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Venezuela: ofensiva contrarrevolucionária e aumento da crise econômica e social

Imagem: Chavista Orlando Figuera (21) foi queimado vivo pelos oposicionistas em 20 de maio de 2017. Foto: El Nacional

Alargar Constituinte para expropriar capital e monopólios privados

Por: Camilo Cavalcante, de São Paulo, SP

Guerras, crises e revoluções são as principais marcas na época histórica imperialista inaugurada desde o Século XX. Revolução ou contrarrevolução é a principal disjuntiva social e política que caminha lado a lado como solução ante as recorrentes crises às quais o capitalismo submete a humanidade.

Na Venezuela contemporânea, a disjuntiva revolução e contrarrevolução se evidencia de forma mais cabal e encarniçada a cada dia, em cada enfrentamento de rua, cujo desfecho poderá afetar profundamente o conjunto dos movimentos de trabalhadores e da esquerda latino-americana. Mais do que qualquer derrota eleitoral, ou revés golpista, como ocorreu em Honduras, Paraguai ou Brasil, cabe ao movimento socialista latino-americano entender as gigantescas e reais forças sociais em luta e escolher de que lado da barricada se encontrará nas batalhas, pois os próximos capítulos serão decisivos para o Continente.

O regime democrático burguês bolivariano rompeu-se novamente com a atual crise. As instituições formais do Estado já não conseguem mediar as acirradas disputas entre o governo e oposição. De um lado, está o governo, apoiado na cúpula da burocracia do PSUV, a burguesia bolivariana, que emergiu com o chavismo e dos setores majoritários das forças armadas. De outro, a direita reacionária, neoliberal e golpista liderada pela Mesa da Unidade Democrática (MUD), apoiada pelo imperialismo norte-americano e um setor da burguesia nacional que controla a maioria do unicameral Congresso Venezuelano junto com a grande mídia empresarial.

Os antecedentes
Em 27 de fevereiro de 1989, se inicia uma etapa revolucionária naquele país que depois de três décadas de um pacto político de unidade nacional – assentado no crescimento da economia petroleira – entre os principais partidos (Ação Democrática/esquerda reformista e COPEI/direita), a capital Caracas é arrebentada com uma gigantesca revolta popular de saques e protestos, seguida de uma repressão sangrenta com cerca de duas mil mortes, em oposição a um pacote de aumento de preços contra o então social-democrata e Presidente Carlos Andrez Pérez, que ficou conhecida como “Caracazo”.

Ante o massacre do Caracaço e lastreado pela insatisfação popular de uma nação que já amargava 85% de pobreza, surge uma figura que se projetou no cenário nacional e internacional: o Coronel Hugo Chávez. Isto se dá após uma tentativa fracassada de Golpe Militar, em 1992, apoiado pela média oficialidade que já havia conformado o Movimento Bolivariano Revolucionário 200-MBR 200 (“200” em homenagem ao bicentenário do nascimento de Simon Bolívar).

Hugo Chávez, depois de conformar o Movimento V República-MVR, agora incluindo setores civis de esquerda, ganha as eleições presidenciais em 1998, sendo reeleito para um segundo mandato (2001-2007) nas eleições ocorridas após a Constituinte de 1999. Por fim, é reeleito para um terceiro mandato (2007-2013).

O regime chavista adotou políticas sociais e de transferência de renda que diminuíram os indicadores de pobreza e melhorou o IDH do país. No plano externo, Chávez não rompeu com o imperialismo americano e suas instituições globais, mas adotou um forte discurso contra a ALCA (projeto de livre comércio para as Américas impulsionado pelo EUA), criando a Aliança Bolivariana para as Américas, a ALBA, que além da Venezuela envolvia a Bolívia, Equador, Cuba, Nicarágua, Antigua e Barbuda, São Vicente, Granadinas. Além disso, estabeleceu acordos bilaterais com Rússia e Irã, e algumas críticas a Israel.

Durante os 14 anos de governo chavista, a Oposição de Direita, antecessora do atual MUD, tentou duas vezes derrubar o governo por vias golpistas. A primeira foi através do Golpe Militar-Midiático apoiado pelo governo dos EUA, em 12 de abril de 2002. Após três dias de combates nas ruas, o golpe foi derrotado pelos movimentos sociais e pela média e baixa oficialidade e soldados. Armou-se um levante popular que trouxe de volta o Presidente ao Palácio de Miraflores que até o momento encontrava-se preso numa ilha. A segunda foi no mesmo ano, em outubro de 2002, a partir de um locaute petroleiro comandado pela cúpula da Petroleira PDVSA que paralisou o país por nove semanas, mas foi igualmente derrotado.

Pelas vias institucionais, ou seja, as eleições de 1998, 2000, 2006 e o referendo de 2002, todas as tentativas da oposição de direita de derrotar o chavismo também não lograram êxito. Entretanto, diante de uma forte crise econômica provocada pela queda do preço do petróleo e pelo cerco imperialista e de seus sócios latino-americanos, somado à morte de Chaves em março de 2013, a crise política na Venezuela começa novamente a recrudescer. Nicolás Maduro, sucessor de Chaves, candidato pelo Partido Socialista Unificado da Venezuela-PSUV, é eleito em abril de 2013 por uma pequena margem de 1,6% dos votos. Desde então, uma nova polarização social e política cada vez mais crítica, que tem como pano de fundo um aprofundamento da crise econômica, atravessa a Venezuela.

Nova contra-ofensiva golpista
A mais recente crise do regime tem origem nas determinantes econômicas externas. Existe uma crise provocada pelo endividamento do Estado e da economia nacional que, por sua vez, têm como lastro e dinâmica a queda da renda petroleira, pois, apesar do pouco investimento do Estado e mesmo do setor privado, houve um aumento em cinco vezes desta fonte rentista, entre 1998 e 2005.

Por outro, ocorreu a queda do preço do barril de petróleo no mercado global. Após a crise de 2008 ele cai vertiginosamente passando de U$ 130,00 para U$ 40,00. O petróleo chega a 30% do PIB venezuelano e 50% de toda a arrecadação federal de impostos, respondendo por 90% das exportações do país, das quais 44% são destinadas ao EUA. Isso significou uma queda de mais de 30% da principal fonte de arrecadação tributária.

Neste quadro, todas as margens de repartição da renda nacional, a exemplo das políticas sociais, foram bloqueadas pelo declínio do preço da commoditie. Durante todo este período, o regime chavista não foi capaz de traçar um plano para substituição de importações dos bens de consumo, muito menos para diversificar de forma qualitativa a base econômica industrial nacional. O parque industrial, por exemplo, caiu de 14 mil para apenas 7 mil estabelecimentos e produz somente com 45% de sua capacidade instalada. Apesar de ter havido a expropriação de quatro milhões de hectares de terra, não houve aumento significativo da produção alimentar, causa maior da atual situação de desabastecimento alimentar.

A crise econômica galopante, as novas limitações do Estado rentista, a desvalorização da moeda nacional e altas taxas de inflação, significaram o colapso material do sucesso dos anos chavistas. Desapareceram as margens de manobra de um populismo de esquerda que não expropriou os grandes monopólios e fez emergir uma nova burguesia endógena beneficiada pelo Estado.

É verdade que a partir de um Estado rentista o chavismo distribuiu uma parte da riqueza nacional para as populações mais pobres, diminuindo o desemprego. Além disso, realizou acordos de cooperação internacionais favorecendo os seus aliados bolivarianos. Exemplo disso são os acordos do Petrocaribe, que fornecia petróleo a países da América Central e Caribe em condições preferenciais vantajosas. Também patrocinou o financiamento de programas sociais em países da ALBA. A partir dos acordos com Cuba chegou a entregar 100 mil barris diários de petróleo em troca de professores, médicos, técnicos e treinadores cubanos.

Entretanto, a partir do aumento da crise econômica e da efervescência social, as placas tectônicas começaram novamente a se mover na superestrutura política. O governo Maduro perdeu de forma avassaladora as eleições parlamentares de dezembro de 2015. A MUD ganhou em 17 de 24 estados e fez 112 das 167 cadeiras contra o PSUV, ganhando inclusive em bastiões chavistas como no Estado de Barinas, terra natal de Chávez e na Favela 23 de Janeiro, em Caracas. Alegando fraude e compra de voto de três deputados oposicionistas, que daria maioria qualificada de 2/3 à oposição, o governo impugnou sua posse na Justiça.

Ao perder conjunturalmente o apoio da maioria da população, o ano de 2016 passou a ser decisivo para a contra-ofensiva reacionária. Teve a seu favor algumas medidas adotadas pelo próprio Maduro. Para enfrentar a MUD e uma crise econômica que, em 2015, atingiu o patamar de 150% de inflação em 2015 e queda do PIB em 10%, ao invés de enfrentar o capital, o governo se apoiou cada vez mais na superestrutura coercitiva e repressiva do Estado, como é o caso do Tribunal Superior de Justiça-TSJ, o Conselho de Defesa e a cúpula das Forças Armadas.

Em 2017, a oposição burguesa e o imperialismo partiram para uma nova ofensiva, desta vez, com apoio social renovado. Isso se refletiu na derrota eleitoral de Maduro e das principais lideranças chavistas em seus Estados. Galopando nesse resultado, a oposição se jogou pelo plebiscito revogatório contra o governo. Sem sucesso legal pelas vias dos tribunais, a MUD aumentou a carga dos ataques exigindo a antecipação das eleições aproveitando-se do erro de Maduro ao tentar tirar o poder legislativo da Assembleia Nacional transferindo-o ao Tribunal. No episódio, a Procuradora Geral chavista, Luísa Ortega, rompe com o governo e se torna uma das principais vozes contra o Maduro.

Frente a isso, Maduro reage convocando durante as comemorações do 1º de maio as eleições para uma nova Assembleia Constituinte a serem realizadas em 30 de julho. A MUD, em resposta, intensificou os confrontos organizando novas manifestações com bloqueios de rua utilizando barricadas (“guarimbas”). A repressão recrudesceu abrindo-se um quadro com indícios de guerra civil. Governistas são queimados vivos pelos guaribeiros e as forças repressivas usam armas letais, apoiadas pelos Coletivos (milícias chavistas). O resultado é mais de 100 mortos entre oposicionistas e governistas. Segundo a agência Reuters, há notícias de pelo menos 123 soldados – incluindo oficiais de alta e baixa oficialidade – detidos por deserção, rebelião ou insubordinação, a exemplo do ataque aéreo divulgado pela grande imprensa do inspetor de polícia, desde um helicóptero. Comparando Maduro ao presidente Sírio Bashar Assad, a embaixadora dos EUA para as nações Unidas pede a saída da Venezuela do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Procurando deslegitimar as eleições para a constituinte, a MUD convocou um plebiscito para 16 de julho que rejeitou as eleições constituintes exigindo antecipação das eleições para presidente. Segundo a MUD, teve 7,2 milhões de votantes, apesar de evidências de fraudes com eleitores votando até mais de dez vezes. Não se pôde confirmar as denúncias porque o mapa eleitoral foi queimado em ato comemorativo do resultado. Neste mesmo dia 16, o governo organizou uma prévia da Constituinte que, segundo o governo, também participaram, coincidentemente, em torno de 7 milhões de eleitores.

O governo manteve as eleições constituintes. ONU, OEA, EUA e a União Européia declaram que colocarão em marcha um boicote econômico à Venezuela caso sejam mantidas as eleições para Constituinte. A MUD convocou uma paralisação cívica para o dia 20 de julho, nesta quinta, apoiada pela patronal. A paralisação foi parcial, sendo mais forte em regiões mais influenciadas pela oposição, como na zona leste de Caracas. A repressão às manifestações provocou a morte de mais dois manifestantes.

Os desafios da esquerda socialista
Na Venezuela, observa-se mais uma vez que os processos políticos não são “puros”. Nem sempre as direções e organizações marxistas revolucionárias se encontram na direção das lutas e processos revolucionários. Assim, infelizmente, os processos revolucionários podem trazer consigo o germe da destruição e retrocesso. Essa situação, entretanto, não se reverte de forma doutrinária, mas com uma política que permita a intervenção nas ruas e enfrentamentos reais e concretos visando superar essa contradição.

Tal lei observou-se desde a Revolução Francesa de 1789, passando pela experiência bolchevique de 1917: ou a revolução avança até sua dinâmica de transição social e econômica ou retrocede pelas mãos da reação. Novamente, em analogia com a revolução russa, ou derrotamos o “Golpe de Kornilov” ou as possibilidades de avanços estarão totalmente bloqueadas. Essa é a situação concreta que vive a Venezuela.

Ainda que de outra forma, o postulado experimentado com o golpe parlamentar do impeachment no Brasil, volta a desafiar de forma mais evidente as organizações militantes de todo o continente. Maduro não pode ser derrotado pela MUD, sob pena de um retrocesso histórico. Nesta hipótese, a derrota dos trabalhadores, a subordinação do país ao imperialismo, o desmantelamento dos movimentos sociais e das organizações militantes assumirão uma grande proporção. Sem dúvida, o neocolonialismo avançará em todo o Continente.

Defender o “Fora Maduro” como faz algumas organizações de esquerda é ainda mais grave que defender o “Fora Dilma” às vésperas do impeachment no Brasil. É, na prática, estar ao lado da contrarrevolução. Gostemos ou não, neste momento isso significa marchar ao lado de Capriles, da MUD e da reação. A democracia não tem um valor universal, mas sim um caráter de classe. Ao não levar isso em conta, há setores da esquerda que apoiam o boicote às eleições constituintes, inclusive participando do plebiscito oposicionista de domingo passado.

Tampouco, cabe se abster. A Assembleia Nacional continua com sua marcha golpista. Ao desconhecer as eleições para a Constituinte ela está a construir outro poder paralelo. Já elegeu os 33 novos juízes para instituir de fato um governo e um poder judiciário paralelos para substituir as funções constitucionais do TSJ e da Presidência. Assim, a posição de não participar do plebiscito oposicionista e também das eleições constituintes só cabe no papel. Ela tangencia a realidade política concreta. É verdade que o processo para as eleições constituintes é burocrático. O fato de depois de terem se inscritos 55 mil candidatos só serem reconhecidos apenas 6.200 é expressão disso. Mas, também é expressão de que existe uma enorme fermentação política na base social do chavismo. Lembremos que tampouco as eleições para a Duma na Rússia – para não falar de qualquer regime burguês-, na qual participaram os bolcheviques, eram democráticas.

A estratégia dos revolucionários é superar o governo chavista pelas forças sociais da revolução e não o caso contrário. Para isso, é necessário que, no marco do enfrentamento com a direita e o imperialismo, se desenvolva na base social do chavismo a ideia de que isso ocorrerá caso se derrote o capital. Devem ser os mais consequentes no enfrentamento com a oposição. É necessário voltar-se aos milhares e milhares de militantes, operários, camponeses, soldados e suboficiais, dirigentes sindicais e jovens que compõem a base social da chamada revolução bolivariana. Somente apoiando-se neste setor social se poderá avançar e ultrapassar os limites impostos pela estratégia de conciliação de classes da cúpula do governo, das forças armadas e do poder judiciário.

Pese os discursos ao contrário, o caráter conciliador do governo pôde ser visto ao largo de todo o processo. Apesar da enorme crise econômica e da fome que assola o país, ainda mantém o pagamento em dia da criminosa dívida aos credores externos; se segue entregando as riquezas naturais às transnacionais como é o caso do “Arco Mineiro do Orenoco”. Ao mesmo tempo não se expropriam as empresas, a começar pelas que sustentam o setor golpista. Ao invés de prender toda a cúpula golpista, se libertam da prisão personagens sinistros da oposição, como ocorreu no último dia 8 de julho, com Leopoldo López. Sabendo disso, o imperialismo pressiona para um acordo sob a base da convocação de eleições para presidente. Este é o  sentido da Resolução da Cúpula do Mercosul aprovada em 21 de Julho, apoiada pelos governos neoliberais do Brasil e Argentina. Na ocasião, Temer discursou constatando a “ruptura da ordem democrática” na Venezuela.

Aos movimentos socialistas e aos trabalhadores organizados caberá enfrentar os golpistas da MUD, em todos os terrenos. Por outro lado, cabe disputar um programa alternativo ao do governo e do PSUV tanto nas lutas, nas organizações do movimento e na própria Assembleia Constituinte. Neste sentido, seria decisivo que os socialistas revolucionários tivessem ao menos um parlamentar, que apoiado nos movimentos sociais defendesse um programa anticapitalista, de ruptura com o capital, de forma a colocar a economia do país inteiramente a serviço dos trabalhadores e do povo explorado. Só assim, se poderão realizar medidas concretas contra a crise e o desabastecimento, a exemplo da nacionalização das redes de supermercados e farmácias, fornecedores de alimentos e remédios; a suspensão do pagamento da dívida externa com auditoria; além do controle da PDVSA pelos trabalhadores, visando um plano emergencial de importações com os países solidários e medidas de industrialização voltadas para as necessidades primárias da população, a exemplo de produtos alimentícios e vestimentas.

Por fim, caberá à esquerda socialista exigir da Constituinte de 30 de Julho aprovar a democratização das forças armadas, o que inclui, entre outras propostas, o direito de sindicalização e controle democrático da cúpula militar, inclusive para evitar que deslocamentos à direita de generais ganhe força e reforce o movimento golpista da MUD.

Mas ainda que não seja possível ter ao menos um parlamentar na Constituinte, caberá aos revolucionários discutir suas propostas e ouvir os trabalhadores e a população nos bairros, locais de trabalho e entidades e levar com eles suas demandas aos constituintes, exigindo sua aprovação.

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