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EDITORIAL

Não mais Charlottesvilles

Por Keeanga-Yamahtta Taylor

Publicado na segunda-feira, dia 14/08/2017, no site Jacobin

Traduzido por Edmilson de Jesus Silva Júnior

A fúria da supremacia branca em Charlottesville, Virgínia, foi o resultado previsível de agenda racista do Partido Republicano e da ascensão de Donald Trump à presidência.

A violência racista da Extrema Direita foi liberada pela eleição de Trump. Os racistas não são apenas encorajados pelo Presidente Trump, eles têm sido estimulados pelo silêncio da administração de Trump, em meio ao crescimento dramático das organizações de supremacia branca e ataques racistas violentos.

Ativista antiracista, Heather Heyer é apenas uma de uma lista crescente de pessoas de destaque que foram mortas por racistas brancos, desde a eleição de Trump. Há poucos meses, ativistas do “alt-Reich” assassinaram o estudante afrodescendente Richard W. Collins III. No início deste ano, Ricky John Best e Taliesin Myrddin Namkai Meche morreram de forma selvagem pelas mãos de um racista branco, quando intervieram para defender duas jovens mulheres negras, umas das quais era muçulmana e usava a hijab (véu na cabeça).

O assassinato de Collins não provocou reação da Casa Branca ou de Trump, como também os assassinatos cruéis de Best e Meche tiveram o mesmo efeito, com uma reação amena por parte de Trump. Os comentários suaves de Trump, em resposta a atos de terrorismo racial, são um forte contraste com o estilo bombástico e virulento que ele usa, quando está discursando para sua frenética base racista.

Quando Trump finalmente fez uma declaração pública, muitas horas após o corpo a corpo em Charlottesville ter começado, foi, intencionalmente, vago: ele alegou se opor à violência “de muitos lados.”

O comportamento de Trump é espantoso, mas dificilmente chocante. Ele tem se envolvido em um flerte obsceno com racistas violentos desde a sua campanha, em que se viu a “Ku Klux Klan”, David Duke e outros notórios supremacistas brancos o apoiando. Seu estrategista-chefe é Steve Bannon, que já havia se gabado de sua relação com o “alt-direita”. Sebastian Gorka, assistente de Trump, que estabeleceu laços com organismos fascistas na Hungria, disse, na semana passada, que “supremacistas brancos” não são um problema nos EUA.

Se Charlottesville for apenas outro episódio de violência racista, vagamente criticado pela administração Trump, poderá representar uma escalada alarmante da violência racista organizada nos EUA. Outros assassinatos praticados por supremacistas brancos ocorridos desde a posse de Trump poderiam ser descritos como atos aleatórios de violência racista. Ao passo que os eventos de Charlottesville foram planejados com antecedência.

Há vários meses, é sabido que os racistas brancos chegariam a Charlottesville para protestar contra a remoção de uma estátua de Robert E. Lee, de um parque local. Esta ralé das organizações racistas ensaiou protestos em torno da cidade universitária liberal durante vários meses, incluindo uma anterior já com as tochas tiki (de bambú). Esse novo símbolo da supremacia branca ressurgiu na sexta-feira à noite.

Organizações fascistas e seus aliados da supremacia branca falaram abertamente sobre trazer armas – incluindo armas de fogo – para Charlottesville. E eles o fizeram, aparecendo com capacetes, paus, spray de pimenta, escudos de madeira e rifles de assalto. Foi um ato de intimidação racista!

Apesar de suas alegações de que só desejam exercer a liberdade de expressão de seus direitos, os racistas brancos chegaram a Charlottesville constituindo uma multidão disposta a atacar e matar qualquer um que entrasse em seu caminho. O Southern Poverty Law Center descreveu o ato como a maior concentração de grupos de ódio nos EUA, em décadas.

Sua mobilização revelou múltiplas realidades: eles são relativamente pequenos, desproporcionalmente violentos – e completamente amparados pelas estruturas de estado que deveriam defender a Lei. Na sexta-feira à noite, a polícia permitiu que racistas, portadores de tochas, passassem próximos a uma igreja negra, cantando “vidas brancas importam” e o slogan nazista “terra e sangue”, mesmo sem uma autorização para protestar. No dia seguinte, a polícia, passivamente, viu supremacistas brancos alinhados em formação, disparando contra outros manifestantes, e batendo nas pessoas.

O contraste era evidente com o tratamento normalmente dado pela polícia aos protestos como o “Vidas Negras Importam”. A polícia permitiu que uma multidão racista, com a intenção de praticar violência física, simplesmente seguisse o seu caminho. Os supremacistas brancos nunca tiveram de lidar com tanques, gás lacrimogêneo, cães, canhões de água, motim ou agressão da polícia. Quando anti-racistas cantam “os policiais e a Klan andam de mãos dadas”, é sobre este acolhedor, quase fraterno, relacionamento, a que eles estão se referindo.

A relutância de Trump para denunciar os supremacistas brancos abertamente se deve ao apoio que deram a sua candidatura e, agora, dão a sua presidência, o que constrangeu o Partido Republicano a repreender os racistas. No domingo, não foi difícil encontrar um republicano denunciando a violência da supremacia branca – com significativa exceção do Presidente dos Estados Unidos.

O senador da Flórida, Marco Rubio, implorou a Trump que deixasse clara a sua oposição à supremacia branca. O senador de Utah, Orrin Hatch, pediu a Trump para “chamar o mal pelo seu verdadeiro nome”. O Presidente da Câmara, Paul Ryan, descreveu os ataques em Charlottesville como um exemplo de “intolerância vil.”

O Partido Republicano está chorando lágrimas de crocodilo. Este, afinal, é o partido que deu a Trump a sua plataforma. Ele tem resistido ao longo de meses a atacar o mais vil racismo defendido na História americana moderna. Durante meses, os republicanos aceitaram a fúria racista de Trump na Casa Branca. Havia, é claro, a proibição de viagem  de muçulmanos, determinada algumas horas após a posse de Trump. Eles também ficaram impassíveis enquanto ele usou o Immigration and Customs Enforcement (ICE) para incutir terror nas comunidades de imigrantes através da arma do ataque preventivo. Republicanos celebraram a Administração Trump e seu retorno à suposta “lei e ordem”- retórica liderada por Jeff Sessions – enquanto Trump, simultaneamente, incentivava a polícia a abusar de pessoas sob custódia.

Os pilares centrais da administração Trump, amplamente apoiados pelo Partido Republicano como um todo, são apenas o início. Nas últimas semanas, a administração Trump já sinalizou sua intenção de investigar se as pessoas brancas são vítimas de discriminação no Ensino Superior. Eles propuseram limitar o número de imigrantes que vêm para os Estados Unidos e que não falam Inglês. E ameaçaram  aumentar o número de incursões em comunidades de imigrantes, buscando especificamente os jovens imigrantes para a deportação, os quais haviam sido trazidos para o país quando eram crianças.

Mais do que fornecer uma plataforma para o discurso de ódio racista de Trump, o Partido Republicano impulsionou sua agenda política – uma agenda que imbuiu a direita racista com a confiança de que eles podem ter sucesso em sua campanha de aterrorizar, marginalizar, e até matar aqueles que ficam em seu caminho. Isto inclui as pessoas negras e pardas, bem como os anti-racistas brancos que os desafiem. Estamos todos sob a mira. A luta contra o racismo em Charlottesville forçou os administradores públicos a, finalmente, sair e falar contra o crescimento da supremacia branca e do neonazismo. Nós, por outro lado, continuaremos a lutar contra os racistas da extrema-direita e os deteremos, antes que matem novamente.