Por: William Abreu
Durante a semana, vieram muitos pontos para abordar em relação à exposição do museu Queer, promovido pelo Santander Cultural, e a sua repercussão na mídia. Já aviso que o texto não é justificativa para a validação de determinada obra de arte com possível teor ofensivo a determinados grupos, o objetivo não é esse.
No início 2017, ano que iniciei minha experiência dentro da comunicação social, na publicidade, tive a oportunidade de estudar Arte ou a Arte. E percebi uma dificuldade, que não estava só em mim, a problemática da sociedade em sua maioria não ter a capacidade cognitiva de enxergar símbolos para além das imagens, tornando qualquer tipo de linguagem subjetiva de existência do sujeito, ligada diretamente a formas e textos e muitas vezes na Arte isso não necessariamente ocorre.
Bernini, um dos maiores escultores do séc. XVII, retratou em muitas de suas obras temas como sexualidade “voraz” masculina em relação à propriedade ao corpo da mulher, o êxtase feminino, dentre outros, dentro do Vaticano. As obras Êxtase de Santa Teresa (1647–1652), O Rapto de Proserpina (1621-1622) e Apolo e Dafne (1622-1625), durante séculos nos causa certo estranhamento, mamilos femininos, a figura do pênis, rostos de orgasmos, posse e outros sentimento eram trabalhados com uma dramatização, técnica e expressividade que a sexualidade dos trabalhos não assustava em nenhum momento a cristandade.
Séculos mais tarde, chegamos ao caso onde uma exposição com obras que pautam a sexualidade, gênero, cristandade, é fechada pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e uma série de fanáticos religiosos, apontam apologia à prostituição infantil e zoofilia nos trabalhos. E essa para mim foi a declaração de que a sociedade brasileira não “lê para além das letras”.
Com o passar dos semestres, nós publicitários em formação, começamos a entender quais as linguagens e técnicas que usaremos no futuro para influenciar e manipular o subconsciente da população, afinal a promoção é o nosso ganha pão. Mas onde isso se relaciona com o texto?
Relaciona-se pelo fato que a Arte não tem como objetivo, principal pelo menos, a promoção de determinado comportamento, prática ou consumo, isso quem faz é publicidade. A Arte como forma de quebra de conceitos, paradigmas, sempre causa estranhamento, choque, dentre outras reações onde pessoas comuns não estão preparadas para recebê-las e mais ainda percebê-las. E em um discurso para além da Esquerda e Direita, e das teorias.
Falamos sobre a subjetividade da existência de crianças transgêneras. No vídeo produzido pelo MBL, os integrantes do movimento estereotipam o corpo dessas crianças, que são marginalizadas desde muito cedo, fazendo um linque onde a existência delas se liga diretamente à prostituição infantil, como se o Estado que elas compõem não tivesse nenhuma culpa ao não dar devida assistência a esses menores. Quem pensou que Arte as sexualizavam está, ainda, muito enganado, pois a ela retrata apenas o imaginário e a realidade.
Respondam-me. Por que “Criança viada travesti da lambada” é sinônimo de prostituição infantil? Seria porque ela desde cedo não segue os padrões binários impostos a nós desde a colonização? São homens como eles, que reproduzem o imaginário que faz com que corpos trangêneros tenham expectativa de vida de 35 anos. E me respondam mais uma questão. Até quando nós da comunicação iremos nos calar em temas que põem em risco o nosso “ganha pão”? Até quando a bancada cristã e a política da elite irá decidir o que é liberdade de expressão sem nos levar em conta, sendo que a comunicação é a nossa área?
Fica, aí, o questionamento.
Imagem: Uma das obras no centro da polêmica, assinada por Bia Leite em 2013 DR
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