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EDITORIAL

Heather Heyer, presente: neonazismo assassina ativista de esquerda nos EUA

EDITORIAL 14 DE AGOSTO DE 2017

Heather Heyer foi assassinada no último sábado (12), em Charlottesville, na Virgínia, nos EUA por um ataque terrorista de neonazistas. Heather trabalhava em um escritório de advocacia, tinha 32 anos e era uma apoiadora de Bernie Sanders. Um dia antes da manifestação postou em seu perfil no facebook “Se você não está indignado, você não está prestando atenção”, um slogan que virou muito popular depois que Trump assumiu a Presidência. No momento em que foi assassinada, cantava junto aos manifestantes “Vidas Negras Importam”.

Em primeiro lugar, nossa nossa solidariedade aos amigos, familiares e camaradas de Heather. Ela não será esquecida. Deu a sua vida pela causa do igualitarismo e da luta contra o racismo. A melhor maneira de a honrarmos é manter essa luta e intensificar a batalha por um mundo livre do racismo, da xenofobia, do machismo, da LGBTfobia, da opressão e exploração. É lutar por um mundo comunista.

Entenda o caso
Na última sexta-feira (11), centenas de neonazistas participaram de uma manifestação para impedir a retirada de uma estátua do general Robert E. Lee, que comandou os Estados Confederados contra o Norte abolicionista na Guerra Civil (1861-65) norte-americana. A manifestação foi convocada sob o slogan “unir a direita”, contava com tochas, símbolos da Klu Klux Klan, e tinha vários líderes de grupos neonazistas como Richard Spencer. Entre os manifestantes havia bandeiras e palavras de ordem contra negros, judeus, hispânicos, LGBTS, manifestantes de esquerda e imigrantes.

Os movimentos sociais reagiram na hora, formando um cordão humano na estátua e convocando uma manifestação no dia seguinte. A manifestação de sábado (12) contava com milhares de pessoas que cantavam palavras de ordem contra os neonazistas e contra o racismo, até que sobreveio o atentado terrorista da extrema direita: a manifestação foi invadida por James Alex Fields Jr. com um carro, atropelando cerca de 20 pessoas, matando Heather e deixando várias outras feridas. Após este ataque terrorista, conflitos entre manifestantes de esquerda e neonazistas desataram por vários picos da cidade. A imprensa local fala de um levantamento de 46 feridos, alguns em estado grave, resultado dos confrontos.

No mesmo dia, dois policiais morreram quando monitoravam os confrontos com um helicóptero que se chocou em árvores. A imprensa não fala sobre as causas do helicóptero ter caído.

Neste domingo (13), havia novas manifestações em solidariedade com a luta antifascista em Charlottesville e em homenagem a Heather Heyer, convocadas pelas organizações de esquerda em várias capitais dos EUA. Mas os neonazistas também convocaram novas manifestações: o líder local de Charlottesville Jason Kessler acusa o governo de impedir seus direitos constitucionais de manifestação e diz que seguirão nas ruas para defender os direitos dos brancos.

A tragédia de Charlottesvile causou comoção nos EUA e em boa parte do mundo. Partidos políticos de esquerda, sindicatos, celebridades artísticas e personalidades políticas, organizações de direitos humanos e de luta contra o racismo e a xenofobia se manifestaram contra os neonazistas da Virgínia.

Entre os feridos há Bill Burke, membro da International Socialist Organization (ISO), presente através do camarada Todd Chretien no I Congresso do MAIS e também militantes do Democratic Socialist of America (DSA) e do IWW (Industrial Workers of the World). Em razão das deficiências do sistema de saúde norte-americano, há uma série de campanhas financeiras para ajudar os feridos e também a família de Heather.

A tensão racial nos EUA atinge seu auge
A eleição de Trump marcou um momento mais desfavorável para a luta dos oprimidos e explorados. Mas o histórico de racismo nos EUA é só comparável ao do Brasil, em que ambas sociedades foram fundadas sobre a escravidão negra. Foi durante o governo de Obama, primeiro presidente negro da história dos EUA,
que explodiu a luta por “Vidas Negras Importam” com o assassinato de dezenas de pessoas negras pela violência policial nos EUA. E a reação com a eleição do direitista desatou um imenso movimento de protesto que teve seu ápice na marcha nacional de mulheres contra Trump.

O movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) postou em sua página no facebook após o ocorrido que, em face do ódio da Ku Klux Klan e dos nacionalistas brancos, apoiam “as pessoas de Charlottesville que lutam contra o fascismo e o racismo” (…) “vivemos em um mundo onde os negros são alvo de morte e destruição. E em um país onde há centenas de estátuas e monumentos dedicados à confederação, não podemos nos surpreender quando momentos como esses acontecem – na verdade, Charlottesville é uma confirmação da violência que os negros precisam suportar no dia a dia”.

A hipocrisia da imprensa capitalista norte-americana
É espantoso perceber o tamanho da hipocrisia da imprensa capitalista norte-americana. O New York Times chegou a por no ar uma matéria falando que “protestos terminam com mortos e feridos em Virgínia”, minimizando a ação dos neonazistas e colocando a culpa nos protestos, que são ações e não pessoas, e estimulando por lógico as pessoas serem contra protestos.

Depois, o mesmo NYT chegou ao absurdo dizendo que um carro atropelou e matou uma ativista dos movimentos sociais, tentando limpar a responsabilidade dos neonazistas, como se o objeto “carro” não dependesse de um motorista da ultra direita. Outros veículos como a BBC chamam o assassino de Virginia de suspeito e o ataque terrorista de conflito – usando um termo em inglês “clash” que insinua algo ambíguo, de certa forma acidental, usado em acidentes de veículos, por exemplo. Após muitas críticas, ao longo do sábado a grande mídia americana foi se adaptando e mudando seus textos, mas ficou nítido qual foi o primeiro impulso, expressando uma visão muito hipócrita e reacionária.

É indignante perceber, inclusive, os dois pesos e duas medidas usados. Até o fechamento deste editorial, não tivemos conhecimento de nenhum grande jornal ou televisão ter usado expressões como “terrorismo”, “ação premeditada”, “motivos ideológicos”, como sempre usam nos casos dos ataques terroristas ligados às organizações como o autodenominado Estado Islâmico e o Talibã.

Trump está com os neonazistas
Muitos dos grupos neonazistas já existiam, mas depois da posse de Trump se sentiram mais à vontade e agora têm coragem de sair às ruas às centenas. Richard Spencer organizou uma manifestação com tochas em Washington, logo após a eleição de Trump, em que se chegou a levantar o lema “Heil, Trump”, em alusão ao “Heil, Hitler”.

Durante o sábado em que Heather Hayer foi assassinada, Trump primeiro se manifestou condenando a violência em Charlottesville e pedindo a união de todos sem criticar, ou sequer fazer menção ao ataque terrorista ou aos neonazistas. Interviu sobre uma lógica “dos dois demônios”, como se não houvesse assassino e vítima, como se não houvesse racistas neonazistas e ativistas dos movimentos sociais. Depois se manifestou veementemente em solidariedade aos policiais mortos na queda do helicóptero. E após muitas críticas, inclusive de alas da burguesia que já vêm fazendo oposição a ele, se manifesta com duas frases em sua rede social com “condolências à família da jovem mulher morta hoje em Virgínia”.

O que os trabalhadores e a esquerda devem fazer?
Apesar de os neonazistas terem assassinado um dos nossos, as mobilizações ainda são pequenas. Embora ideológicos e coesos, por enquanto são apenas centenas. Mas, aos poucos estão formando seus líderes, suas redes de relacionamento e construção, suas finanças e seus jornais. Portanto, atenção, as causas que permitem a extrema direita sair dos porões da marginalidade estão presentes e tendem a se aprofundar. Dez anos depois da crise do Lehman Brothers, que estourou a bolha de especulação imobiliária nos EUA, a crise econômica e social nos EUA está drenando uma parte da classe trabalhadora a posições radicalizadas à direita. São a queda do nível de vida da classe trabalhadora, os planos de austeridade e a crescente desigualdade de que deles advêm que potencializam a reação de extrema direita.

O Partido Democrata e seus satélites não têm saídas para isso, pois defendem e aplicam o mesmo modelo capitalista e excludente e não querem apoiar a luta nas ruas contra os fascistas. Não por acaso, o prefeito Democrata de Charlottesville, apesar de falar contra os racistas, apelou a que não houvesse manifestações contrárias.

É preciso construir uma frente única com todas organizações políticas dos movimentos dos trabalhadores, os sindicatos, os movimentos de mulheres, negros, hispânicos e demais imigrantes, os grupos estudantis de esquerda, entre outros, para derrotar a extrema direita em todo o país. Essa frente única não deve confiar ao Estado a luta contra o neonazismo, o que não significa que não deva denunciar as instituições por serem omissas na luta contra os neonazistas e a extrema direita.

A polícia norte-americana, com a cumplicidade do Poder Judiciário, é uma instituição racista que assassina centenas de negros nos EUA e Trump representa justamente o crescimento de setores radicais de direita. Nem a polícia, nem o Poder Judiciário e muito menos Trump, são aliados para enfrentar a ultra-direita. Só a classe trabalhadora e os movimentos sociais dos oprimidos e de esquerda podem caber nessa frente única.

As lições históricas pelo mundo e nos próprios Estados Unidos nas imensas lutas pelos Direitos Civis apontam a necessidade da mais ampla unidade e mobilização nas ruas para enfrentar os fascistas e racistas. Só a força social dos de baixo, dos explorados e oprimidos poderá impedir que cresçam. E a luta recém começou.

E como o caráter da luta contra os neonazistas nos EUA se tornou rapidamente um conflito físico, é preciso criar, desde já, grupos de autodefesa nos sindicatos, nas organizações de esquerda e no conjunto dos movimentos sociais. É preciso ter muito evidente a necessidade de agir em legítima defesa com toda força e meios necessários.

Para ganhar peso e credibilidade, este movimento amplo e multirracial baseado nos trabalhadores e oprimidos precisa apresentar uma alternativa política à crescente desigualdade social, aos planos de austeridade e ao desespero que causam e que alimentam o crescimento da direita radical. Movimento esse que deve apontar para a luta contra os verdadeiros inimigos que enfrentam os trabalhadores e o povo: o grande capital, as instituições e os partidos políticos a seu serviço.