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EDITORIAL

Conflito cocaleiro na Bolívia: corte de estradas, confrontos e um morto

Por: Joana Benario, de São Paulo, SP

Em março deste ano, o presidente Evo Morales promulgou a lei da Coca, que estabelece um novo limite de 22 mil hectares de cultivos de coca no país (14.300 para La Paz e 7.700 para Cochabamba). Anteriormente, apenas 12 mil hectares de culturas foram reconhecidos como legal. Atualmente, a Federação dos seis sindicatos do Chapare, próxima ao presidente Morales, que ainda é reconhecido como seu líder, negocia com o governo as regulamentações desta lei.

A partir de 17 de julho, produtores de coca de cinco comunidades da região do Trópico que não foram consideradas bloquearam a estrada principal entre Cochabamba e Santa Cruz. Eles exigem do governo serem incluídos nos regulamentos da Lei Geral da Coca, legalizando 700 hectares.

A polícia recebeu ordem de esvaziar a estrada, com gás e balas. Após quatro horas de choques, o resultado foi um morto por bala em Colomi. Ele era um jovem da comunidade, mecânico de 27 anos de idade, que não participou das manifestações e foi encontrado após o confronto. O corpo foi escondido pela polícia. “A polícia o deixou de lado, coberto com uma calamina e não deu socorro”, disse seu irmão. Esta morte causou mais ira dos moradores, que voltaram a bloquear a estrada e as duas rotas que ligam Cochabamba com o Oriente estão cortadas.

Na sexta-feira, 20 de julho, o ministro de Desenvolvimento Rural e Terras, Cesar Cocarico, anunciou que dá por fechada a negociação com as comunidades afetadas. Em resposta, a federação de camponeses das 16 províncias de Cochabamba anuncia ampliar bloqueios das principais estradas de Cochabamba para outros estados.

O problema é mais grave do que parece. A coca sempre foi uma questão sensível na Bolívia e os plantadores foram a vanguarda que trouxe Evo ao poder. Nos últimos anos, o cultivo de coca está muito estendido também em outras áreas, como parques naturais e nos estados de Beni e Santa Cruz. Estima-se que só uma parte pequena da produção legal (6.000 has) serve para o consumo tradicional (“acullicu”) na Bolívia; o resto vai para o narcotráfico. A monocultura da coca na região de Yungas impede o surgimento de novas culturas, como frutas, café, cereais, entre outras, trazendo, inclusive, problemas de dependência alimentar e destruição ambiental.

Em Cochabamba e outras capitais de estado, se pode ver o boom da construção, além das empresas de consumo de luxo, devido ao dinheiro do narcotráfico. A legalização da coca abre mais diretamente a luta pelo controle do mercado fabuloso da coca ilegal destinada ao tráfico de drogas. Todo mundo quer sua fatia do bolo. O principal setor de base social do presidente racha.

Aumento alarmante de cultivos de coca
O recente relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) reforça esta análise do conflito em curso. Na quarta-feira, 19 de julho, foi publicado um relatório sobre cultivos de folhas de coca na Bolívia e em suas partes principais menciona que “entre 2015 e 2016, a área cultivada aumentou de 20.200 hectares para 23.100 hectares”, o que significa um aumento de 14 % dos cultivos de folha de coca em um ano, já ultrapassando o limite da nova lei.

Este aumento é ainda mais grave por ser registrado após cinco anos de redução. O ano de pico foi 2010, quando atingiu 31.000 hectares. De 2010 a 2015, as culturas estavam em declínio. Usando imagens de satélite e trabalho de campo, realizado em conjunto entre o governo e a agência UNODC, foi demonstrado que o aumento na área plantada de coca foi gravado nas três principais regiões de produção. Em um ano (2016) a produção aumentou 12% nos Yungas de La Paz (de 14.000 para 15.700 hectares); no trópico de Cochabamba, 20% (de 6.000 a 7.200 hectares) e nas províncias do norte de La Paz o aumento foi de 60% (150 a 240 hectares).

Paralelamente, a política de erradicação de cultivos de coca excedente – imposta e financiada pelos Estados Unidos para destruir cultivos ilícitos, uma tarefa levada a cabo pelas forças especiais conjuntas – sofreu uma redução de 40% a partir de 11.020 hectares erradicados em 2015 para apenas 6.577 hectares, em 2016.

Comentando o relatório, o presidente Evo Morales minimizou a questão. Afirmou que o aumento em outros países, como Colômbia, foi maior e enfatizou em relação às culturas excedentes: “vamos reduzir a qualquer momento com a participação dos movimentos sociais”.

No entanto, este desejo não parece tão fácil de ser cumprido. Os produtores de coca das comunidades de Cocapata, Tiraque, Pojo e Pocona e Colomi, que completaram seu terceiro dia de bloqueio, não entendem assim. Eles querem participar do festim! Eles querem cultivar legalmente a “folha sagrada”, bem cotada no mercado ilegal de drogas, hoje o negócio mais rentável na Bolívia, em pleno crescimento.

A maioria dos benefícios deste negócio está perdido no exterior do país, controlada por redes de narcotráfico. A solução não é expandir as áreas de cultivo de coca e deixar prosperar o negócio ilegal de droga em mãos privadas de traficantes. Deve-se regular a produção e comercialização de folha de coca a partir do Estado, com uma verdadeira política nacional soberana sobre o conjunto da cadeia produtiva da coca, como a produção, usos, comercialização, industrialização e produtos alternativos, o que não fez o governo de Evo em 11 anos no poder. Dessa forma, o lucro poderá ser redistribuído socialmente e servir para atender necessidades coletivas e urgentes da maioria pobre, como serviços de saúde pública, de qualidade e gratuita, em todo o país.