Fernanda Melchionna: ‘a Avenida da Legalidade é do povo e nós vamos resistir’

Por: Lucas Fogaça, de Porto Alegre, RS

Na última quinta-feira (7), o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aceitou mandado de segurança pedido pelos vereadores da bancada do Partido Progressista na Câmara para que a Avenida da Legalidade e da Democracia retorne ao nome de Avenida Castelo Branco. Humberto de Alencar Castelo Branco foi um dos idealizadores do golpe militar de 1964 no Brasil. E foi quando o General Castelo Branco era chefe do regime militar que os gorilas impuseram o Ato Institucional número 2 que entre outras medidas autoritárias extinguia o pluripartidarismo, cassava os direitos políticos dos opositores do regime e aumentava ainda mais a concentração do poder no Poder Executivo. Foi também Castelo Branco quem mandou o Coronel Meira Matos invadir e fechar o Congresso Nacional, em 1966.

A justificativa para os desembargadores Eduardo Delgado e Ricardo Bernd é que houve irregularidades na votação do projeto em 2014, especialmente por não ter sido aprovado por maioria qualificada, e porque não houve consulta prévia às pessoas que vivem no entorno da avenida. O desembargador Eduardo Delgado é oriundo da advocacia e chegou ao Tribunal de Justiça por instrumento do Quinto Constitucional – uma indicação da OAB e do próprio TJ para a disputa de vaga como desembargador – terminando escolhido em 2008 pela então Governadora Yeda Crusius (PSDB) numa lista tríplice.

Conversamos com a Vereadora de Porto Alegre Fernanda Melchionna (PSOL), autora junto com o atual Deputado Pedro Pedro Ruas (PSOL) do projeto que alterou o nome da avenida. Questionada sobre a importância da Avenida da Legalidade e do significado desta ação do PP acatada pelo TJ-RS, ela respondeu:

Fernanda Melchionna: para nós a [Avenida] Legalidade é importante por 4 aspectos. Primeiro, para tirar uma homenagem absurda a um ditador que cometeu crimes contra a humanidade, mortes, desaparecimentos e que foi parte desses 21 anos de ditadura civil militar no Brasil. Depois para homenagear o Movimento da Legalidade, um verdadeiro levante do povo gaúcho que retardou o golpe militar em 3 anos.

Também para fortalecer a luta por uma justiça de transição. O Brasil é um país que lamentavelmente não fez justiça de transição, que não julgou os torturadores e os que cometeram crimes contra a humanidade. Diferente de outros países da América Latina como a Argentina em que Videla foi preso, e Chile em que Pinochet foi condenado, ou outros exemplos como o Uruguai em que houve condenações, o Brasil não só não condenou os ditadores como deu anistia a eles. E os empresários financiadores do regime seguem por aí impunes. E muitos membros do regime militar seguem por aí recebendo polpudas aposentadorias do Estado. Também é importante porque esta história não foi contada e faz um tremendo perigo porque o próprio povo não conhece as barbáries cometidas durante a ditadura militar. E a justiça de transição também é pra evitar que coisas desse tipo também se repitam.

E em quarto lugar também é importante para combater a criminalização da pobreza, a criminalização dos movimentos sociais, a violência policial que também tem vasos comunicantes com essa história de violência que foram cometidas na ditadura militar.

LF: e como está a situação jurídica deste caso?

Fernanda Melchionna: Bom, do ponto de vista jurídico como é que está. A bancada do PP, as viúvas da ditadura, foram até a justiça questionar a Avenida da Legalidade. E os argumentos são estapafúrdios. Honestamente, não sei como os desembargadores aceitaram, foram induzidos ao erro, de uma votação de 2×1 dar essa vitória à peça jurídica da bancada do PP.

Entre os argumentos levantados pelo PP está a que não foi respeitado o quórum exigido para aprovação da alteração do nome da via e não foi realizada a consulta prévia aos moradores do local. Qualquer pessoa que conhece a avenida sabe que ninguém mora lá: é uma avenida de trânsito (espremida entre os trilhos do trem e o cais do porto). E a ditadura militar não institui o nome da Avenida por Projeto de Lei. Foi um decreto de 1973 do General Médici. Então oficialmente a avenida não tinha nome, por isso não era alteração e sim instituição de nome de avenida. E nós vencemos na Câmara por 21 votos à 5.

LF: E agora, o que fazer?

Fernanda Melchionna: Nós vamos recorrer em todas as instâncias cabíveis para que esse retrocesso não aconteça. Para que o povo siga acessando Porto Alegre pela Avenida da Legalidade e da Democracia, que é motivo de orgulho da nossa história e não uma homenagem a um ditador. A Avenida da Legalidade é do povo e nós vamos resistir. Queremos seguir articulando com os movimentos de luta por Verdade, Memória e Justiça para barrar este retrocesso.

Foto: redes sociais.