O Esquerda Online lança uma série de artigos em contribuição aos debates realizados a partir da plataforma Vamos!, impulsionada pela POVO SEM MEDO. Nesse artigo, uma contribuição da militância do MAIS sobre Economia. Confira no Especial VAMOS!.
Por: Patrick Galba, militante do MAIS do Rio de Janeiro, RJ
Introdução
Todo trabalhador sabe que no país e no mundo em que vivemos hoje, as palavras “democracia” e “economia” não combinam. Esta incompatibilidade começa já no local de trabalho: o funcionamento interno das empresas privadas e também das públicas remete a verdadeiras ditaduras que respondem apenas à busca pelo lucro, num ambiente onde o trabalhador não tem voz. Mesmo quando é chamado a opinar, o que se coloca em discussão é apenas como os trabalhadores pretendem atingir determinadas metas ou objetivos que são traçados pelos patrões, pela “diretoria”, ou por outro corpo que personifica o capital e sua busca por lucros. Este tipo de “participação”, quase sempre não passa de uma ferramenta de gestão para extrair ainda mais de cada trabalhador.
Mas se não existe democracia nas empresas, do ponto de vista individual, a coisa tampouco muda de figura ao olhar a economia do país de conjunto. A falácia da “soberania do consumidor”, propagada pelos ideólogos do capital, a maior parte deles economistas vinculados aos seus interesses, não passa de uma mentira. Para ser consumidor e exercer a tal “soberania” é preciso primeiro ter um rendimento apropriado. E isso exclui automaticamente a maior parte da população das decisões econômicas. Segundo um estudo recente organizado por Thomas Piketty, a participação dos 10% mais ricos no total da riqueza nacional no Brasil passou de 54,3% para 55,3% de 2001 a 2015. Em 2015, a renda dos 50% mais pobres correspondia a apenas 12,3% do total. Além disso, “a renda nacional total cresceu 18,3% (entre 2001-2015), mas 60,7% desses ganhos foram apropriados pelos 10% mais ricos, contra 17,6% das camadas menos favorecidas”. A classe média, ou melhor, os 40 % intermediários também perderam participação na renda no período (de 34,4 para 32,4 %). Mas há um setor que não tem do que reclamar: os 1% mais ricos do Brasil, que segundo o estudo ganham mais do que os 1% mais ricos da França. Uma desigualdade “chocante” de rendimentos, de acordo com os autores do estudo. Em outras palavras, os ricos estão cada vez mais ricos e mandam cada vez mais no Brasil.
A estes aspectos se soma a forma pela qual o governo toma as decisões que influenciam de forma substancial na economia. Desde o início dos anos 1990, se construiu um arcabouço de regras, principalmente sob as bandeiras da “responsabilidade fiscal”, da “estabilidade monetária” e do “cumprimento dos contratos”, que blindou o Estado de qualquer mudança real na política econômica, e que se manteve quase intacto durante os governos do PT. Uma parte enorme do orçamento público é direcionada para a dívida pública e para o rentismo; o banco central atua, na prática, de forma independente do governo e sob a orientação dos economistas dos grandes bancos; o que sobra em termos de investimento público é direcionado para ajudar os empresários dos setores “competitivos” no mercado mundial, setores primário-exportadores ou alguns poucos setores industriais que se beneficiam desta “competitividade” na produção de matérias primas. Todos estes setores guardam em comum a característica de serem capazes de aproveitar o que as economias dependentes em geral e a economia brasileira em particular têm de mais atrativo para o capital, os baixos salários. Os 1% mais ricos do Brasil ganham mais do que os 1% mais ricos da França se apoiando na superexploração do povo trabalhador brasileiro.
Se há um aspecto no qual a democracia está completamente ausente da vida do brasileiro, no sentido da tomada das principais decisões, este aspecto é o econômico.
Sendo assim, falar de forma sincera em democratização da economia é falar em uma mudança profunda. É preciso apontar saídas, em primeiro lugar, para recuperar a capacidade do Estado brasileiro atuar na economia em favor de um processo de desenvolvimento que sirva para emancipar a maioria da população, e não para aprisionarmos a nós mesmos numa enorme “quase-colônia” extrativista e rentista. É preciso desenvolver nossa capacidade de criar uma economia diversificada e dinâmica, dando a oportunidade para que todos possam desenvolver suas potencialidades e, ao mesmo tempo, para que possamos viver em uma sociedade plural e com toda a sofisticação possibilitada pelas tecnologias contemporâneas. Entretanto, o caminho do capitalismo brasileiro, seja administrado pela direita, seja pelos governos de colaborações de classes, tem sido o oposto: desindustrialização, regressão produtiva, re-primarização.
Os últimos 14 anos provaram de forma cabal que o projeto até então majoritário na esquerda brasileira, representado principalmente pelo lulismo, em que pese todas as suas diferenças com o projeto da direita, foi e é incapaz de alterar este caminho. Qualquer pretensão de mudança real que fique refém de uma aliança com o PMDB, ou com um “partido burguês lulista”, ou restrita a uma política de acordo com a FIESP e os interesses das grandes empresas brasileiras (centrada apenas numa eventual redução dos juros, etc.), está fadada ao fracasso.
Uma mudança verdadeira, no sentido aqui apontado, depende de medidas no sentido da construção de uma economia socialista. Defendemos, como primeiros movimentos neste sentido, uma auditoria e cancelamento da dívida pública, e a revogação da legislação de “responsabilidade fiscal” que atrela os gastos públicos aos interesses dos rentistas. Defendemos um plano de investimentos públicos estatais no desenvolvimento de uma indústria nacionalizada de máquinas e equipamentos, que permita aumentar a produtividade do trabalho, bem como em formas limpas de energia, como a solar e a eólica, nas quais temos potencial para liderança internacional. Defendemos a re-estatização das empresas privatizadas e a estatização das grandes empresas nos setores estratégicos para o desenvolvimento do país.
Estas medidas, entretanto, são apenas o começo. A verdadeira democratização da economia só é possível numa circunstância na qual a população realmente decida o quê e quanto será produzido. É uma ilusão acreditar que isto poderá ocorrer apenas no nível das empresas, de forma individual, ou mesmo de forma “gradual e espontânea”. Por um lado, a necessidade de recursos (mesmo para distribuir entre trabalhadores “cooperativados”) sempre direciona a produção no sentido da maior lucratividade, impondo a lógica do capital que, como vimos, aponta para um caminho sombrio de dependência e retrocesso no Brasil. Por outro, a cada dia a atuação das grandes empresas e de seus lobistas em Brasília mostra como elas são inimigas inconciliáveis do desenvolvimento de formas de controle social da economia, ou mesmo de formas de produção pela via do compartilhamento de recursos. A estas ilusões soma-se aquela segundo a qual seria possível um controle social da economia controlado de forma autocrática por uma burocracia em um só país, que termina obviamente por direcionar a produção para seus próprios interesses, como ocorreu no processo que levou à destruição da URSS e das conquistas da revolução russa.
É preciso construir um novo programa calcado em um verdadeiro controle social da produção que parta das possibilidades colocadas pelas novas tecnologias, em especial a Internet; que permita o livre compartilhamento de projetos e a livre cooperação e combata a lógica da propriedade capitalista das redes baseada na propriedade intelectual e na precarização e “uberização” das relações de trabalho. Estas são na verdade formas pelas quais o capital busca aprisionar a humanidade e eliminar qualquer potencial emancipatório destas novas tecnologias.
Uma “associação dos produtores livres” só será possível se for capaz ao mesmo tempo de se desenvolver em base às novas tecnologias, mas também de submeter o conjunto da economia, em especial a grande indústria e a agricultura, que em sua forma capitalista são suas inimigas irreconciliáveis, ao controle social. As enormes dificuldades do planejamento econômico se tornam cada vez menores diante das possibilidades postas pela cooperação em rede.
O socialismo não é o inimigo número um da direita e dos defensores do capitalismo porque foi demonstrado inviável com a queda do muro de Berlim. Ele o é porque fica cada dia mais claro a inviabilidade do capital, seu caráter limitador das capacidades humanas, e cada vez mais o socialismo torna-se não apenas mais viável, mas também necessário.
Defendemos, além do mencionado no texto, as seguintes medidas imediatas:
-Auditoria independente e suspensão imediata do pagamento da dívida pública, com proteção da pequena poupança.
– Revogação da PEC 55, da reforma trabalhista e de todas medidas contra o povo brasileiro aprovadas pelo governo ilegítimo de Michel Temer!
– Para gerar empregos, reduzir a jornada de trabalho sem redução de salário!
– Taxar o lucro das grandes fortunas para investir em saúde e educação!
– Reforma tributária que cobre impostos progressivos sobre os mais ricos! Que a maioria da população pague menos impostos!
– Anulação do Leilão do Pré-Sal!
Outros artigos
http://esquerdaonline.com.br.br/2017/09/11/vamos-pela-defesa-da-democratizacao-dos-territorios-e-do-meio-ambiente/
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