Por: Ana Lucia Marchiori*, de São Paulo, SP
Hoje, 11 de agosto, se comemora o dia da advogada e advogado. Para os defensores de direitos humanos, nada a comemorar. Em 2014, fui incumbida de apresentar junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos as violação e criminalização de advogadas e advogados do Estado de São Paulo. Com a expansão da criminalização dos movimentos sociais também cresceu a criminalização de suas assessorias jurídicas.
A conjugação de 388 anos de escravidão com quase 125 anos de uma República transpassada pelo militarismo e por uma ditadura sanguinária que durou 25 anos, está no cerne da construção do sistema penal brasileiro, cuja seletividade é determinada, substancialmente, pelos recortes de classe e de raça.
Nesse percurso histórico são inúmeros os massacres contra todas as tentativas do povo oprimido de se organizar e lutar por justiça social. Palmares, Canudos, Contestado, Resistência à Ditadura empresarial-militar de 1964/85, Corumbiara e Eldorado dos Carajás são conhecidos exemplos.
Ao processo de criminalização das lutas por justiça social nem mesmo profissionais supostamente protegidos pela lei escapam. No limite, a criminalização perpetrada contra quem se organiza para enfrentar a injustiça social acaba por atingir, inclusive, advogadas e advogados populares que atuam na defesa de militantes arbitrariamente presos e perseguidos.
Ao avanço das lutas contra as opressões corresponde a escalada do autoritarismo e a suspensão extrajudicial de um número cada vez maior de garantias constitucionais, inclusas aquelas afetas ao exercício da advocacia. Não se trata, propriamente, de perseguição direcionada a determinada classe profissional, mas mais propriamente da expansão da criminalização a advogadas e advogados apoiadores das lutas sociais para o fim de desestabilizá-las e, por fim, debelá-las.
Tal criminalização de advogadas e advogados apoiadores das lutas sociais é, de um lado, parte do processo de criminalização das próprias lutas sociais e, de outro lado, forte sintoma de que, na defesa dos interesses das classes dominantes, o Estado de Direito deixa descortinar a ilusão da legalidade e expõe o seu caráter de contendor das classes populares.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH tem recebido de forma ininterrupta informação preocupante, corroborando que as defensoras e os defensores nas Américas são sistematicamente submetidos a processos penais sem fundamentação em distintos contextos, a fim de paralisar ou deslegitimar as causas por eles defendidas. Esta situação é extremamente preocupante para a CIDH, visto que a utilização indevida do sistema penal do Estado contra defensoras e defensores de direitos humanos não apenas interfere em seu trabalho de defesa e promoção dos direitos humanos, senão que também afeta o protagonismo que eles têm na consolidação da democracia e do estado de direito.
A CIDH entendeu que a criminalização das defensoras e defensores de direitos humanos mediante a utilização indevida do direito penal consiste na manipulação do poder punitivo do Estado por parte de atores estatais e não estatais, a fim de obstaculizar seu trabalho de defesa e assim impedir o exercício legítimo de seu direito de defender os direitos humanos.
Cabe ressaltar que a CIDH também notou que há determinados grupos de defensores e defensoras que se encontram sujeitos com maior frequência a este tipo de obstáculos, pelas causas que defendem ou pelo conteúdo de suas reivindicações, como acontece em casos de defesa do direito à terra e ao meio-ambiente por líderes camponeses, indígenas e afrodescendentes, de defesa dos direitos trabalhistas por líderes sindicais, e de defesa dos direitos das pessoas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, e Transexuais).
Além disso, a Comissão toma nota de que a manipulação do poder punitivo pode ocorrer quando os órgãos judiciais adotam medidas cautelares sem assegurar devidamente a presença do defensor ou defensora acusados no processo, a fim de limitar seu trabalho de defesa. Também foram denunciados casos de detenções arbitrárias contra defensores e defensoras com o mesmo objetivo de restringir seu trabalho e dissuadi-los de continuar promovendo suas causas.
Por fim, a CIDH elabora uma série de recomendações aos Estados para que evitem e respondam à utilização indevida do direito penal contra defensoras e defensores. Dentre tais recomendações, a CIDH solicita que os Estados reconheçam a importância do trabalho das defensoras e defensores de direitos humanos nas sociedades democráticas. Além disso, faz um chamado importante aos Estados para que reformem suas leis e políticas, para que seu conteúdo reflita o princípio de legalidade, e sua generalidade e dispositivos não sejam utilizados para criminalizar o trabalho de defesa dos direitos humanos. Os Estados também têm a obrigação de adotar medidas razoáveis para assegurar que os funcionários públicos atuem de acordo com o princípio de legalidade e apliquem o direito de forma condizente com os princípios internacionais de direitos humanos.
A conjuntura atual em que vive o Brasil, os conflitos sociais estão mais evidentes, a luta no campo e nas cidades tem sido palco de mais repressão e de assassinatos, as defensoras e defensores que lutam junto com os trabalhadores, o povo pobre, preto das periferias, com a mulheres e LGTS, também são alvos da repressão e assassinatos.
Por isso, neste dia 11 de agosto, em que se comemora o dia da advogada e do advogado, nossos sinceros parabéns para aquelas e aqueles defensores que lutam.
*Ana Lucia Marchiori é advogada e Diretora Executiva do Sindicato dos Advogados de São Paulo e de Presos e Perseguidos Políticos da Ditadura Militar no Brasil.
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