Por: Geovanna Dutra, de Santa Maria, RS.
Não tenho dúvidas da importância do professor na vida da juventude. Não tenho dúvidas da profissão que escolhi levar comigo. Mas hoje tive dúvida sobre o valor que nossas vidas tem perante a sociedade.
Sou professora de educação física e este mês estou ensinando o conteúdo da ginástica. Estávamos fazendo cambalhotas e construindo pirâmides humanas no ginásio da escola quando uma aluna especial, que não tem o acompanhamento que deveria ter, estava participando da aula e repentinamente teve um princípio de convulsão. Eu, completamente desorientada, não sabia o que fazer com aquela menina meio desacordada no chão. Sentei com ela e comecei a conversar. Os alunos diziam “não deixa ela dormir profe”, e eu tremia que nem vara. Gritei pruma aluna “chama a diretora, chama alguém”. Era 17h e 20min. Dispensei os alunos pra que eu melhor pudesse atendê-la. Chegou uma professora educadora especial que me ajudou a carregá-la, e ela começou a responder com sinais: já nos olhava e nos ouvia. A educadora especial olha pra mim e diz “hoje é o dia, acabaram de balear um pai dentro da escola” tremendo tanto ou mais que eu.
Quando saímos do ginásio olhei para as janelas e estavam todas as crianças confinadas nas salas, me olhando da janela, aos prantos. A sensação era de pânico geral. O rostinho delas na janela esperava respostas, esperava um grito de alguém dizendo que nada ia acontecer com elas. Quando vi que meus alunos estavam soltos e enxerguei o corpo do homem baleado no chão, comecei a gritar e chamá-los pra voltar pro ginásio, mas eles corriam de um lado paro o outro. Entregamos a menina especial para o pai que já estava na escola. Corri junto com meus alunos em direção ao ginásio. Determinei “ninguém sai daqui”.
Voltei correndo pra ver no que podia ajudar, já era 17h e 40min. O corpo ainda estava no chão. A ambulância chegou, levaram o senhor que estava caído. Eu não sabia nem se estava vivo ou morto. Voltei para buscar os alunos e levar até a saída garantindo que não passassem pelo local do acontecido, o que era quase inevitável, havia muito sangue e dava para enxergar do outro corredor. Os estudantes se abraçavam, as professoras se abraçavam, as professoras abraçavam os estudantes. Nisso a polícia também já havia chegado, mas não os vi.
No início da tarde tínhamos discutido sobre a paralisação em decorrência do parcelamento dos salários. Votamos, divididos, em paralisar ou reduzir períodos. A equipe estava dividida. Quando chego em casa, arrasada com tudo, vejo nas mídias que o excelentíssimo inútil do governador José Ivo Sartori do PMDB comunicou que a parcela inicial do pagamento do salário será no valor de R$350,00. Na escola a biblioteca tá fechada. O laboratório de informática está fechado. A equipe de apoio está desfalcada. O refeitório não existe, está improvisado no salão de atividades da escola. Fazemos rifas pra arranjar verba pra escola. E os professores e agentes educacionais estão completamente sobrecarregados.
Não tenho dúvida de que foi acertado paralisar as aulas nos próximos dias. Quem tem dúvida disso ou não usa do serviço público, ou está com os olhos fechados para a própria vida em sociedade. A violência que a gente não vê na periferia, e que mata muitos todos dia, choca a gente quando chega perto, principalmente quando entra na escola. É um sinal. Não podemos ignorar. Não só porque precisamos reivindicar a paz na escola, mas também fora dela. Mas essa violência tem nome e sobrenome. Se chama abandono: é o abandono da escola, das politicas públicas, da segurança pública, do direito à cidade e à saúde. E atende pelo sobrenome de Governo do Estado, domiciliado no Palácio Piratini.
Esse governo está matando a escola, matando a segurança, e vai matar a juventude e os professores. Precisamos nos unir, fazer um grande movimento de denúncia, e o sindicato precisa se levantar porque está dançando na música que o Sartori toca mal e porcamente nos nossos ouvidos. É preciso responder a altura, porque estamos vendo a morte de perto todos os dias, e nada fazemos. Nossas vidas importam, nossa juventude nos importa, mas ao Sartori pouco importa, quer mesmo é fechar as portas.
Professora Geovanna Dutra da Escola Estadual de Ensino Fundamental General Edson Figueiredo em Santa Maria – RS
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