Por: Boris Vargaftig, São Paulo
Dentro de algumas semanas será publicada uma nova edição da autobiografia de Leon Trotski, intitulada “Minha Vida”, assim como uma nova editora progressista, a Usina Editorial. Este lançamento coincide com os aniversários da revolução de outubro e da morte de L. Trotski.
Neste livro, Trotski relata sua infância, sua participação quando jovem nos primórdios do movimento marxista na Rússia tsarista, sua prisão, deportação à Sibéria e fuga, o encontro com Lenin, sua vida no exílio, o papel da social-democracia alemã na condução da primeira guerra mundial e seu retorno movimentado à Rússia sublevada (assim como o retorno de Lenin). Retratos dos principais dirigentes social-democratas e bolcheviques aparecem com clareza. Seu papel dirigente ao lado de Lenin é também relatado, seguido do extraordinário esforço para defender a revolução vitoriosa contra a reação “branca” apoiada por mais de vinte potências imperialistas. Trotski fundou e dirigiu durante a guerra civil o exército vermelho vitorioso, que ao final dispunha de cinco milhões de soldados. São relatados o começo do domínio stalinista e a degeneração da revolução com a tomada do poder pela burocracia usurpadora e sanguinária, que conduziria a União Soviética à restauração capitalista.
O lançamento deste livro magnífico incluirá duas conferências, uma por Valério Arcary e a outra por Michael Löwy, no dia 30 de setembro próximo, às 15 horas, em local a ser confirmado.
O papel de Trotski na luta contra o processo de degeneração da URSS traz lições essenciais para os combatentes socialistas de hoje e é valorizado como segue pelo conhecido astrofísico e um dos maiores divulgadores da ciência do século 20, o americano Carl Sagan em “O mundo assombrado pelos demônios”:
“Pouco depois que Stálin tomou o poder, as imagens de seu rival Leon Trotski – uma figura monumental nas revoluções de 1905 e 1917 – começaram a desaparecer. Pinturas heróicas e totalmente incompatíveis, do ponto de vista histórico, de Stálin e Lênin comandando juntos a Revolução Bolchevista as substituíram, sem que Trotski, o fundador do Exército Vermelho, aparecesse em lugar algum. Essas imagens se tornaram ícones do Estado. Podiam ser vistas em todo edifício estatal, em outdoors que às vezes tinham dez andares de altura, em selos de correio.
As novas gerações cresceram acreditando que essa era a sua história. As gerações mais velhas começaram a sentir que se lembravam de algo parecido, uma espécie de síndrome política de falsa memória. Os que fizeram a conciliação entre as suas memórias reais e aquilo em que as lideranças queriam que eles acreditassem exerceram o que Orwell descreveu como pensamento duplo, ou duplipensar. Os que não se acomodaram, os velhos bolcheviques que se lembravam do papel periférico de Stalin na revolução e no papel central de Trotski, foram denunciados como traidores, burgueses não conformados, trotskistas ou trotskistas-fascistas, aprisionados, torturados, forçados a confessar a sua traição em público, e depois executados. (…) Mas é difícil manter verdades históricas potentes reprimidas para sempre.
Novos repositórios de dados são revelados. Novas gerações de historiadores, menos ideológicas, se desenvolvem. No final dos anos 80 e antes, Ann Druyan e eu contrabandeávamos rotineiramente exemplares da História da Revolução Russa de Trotski para dentro da URSS, para que nossos colegas pudessem conhecer um pouco sobre seus próprios primórdios políticos.
No quinquagésimo aniversário do assassinato de Trotski (o assassino de Stalin abrira a cabeça de Trotski com um martelo), Izvestia pôde exaltar Trotski como um grande e irrepreensível revolucionário, e uma publicação comunista alemã chegou a descrevê-lo como:
‘Alguém que lutou por todos nós que amamos a civilização humana, para quem essa civilização é a nossa nacionalidade. O seu assassino […] tentou, ao matá-lo, destruir essa civilização […] [Esse] foi o homem que tinha na cabeça o cérebro mais valioso e bem organizado que já foi esmagado por um martelo’”.
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