria que os Estados Unidos suspendessem as grandes manobras militares empreendidas com a Coréia do Sul contra Coréia do Norte – ou que Pyongyang tivesse respondido favoravelmente às ofertas de diálogo que depois de sua recente eleição apresentou o novo presidente sul coreano, Monn Jae-in.

O que quer Kim Jong-un?

Quer assegurar a sobrevivência do regime frente a um entorno internacional muito hostil e quer forçar que os Estados Unidos assine um tratado de paz com todas as formalidades – que depois do armistício de 1953 jamais foi assinado – e que reconheça a Coreia do Norte como estado nuclear. Observando o destino imposto ao Iraque de Sadam Hussein ou à Líbia de Kadafi, Kim está convencido de que a posse de tal arsenal é, a médio prazo, uma garantia indispensável de independência, sabendo que, no fundo, a proteção chinesa é aleatória.

Pyongyang informa regularmente que o abandono de seu programa nuclear é algo que se pode contemplar no caso que Estados Unidos pusessem fim às hostilidades; algo que os grandes jornais ocidentais não mencionam quase nunca. Era a posição norte-coreana nas negociações diplomáticas dos anos 1990 ou 200. No entanto, pode-se duvidar de que hoje, em vista dos progressos realizados neste campo, o regime esteja disposto a fazê-lo, sem, pelo menos, garantias consideráveis que implicam, por exemplo, a desnuclearização de toda a península coreana e seus arredores.

O lugar atribuído às armas nucleares é uma marca de Kim Jong-un. Na verdade, ele alterou radicalmente a política realizada por seu pai e  avô em dois eixos: por um lado, acelerando brutalmente este programa (multiplicação de testes e disparos, aumento do alcance de mísseis balísticos, miniaturização e construção de inúmeras ogivas, pesquisas sobre a bomba de hidrogênio …) e, por outro lado, permitindo a liberalização parcial de uma economia de mercado para estabilizar a situação social interna que permanece muito frágil.

Sua política é racional, como muitos especialistas apontam, mas tem sérias conseqüências: o relançamento da corrida armamentista, o aumento do militarismo na região (no Japão em particular), um freio para a abertura na Coréia do Sul após a derrota da direita revanchista. O novo presidente, Moon Jae-in, pertence a uma tradição política que atribui grande importância à questão nacional, à reunificação do país e, portanto, a uma abertura em direção a Pyongyang. Suas ofertas de diálogo provavelmente não eram fictícias.

No entanto, Kim Jong-un apenas quer negociar com os Estados Unidos e ignora o presidente Moon. Nestas condições, este último é obrigado a aceitar o reforço da presença militar dos EUA em seu país e a implantação de novas baterias de mísseis antimísseis Thaad, o que rejeitou imediatamente após sua eleição.

O que quer Donald Trump?

Ele quer, em primeiro lugar, o que o establishment democrata e republicano quer: não reconhecer a Coréia do Norte. O progresso diplomático iniciado na década de 1990 sob Bill Clinton foi sabotado por George Bush Junior (que colocou Pyongyang no eixo do mal) e Barack Obama que prosseguiu a mesma política.

O contexto atual reforça essa posição agressiva. O status legal de guerra na península (de não-paz) permite manter as bases militares americanas na Coréia do Sul, até reforçá-las. Aos olhos de Washington, este desafio estratégico é particularmente importante quando a hegemonia chinesa é reforçada no mar do sul da China: a hegemonia norte-americana deve nesse sentido afirmar-se com força no Pacífico Norte.

Deve-se lembrar que os mísseis Thaad implantados na Coréia do Sul têm um alcance operacional que cobre uma grande parte do território da China e não simplesmente a Coréia do Norte – o que suscita muita preocupação em Pequim, já que isso neutraliza em grande parte seu próprio arsenal nuclear. Na verdade, com a crise coreana, Trump quer pressionar Pequim por razões de ordem global: a grande potência estabelecida (neste caso, os Estados Unidos) não vê com bons olhos o crescimento internacional da jovem potência emergente (China ).

Donald Trump e o alto comando das forças armadas também querem obter um aumento considerável no orçamento militar, o que está longe de ser alcançado; um clima de guerra é um argumento de peso nas negociações no Congresso dos EUA. Ele também quer nos fazer esquecer sua situação desastrosa no nível doméstico (escândalos, crescente impopularidade …).

Julgado como demasiado imprevisível, vai querer este homem inveterado dar algum dia consistência a sua retórica vingativa e a seus anúncios apocalípticos, ainda que seja a custa de criar um incidente que desencadeie uma reação em cadeia, incontrolável?

Tudo isto constitui um coquetel temível que inquieta inclusive aos mais próximos aliados internacionais dos Estados Unidos.

Outro fator potencial de instabilidade, a evolução da situação na Coréia do Norte. Até agora, as sanções econômicas internacionais não têm conseguido seus objetivos. O regime tem meios para esquivar-se ( ainda que a um custo financeiro notável) e pode contar com o nacionalismo da população que não esqueceu até que ponto o país foi literalmente reduzido a cinzas pelos bombardeios norte-americanos nos anos 50. Até agora o regime tem aguentado e persegue sem contemplações a qualquer dirigente norte-coreano suscetível de aparecer como alternativa a Kim Jong-Un. Se, apesar de tudo, em um futuro próximo aparecerem fissuras no aparato do partido-estado, Quais seriam as consequências?

Corrida Armamentista nuclear

Não temos dúvida sobre a responsabilidade histórica dos Estados Unidos na situação da crise atual. Entretanto, o regime norte-coreano tem se convertido em um fator ativo de militarização no Pacífico norte e muito além disso. No entanto, qualquer confronto militar nesta parte do mundo, mesmo que “acidental”, pode se tornar nuclear.

A corrida armamentista nuclear se amplia. Estados Unidos, França … tentam criar as condições políticas para a utilização efetiva de bombas pretensamente táticas. A blindagem anti-mísseis dos Estados Unidos levou a Rússia a manter seu arsenal em um nível muito alto e a China a aumentá-lo.O parque de ogivas chinesas é pequeno; foi considerado suficiente na conjuntura passada, mas não mais: tem que ser modernizado, aumentado e disperso nos oceanos, através de uma frota de submarinos estratégicos … dos quais Moscou está munida, mas ainda não Pequim.

O Tratado de Não Proliferação está desatualizado.

Nestas condições, é dramático que, na França, não existam movimentos significativos a favor do desarmamento nuclear e da política governamental (de todos os governos) neste terreno.

Publicado originalmente no site: http://www.europe-solidaire.org/spip.php?article41998 .