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EDITORIAL

Japão: O governo Abe diante de uma “guerra fria” com a Coréia do Norte

Por: Mário Aguena, de São Paulo, SP

Abe ficará até o fim do terceiro mandato?
Fala-se que Abe não ficará até o fim do seu terceiro mandato. Escândalos de favoritismo (acordo de preço reduzido a uma escola ultranacionalista e facilidades para a criação de uma faculdade de Veterinária de um amigo), por um lado. Por outro, os protestos populares diante de leis propostas pelo partido do governo de Abe. A primeira foram as alterações na constituição pacifista do país. A segunda, a aprovação de uma brutal lei antiterrorismo – tida como um ataque aos direitos individuais – que levou milhares às ruas. Ambas abriram uma crise política que fez despencar a popularidade do governo em 10% no segundo mês consecutivo indo para 26% no início da segunda quinzena de julho de 2017 segundo a pesquisa do jornal Mainichi.

A crise do governo
A derrota nas eleições à Assembleia Metropolitana de Tóquio é reflexo desse desgaste. A governadora de Tóquio, Yoriko Koike, e seu novo partido (Tomin First, isto é, Cidadão de Tóquio em Primeiro, ou Tokiotas Primeiro) junto com seus aliados – inclusive o Komeito, partido aliado do PLD nacionalmente – conquistaram 79 das 129 cadeiras. O PLD teve o pior resultado da sua história, 23 assentos.

Para aumentar a crise política do governo, ocorreu a renúncia do chefe das Forças Terrestres de Auto Defesa (Exército), general Toshiya Okabe, junto com a renúncia da Ministra da Defesa, Tomomi Inada, por conta de um escândalo de omissão de informações sobre a missão das tropas japonesas no Sudão do Sul, que estavam em más condições de segurança – Inada também havia provocado protestos no Japão e exterior por ter visitado o Santuário Yasukuni.

Para onde vai a democracia no governo Abe?
Segundo a imprensa Al Jazeera a opinião pública japonesa está dividida diante da lei antiterrorismo. Mas desde dezembro de 2016 quando o projeto foi apresentado tiveram início protestos pelo país contra a proposta. No dia 14/06, dia anterior a votação 5 mil pessoas protestaram no Parlamento, e prosseguiram no dia seguinte.

A lei antiterrorismo foi aprovada pelo Senado no dia 15/06, três semanas depois de aprovada pela Câmara baixa. A lei permitirá a prisão ou a execução de uma pessoa ou grupo de pessoas por participar na preparação ou realização de ações consideradas terroristas ou criminais. O governo justifica a lei pela aproximação dos Jogos Olímpicos, em 2020, em Tóquio, e a considera necessária para implementar a Convenção sobre Crime Organizado das Nações Unidas contra a criminalidade transnacional organizada, assinada em 2000 pelo Japão.

Na lista constam 277 crimes tais como coletar cogumelos, copiar partituras musicais, fazer corridas de barcos sem licença, sentar na calçada para protestar contra a construção de um condomínio, etc. Para a Ordem dos Advogados do Japão, com a chamada lei de “Preparações Contra o Terrorismo e Outros Crimes” – antes chamada de lei “Conspiração Criminal” e listava 676 crimes – é alta a probabilidade do governo infringir as liberdades civis.

Uma recuperação passageira da popularidade?
O governo Abe tenta superar a pior “crise de popularidade” desde que assumiu em 2012 e restaurar a confiança no governo com uma remodelação do gabinete ministerial anunciada no dia 03/08. As principais mudanças ocorreram nos Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores, respectivamente, Itsunori Onodera substituiu Tomomi Inada, e Taro Kono substituiu Fumio Kishida – este último visto como um rival para substituir o premier Shinzo Abe.

Segundo artigo postado no site This Week in Asia, após essas mudanças a popularidade do governo Abe voltou a subir para 44% ante os 35,6% anteriores a renovação do gabinete. Yohei Kono e seu filho, Taro Kono, são conhecidos políticos liberais e ambos têm posições quanto à admissão do reconhecimento da utilização do das “mulheres de conforto” pelo estado japonês antes e durante a segunda guerra mundial. A Yonhap News da Coréia do Sul chegou a ressaltar que Taro Kono teria um perfil diferenciado, pois criticou no passado Abe por prestar seus respeitos no Santuário Yasukuni de Tóquio.

Os setores à direita do governo Abe viram a escolha de Kono com desconfiança por suas proximidades com a China. Entretanto, o pedido de Taro para a desmilitarização do Mar da China Meridional logo provocou reação do Ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, que declarou desapontamento com o referido comentário. A imprensa conservadora japonesa, como o jornal Yomiuri, um firme defensor do PLD e da administração da Abe, demonstrou entusiasmo com essa atuação de Kono na reunião da Associação das Nações do Sudeste Asiático em Manila no início de agosto.

Por outro lado, Itsunori Onodera assume o cargo como um especialista em segurança que atuou como Ministro da Defesa de 2012 a 2014. Assim, poria fim às agitações causadas pelos erros repetidos de seu antecessor e a suposta omissão de informação na Missão do Sudão do Sul.
Tais mudanças não mexeram no núcleo duro do governo, como na secretaria do gabinete principal que permaneceu Yoshihide Suga, e no Ministério das Finanças Taro Aso, que estão desde 2012 no governo Abe.

Ao que parece, a intenção do governo Abe foi atingir as camadas da população japonesa descontentes com as ações beligerantes e antidemocráticas do seu governo, entretanto, sem sair da rota da pretendida mudança do caráter pacifista da constituição japonesa, que parece constituir um fundamento para a manutenção de uma aliança vantajosa com os EUA.

As ações de Kim Jong-un darão um folego ao governo Abe?


Após realizar um disparo de um míssil balístico de médio alcance Hwasong-12 (28/08), que sobrevoou o Japão e causou consternação em Tóquio e em Washington, na madrugada desde domingo (03/09) diversos países e organizações (ONU, OTAN, EU, AEIA – Agência Internacional de Energia Atômica) condenaram a realização do sexto teste nuclear com uma bomba de hidrogênio – uma bomba H, bomba termonuclear – realizado pela Coréia do Norte, repudiaram a nova violação das múltiplas resoluções da ONU e exigiram o fim dos programas nuclear e balístico do país. China e Japão estão monitorando as condições radioativas na região, cuja explosão gerou um tremor de magnitude 6,3 na escala Richter no território norte-coreano.

As incertezas quanto à evolução dos acontecimentos com Kim Jong-un a frente da Coréia do Norte, manifesta-se também pelas posturas diversas de países influentes na geopolítica atual como os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping, que após conversas bilaterais na reunião de cúpula dos BRICS em Xiamen (cidade chinesa) no final deste domingo (03/09), condenaram o teste nuclear e anunciaram que manteriam comunicação e coordenação estreitas a fim de mediarem uma solução diplomática para a desnuclearização da península coreana. Por outro lado, alinhados com os EUA com o presidente Donald Trump que coloca “todas as alternativas sobre a mesa”, a Coréia do Sul e o Japão operam para o estrangulamento da economia norte-coreana e sua desnuclearização.

Antes dos testes norte-coreanos, em agosto, as forças americanas estacionadas na Coreia do Sul executaram gigantescos exercícios militares com as tropas sul-coreanas, reunindo 17 mil soldados dos EUA e 50 mil sul-coreanos.

O ministro das Relações Exteriores japonês, Taro Kono, diz que Tóquio trabalhará com Washington para exortar a aplicação rigorosa das resoluções das sanções do Conselho da ONU e considerou prosseguir com novas e mais rígidas resoluções.

No Conselho de Segurança da ONU realizado no dia 05/08, os EUA apresentaram um novo pacote de sanções econômicas à Coréia do Norte que proíbem as nações de comprar de carvão, minério de ferro, chumbo e frutos do mar (principais produtos do país). A resolução foi aprovada por unanimidade, incluindo os votos da Rússia e da China.

A China é responsável por 90% das transações externas da Coréia do Norte. A China já tinha anunciado a suspensão de parte de suas compras da Coréia do Norte, de acordo com o “sétimo pacote de sanções” da ONU aprovado em agosto. As importações chinesas do regime de Pyongyang já caíram 30% neste ano, mas a China não se mostrou disposta até agora a passar de um certo nível de represálias, pois o seu aumento poderia desestabilizar ainda mais o regime norte-coreano com quem possui extensa fronteira.

Cabe destacar que as restrições comerciais ainda não afetam o comércio do petróleo. Para o ministro japonês Kono, as restrições ao comércio de petróleo podem ser a próxima sanção que o Japão pode buscar, mas exigiria o apoio da China e da Rússia.

Trump anunciou via Twitter avaliar cortar laços comerciais com qualquer país que faça negócios com a Coréia do Norte, o que por enquanto só pode significar uma bravata, pois isso incluiria cortar relações comerciais com nada menos do que a China.

A pedido dos EUA, Japão, Grã-Bretanha, França e Coréia do Sul o Conselho de Segurança da ONU se reuniu nesta segunda (04/09). Na reunião, a embaixadora americana no Conselho de Segurança da ONU, Nikki Halley, declarou que a Coreia do Norte está implorando por uma guerra” e prometeu submeter uma resolução de sanções ainda mais drásticas ao Conselho para ser votado na semana que vem.

Além disso, os EUA autorizaram o fornecimento de armamento mais sofisticado para as forças armadas da Coreia do Sul e do Japão. O ministério da defesa da Coreia do Sul anunciou nesta terça-feira que admite autorizar a reintrodução de armas nucleares táticas em seu território (que haviam sido retiradas há 20 anos pelo acordo de desnuclearização da península).E mais: também que permitirá a instalação de todos os sistemas antimísseis THAAD que haviam sido paralisados com a posse do novo governo. A China acusa o sistema de servir para espionar o seu sistema de mísseis de defesa.

Uma escalada na política armamentista e antidemocrática de Abe?
Após o sobrevoo do míssil nortecoreano, o Ministro da Defesa, Itsunori Onodera, propôs o maior orçamento militar até hoje, US$ 48 bilhões. A maior parte será utilizada em mísseis interceptadores de longo alcance e outras armas defensivas – também será utilizado na compra de aviões, navios militares e novos interceptadores balísticos –  numa tentativa de fazer frente as ameaças da Coréia do Norte. Caso seja aprovado pelo Parlamento será o sexto aumento consecutivo do orçamento de Defesa após uma década de cortes e reduções.

É certo que o governo Abe usa internamente a situação de “guerra fria” criada com a Coréia do Norte para avançar em seus projetos militaristas e de ataques as liberdades democráticas. As ações de Kim Jong-un poderão servir de argumento para o governo Abe seguir na rota do pretendido fim do caráter pacifista da constituição japonesa, no consequente aceleramento do rearmamento japonês e no ataque às liberdades democráticas.