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Um mundo distorcido, sectário e auto-proclamatório: uma resposta a André Augusto

Foto: Principais dirigentes da FIT

Por: Renato Fernandes, de Campinas, SP

Após publicar um primeiro balanço das primárias eleitorais argentinas, fui surpreendido com uma crítica publicada no Esquerda Diário que me pareceu descabida. Descabida não pelas diferenças teóricas, programáticas e táticas que o MAIS e o Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT) têm e que são legítimas para um debate polêmico e fraterno entre as correntes de esquerda, mas pelos argumentos apresentados nesta crítica. O centro da crítica é que eu “amenizei o crescimento” da Frente de Izquierda y de los Trabajadores (FIT) e que utilizei diversos “malabarismos”, como “reconhecer que existem duas frentes” na Argentina para defender o “mantra da unidade da esquerda”.

O companheiro André Augusto cometeu três erros de tipo diferente em sua crítica. Vou tentar demonstrar cada um deles.

O texto do MRT distorce o tamanho que dou à FIT
A formação da FIT é um fenômeno progressivo da luta de classes internacional. Ela é o resultado de uma particularidade argentina: o espaço político-eleitoral à esquerda das direções tradicionais do movimento operário não foi ocupado por um partido amplo, pela centro-esquerda ou por setores neorreformistas como Podemos; esse espaço foi ocupado por organizações trotskistas e, principalmente, pelos trotskistas da FIT.

Só podemos compreender essa particularidade à luz da história: seja da corrente morenista, do velho MAS e sua explosão; seja dos quase 60 anos de construção do Partido Obrero; seja a partir da semi-insurreição urbana e popular de 2001 e das táticas de construção da esquerda trotskista. Nisso, sem dúvida alguma, o Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) tem um mérito, pois teve táticas acertadas para aproveitar esse espaço, como a conformação da FIT e o lançamento do Esquerda Diário, entre outras. Porém, não foi o único que ocupou esse lugar.

Partindo da valorização desse espaço, busquei demonstrar que houve um crescimento da votação na FIT e citei algumas votações bastante importantes da mesma, como Jujuy (12,55%), Santa Cruz (8,25%) e Neunquén (6,7%). Porém tirei uma conclusão, que até o momento, não me parece equivocada: “Apesar deste crescimento na votação, que é importante, as projeções para a FIT não são das melhores: ao contrário do anunciado no início das eleições, a projeção atual é que a FIT consiga apenas um deputado [nacional]”.

No meu texto, não fiz uma análise dos deputados e senadores regionais aos quais André fez alguns apontamentos interessantes sobre as chances da FIT. Fiz essa projeção baseado em não só em jornais como La Nación, porém em balanços da própria esquerda argentina e também na própria votação da FIT e que André Augusto não discorda: dado que é uma eleição nacional porém se elege regionalmente, nenhum dos candidatos da FIT conseguiu o suficiente para se eleger; mesmo nas melhores votações da FIT, como em Jujuy, pois lá só serão eleitos 3 deputados e os 12,55% de Alejandro Vilca não serão suficientes para isso – no caso de Mendoza, André faz uma projeção que é plausível, que é a migração dos votos da esquerda que não conseguiu passar o piso proscritivo para a candidata da FIT, Noelia Barbeito, que conseguiu 8,80% e que poderia entrar como uma das 5 deputadas eleitas pela região. Na província de Buenos Aires, faltou menos do que 0,4% para Nicolas Del Caño – local no qual, a maioria dos analistas, aposta que vai alcançar.

Essa diferença no “prognóstico eleitoral” da FIT foi suficiente para que André dissesse que estamos fazendo uma “fantasia” dos dados eleitorais. Isso é uma verdadeira distorção da minha interpretação. Penso que o contrário me parece verdadeiro: impressionados com o crescimento da votação, o MRT não analisa cientificamente os resultados eleitorais, sustentando uma projeção que existia no início da campanha que era da possibilidade de aumentar a representação nacional da FIT.  Podemos nos referir apenas ao prognóstico de eleger 2 deputados na província de Buenos Aires, que justificou a troca de domicílio de Del Caño, que foi eleito por Mendoza, e que até o momento não garantiu nem 1.

Em relação ao aumento da votação da FIT, a comparação que devemos fazer é com as eleições legislativas parciais de 2013. Era a segunda vez que a FIT se apresentava eleitoralmente e conseguiu 732925 votos – 3,22% do votantes. Comparando com as eleições atuais, de 2017, a FIT obteve, aproximadamente, 930 mil votos. Um claro e importante crescimento. No entanto, como ressalta o PO (um dos membros da FIT): houve um “um retrocesso que se manifesta nos distritos principais: [província de] Buenos Aires, Cidade de Buenos Aires, Córdoba, Santa Fé, Salta”. Esse alerta deveria servir para qualquer dirigente político na hora de avaliar as perspectivas.

Na minha opinião, o prognóstico errado no início tem como base uma análise impressionista: os partidos da FIT realmente estão conectados a importantes lutas da classe trabalhadora argentina, como está sendo a luta da Pepsico – ter terminado a campanha eleitoral junto a estes trabalhadores foi um grande acerto político. Porém, me parece, que houve um impressionismo e uma confusão entre a “raiva” e a “bronca” que os setores que são vanguarda das lutas têm do governo e dos setores peronistas com os sentimentos que têm a maioria da classe trabalhadora e das classes médias que permaneceram majoritariamente passivas no último período e acabaram não indo à esquerda.

Essa caracterização deve ser ainda mais cuidadosa no terreno eleitoral, no qual o peso das massas passivas é igual ao da vanguarda, assim como o peso da burguesia e seu capital se multiplica frente às possibilidades de disputa pelas organizações dos trabalhadores. Uma generalização da consciência da vanguarda, sem as mediações necessárias que devem ser feitas, transforma prognósticos eleitorais em derrotas e desmoralização. Não foi isso que aconteceu neste momento pela vitória eleitoral momentânea da FIT (crescimento da votação). Porém, volto a dizer, que até o momento o prognóstico de aumentar a representação nacional não passou na prática. Há que ampliar a votação em outubro!

Desprezo a existência de correntes da esquerda socialista e radical
A FIT manteve-se como principal frente eleitoral a esquerda: espaço que conquistou desde que se formou em 2011. Esse predomínio foi expresso em que 77% dos votos para as duas frentes de esquerda (FIT e Izquierda al Frente por el Socialismo – IAF) foram para FIT. O problema me parece, na afirmação de André Augusto, de que quisermos passar que as duas frentes são “igualmente importantes”. Em nenhum momento afirmei isso. Porém, ao contrário de André, não desprezo 23% dos votos na esquerda trotskista no marco de 1,15 milhões de votos. Desprezar esses votos e esse espaço me parece absurdo.

A explicação dada pelo MRT é no mínimo curiosa: a IAF foi derrotada pois “trata-se de uma frente centrista que brilha pela ausência na luta de classes, composta por organizações cuja estratégia passa longe da inserção militante no movimento dos trabalhadores” e se eles tiveram votos foi porque “a IAF buscou copiar o nome, a cor e até a cédula eleitoral da FIT. Que maneira peculiar de se apropriar de parte do prestígio da FIT!” (o que levou a FIT a entrar na justiça burguesa contra a IAF!)

Complementa essa explicação com os erros que uma das organizações da IAF, o Movimiento Socialista de los Trabajadores (MST), fez no passado: seja na crise agrária de 2008 na Argentina, seja na unidade eleitoral em 2015 com setores burocráticos e de centro-esquerda no Proyecto Sur. Erros que poderiam ser computados também nas costas de outras organizações que compõem a FIT. Se considerarmos os erros passados como critérios para formar uma frente política, poderíamos abandonar mão dessa tática – nenhuma organização passaria pela “pureza” da história. Para nós, o problema central é justamente a conformação de um programa político adequado para responder às demandas da luta de classes em determinado momento.

E nesse sentido, ao analisarmos os programas e as campanhas políticas da FIT e da IAF, não vemos nenhuma incompatibilidade de fundo. Sem dúvidas há diferenças, assim como há diferenças no interior de cada uma das frentes (o golpe parlamentar no Brasil e a crise na Venezuela são diferenças que atravessam as organizações da FIT). A única razão para estarem separadas é o sectarismo da FIT em incorporarem o Nuevo MAS e o MST no interior da frente – sectarismo que tem suas bases materiais nas próprias disputas internas no interior da FIT.

Em relação ao problema da tática de frente e como transformamos isso em um “mantra” é necessário estabelecer as devidas mediações de cada realidade nacional. Ela é uma tática e tem a ver com a situação da luta de classes e o tamanho das organizações políticas, incluindo o nosso, no país. É nesse sentido que devemos debater a tática de Frente de Esquerda Socialista sem desprezar o peso de organizações como o PSOL, o PSTU e o PCB e também de organizações não partidárias como o MRT. Além disso, insisti em ambos os textos que escrevi sobre o tema, que essa tática não pode ser somente uma frente eleitoral, mas devemos batalhar para transformar esse peso eleitoral na disputa dos movimentos sociais para acabar com a influência do peronismo na Argentina e do petismo no Brasil.

Infelizmente esse desprezo que o MRT tem com a IAF é o mesmo desprezo que outras organizações maiores no Brasil têm com o MRT. Um desprezo sectário respondido com uma auto-proclamação sectária que não ajuda na reconstrução de uma esquerda socialista e revolucionária no país.

Uma maneira sectária e auto-proclamatória de realizar o debate
O texto do MRT é recheado de adjetivos e comparações desnecessárias como essa: “É má política informar-se por gente magoada como o MES argentino, que não consegue eleger nem sequer um vereador em lugar algum”. Ou ainda a pérola final: “A Frente de Esquerda é a esquerda que cresce por estar solidamente fundada na luta de classes através da intervenção do PTS”. O texto praticamente fala por si só, ao desprezar não somente o MST, mas também a “intervenção fundada na luta de classes” de seus parceiros na FIT: o PO e a Izquierda Socialista.

Infelizmente, esse método de debate é muito comum entre as organizações revolucionárias. O peso da marginalidade política e social combinado aos métodos de construção de “direções-frações” do movimento dos trabalhadores levou a uma concepção conservadora no debate entre as organizações: supervalorização das posições conquistadas, destruição das outras organizações e não aceitação de críticas à própria organização. Como é fruto da marginalidade, esse método de debate atravessa todas as organizações da esquerda revolucionária. Me parece justamente que é este o caso no texto do MRT: o sectarismo com as outras organizações e a conclusão de que só o PTS está correto é a tônica.

Sem dúvida alguma, a experiência da FIT pode ensinar muito aos militantes da esquerda brasileira – uma das poucas frases com que tenho acordo no texto do MRT. Mas me parece que existe um abismo entre o estudo da experiência e das lições dessa unidade de como romper a marginalidade e fazer a disputa político-eleitoral por um lado e as conclusões sectárias e auto-proclamatórias que tira o MRT de outro lado.