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OPINIÃO | Com a rebelião na Venezuela, com a ditadura na Turquia

Por: Miguel Alvarez-Peralta, da Espanha
Tradução: Edmilson de Jesus Silva Júnior, para o Esquerda Online

Maravilha-me comprovar a solidariedade militante de nossa Direita e de alguns jornais tradicionais quando se trata da Venezuela. De uns tempo pra cá, estes se converteram em incansáveis ativistas dos Direitos Humanos, solidários com a luta dos manifestantes da oposição caraquenha. Oxalá, estendam essa sensibilidade a outros territórios. Surpreende ver nossos conservadores, supervenientes revolucionários, apoiando um movimento cívico-militar armado que conta com barricadas nas avenidas e bombardeia as instituições com helicópteros.

Entretanto, deixemos Caracas e vamos a Estambul. Na Segunda-feira, dia 24 de julho, começou o julgamento político de 18 jornalistas, cartunistas, advogados e editores do jornal Cumhuriyet, crítico  ao Regime (perdão, Governo) de Erdogan. Alguns estão presos há quase um ano. As acusações podem lhes custar entre 7 (sete) e 43 (quarenta e três) anos de prisão. Seu editor chefe, Can Dündar, ganhador do Prêmio Internacional a de Liberdade de Imprensa de 2016, foi sentenciado, em maio, a seis anos de prisão por “revelar segredos de Estado” em suas reportagens sobre a Síria. Hoje, eles são acusados de apoiar grupos terroristas curdos (os mesmos grupos que o Ocidente considera heróis, quando enfrentam o Estado Islâmico no Curdistão iraquiano, por sinal). A imprensa livre internacional denuncia que esta é uma desculpa: sendo uma reação dentro da onda de repressão desencadeada após a falida tentativa de golpe de Estado ocorrida na Turquia, apenas um ano atrás.

Desde então, de acordo com o Index of Censorship, mais de 2.000 (duas mil) Escolas, Residências Universitárias e Universidades foram fechadas na Turquia e 8.000 (oito mil) professores universitários demitidos. Alguns deles passaram mais de três meses em greve de fome. Idil Eser, Diretor da Anistia Internacional na Turquia, foi preso na semana passada, também acusado de colabor com grupos terroristas. Há ainda Mandado de Prisão contra Enes Kanter, jogador turco da NBA (liga de basquetebol profissional norteamericana), também é acusado de filiação terrorista. A lista de Erdogan não termina aí, sua caça às bruxas quebra todos os recordes.

Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, um terço dos jornalistas presos do mundo estão na Turquia (mais de 200). Foram fechados, por decreto, pelo menos, 168 meios de comunicação. O jornal digital Sendika pediu para entrar no Guinness, depois de ver o seu servidor de internet bloqueado (e liberado) 55 vezes. Enquanto escrevo estas linhas, o seu endereço já é Sendika56.org. O presidente Erdogan também bloqueou o acesso à Wikipedia. A jornalista espanhola Beatriz Yubero, colaboradora do jornal La Razón, foi presa em sua casa em Ankhara, também acusada de terrorismo, detida por 36 horas e deportada para a Espanha. Beatriz esclareceu que não foi expulsa por públicar críticas, “pois é ilegal criticar o governo Erdogan e a República”. As penalidades por difamar Erdogan, efetivamente, são cerca de 3.100 euros.

Em outubro de 2016, o governo turco já havia cancelado 775 (setecentas e setenta e cinco)  credenciais de imprensa, de acordo com a Federação de Jornalistas Europeus, e 226 (duzentos e vinte e seis) jornalistas enfrentam a possibilidade de serem condenados a penas de prisão perpétua. O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) adverte que as alegações de tortura policial a jornalistas não são investigadas e cinco já foram mortos, no exercício da profissão, nos últimos dois anos. Ao todo, mais de 50.000 (cinquenta mil) pessoas foram presas, no último ano, na Turquia, e 150.000 (cento e cinquenta mil) funcionários públicos perderam seus empregos, em uma purga política maciça. Neste panorama dantesco, devem ser adicionados os campos de refugiados, onde a Turquia mantém centenas de milhares de refugiados na fronteira com a Síria.

Vendo este inferno, cabe a pergunta: O que é que os nossos revolucionários liberais acham desses números assustadores? A Venezuela está em outro continente, a mais de 7.000 quilômetros, a Turquia, menos da metade desta distância. Seu processo de adesão à União Europeia não foi suspenso, apesar do flerte de Erdogan com a pena de morte, é nosso parceiro na OTAN e retém um número maciço de refugiados que deveríamos estar acolhendo. Por que somos o país do mundo mais bem “informado” sobre a Venezuela, contudo, raramente, nossos Portais de Notícia falam sobre a Turquia? Convidarão também cidadãos de oposição turcos para falar no nosso Parlamento?

Tanto Rajoy, como Albert Rivera, por exemplo, frequentemente publicam tuítes sobre atualidade venezuelana. Da Turquia, também se pronunciaram. Foi durante a tentativa de golpe de Estado, para expressar apoio ao governo de Erdogan, que Rajoy o qualificou de “aliado e amigo“. Contudo, depois, durante a repressão em massa promovida pelo governo turco, o número de vezes que os dois, Albert Rivera e Rajoy, tuitaram a palavra “Turquia”, em 2017, foi zero. O Diário Oficial das sessões parlamentares na Espanha recebeu 6 (seis) propostas não legislativas e perguntas orais do PP e cidadãos, nesta legislatura, sobre a Venezuela. Nem uma sobre a Turquia. A Venezuela é uma cortina de fumaça? Será que eles realmente se preocupam com a defesa da liberdade e dos Direitos Humanos? Ou apenas quando eles acreditam que o caso pode lhes trazer benefícios na política nacional?

Texto originalmente Publicado no infolibre.es, sob o título “Con la rebelión en Venezuela, con la dictadura en Turquía”, por Miguel Álvarez-Peralta, em 30/07/2017.

Autor: _miguelalvarezperalta3_7a0a3dbd*Miguel Alvarez-Peralta é professor de Comunicação Política e Estrutura do Sistema Midiático da Faculdade de Jornalismo UCLM. Doutor em Comunicação de Massas (UCM), trabalhou como responsável pela divulgação científica na UNED e pesquisador visitante na Universidade de Harvard. Como um ativista para o Direito à Informação, colaborou na criação de diversos meios de comunicação e foi Coordenador de Políticas de mídia no Podemos, durante sua primeira legislatura e membro de sua Secretaria Política.

*Este artigo reflete a opinião do autor e, não necessariamente, a linha editorial do Esquerda Online