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CULTURA

Uma biografia política de Mário Pedrosa: Pas de Politique Mariô

Por: Felipe Nizuma, de São Paulo, SP

Saiu em junho de 2017 (Ateliê Editorial/Fundação Perseu Abramo) uma biografia necessária que visita a vida política do crítico de arte e militante Mario Pedrosa (1900 – 1981): Pas de Politique Mariô: Mário Pedrosa e a Política. Escrita pelo pesquisador Dainis Karepovs, o livro traça duas narrativas de quase um século de política, a de Mário e a da própria esquerda: do PCB dos anos 20 à fundação do PT.

Mario Pedrosa detém uma daquelas trajetórias que se pensa ser inimagináveis aos mortais comuns, talvez aquela distância que separa os mais novos de um tempo já longínquo, que somados as últimas décadas de neoliberalismo, apresentam uma ruptura da “tradição”.

A biografia da vida política de Mário aparece aos que não conviveram com ele e que apenas o conhecem pelos seus escritos e pelos relatos de outra geração, quase como um romance em que se pode se realizar no personagem. Sobre a natureza do romance, Walter Benjamin dizia em “O narrador” que “o romance não é significativo por descrever pedagogicamente um destino alheio, mas porque esse destino alheio, graça à chama que a consome, pode dar-nos o calor que não podemos encontrar em nosso próprio destino”.

Porém, Mário Pedrosa foi uma pessoa real e o livro é uma biografia. Expliquemos o “quase como um romance”: ele esteve em tantos lugares, participando de situações políticas tão diversas e com diferentes pessoas, que diante da crise política nacional e internacional do capitalismo e da esquerda hoje, ele surge quase como uma ficção. Mas o fato é que ele é o oposto de uma “crise de utopia”: nunca abandonou o projeto revolucionário e mesmo nas condições mais abjetas propôs uma saída. Através de documentos políticos, artigos de jornal, cartas entre camaradas, Karepovs mostra que nosso biografado sempre foi dissonante e ao mesmo tempo disposto a construir (e reconstituir…) nossa esquerda, ou seja, praticou um marxismo crítico somado a esperança do novo – um marxismo que não se vê como uma fórmula infalível, lei que ele aplicava também a si mesmo.

A profunda pesquisa coloca Mario Pedrosa nas entranhas da esquerda frente a diferentes situações nacionais e internacionais. De Vargas à Ditadura Civil-Militar, passando pela luta anti-fascista, II Guerra Mundial, pela formação da IV Internacional e dos debates sobre o imperialismo, o fascismo, o stalinismo, das revoluções no “terceiro mundo”, muitos personagens da política entram em cena: Astrogildo Pereira, Luiz Carlos Prestes, Leon Trotsky, Diego Rivera, Pablo Picasso, Patrícia Galvão, o jovem Antônio Candido, Salvador Allende, aos jovens exilados no Chile – Tulio Quintiliano e Enio Bucchioni – que foram introduzidos aos escritos de Trotsky por Mário –, e finalmente, ao Lula sindicalista e outros tantos mais.

Foto Mario Pedrosa

Quando colocamos os pés no chão e nos damos conta de que a vida de Mário Pedrosa aconteceu neste planeta, aparece aqui o oposto do romance: a forma narrativa. Voltando a Walter Benjamin, a narrativa “não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele”. Karepovs com seu livro consegue ligar alguém da segunda geração de comunistas brasileiros (e da primeira de trotskistas) aos que hoje estão vivenciando a crise da política. E ao mesmo tempo, se entende aqui que por mais que Mário tenha rompido com o trotskismo, o trotskismo jamais saiu dele e a ele é associado.

Da fundação do PT – ao qual foi o filiado número 1 – aos dias atuais muito coisa mudou e exige da esquerda uma transmissão e uma transformação, elaborar o luto de um processo difícil de ruptura política, e por isso, a biografia vem em momento propício. Visitar a vida de Mário Pedrosa, e de cada um ao qual ele esteve ligado, é regatar uma narrativa longínqua, que relembra aos de esquerda que sua própria natureza é olhar para trás, para poder olhar para frente.

* Em tempo: o livro ainda contém além de uma apresentação da professora Isabel Loureiro, alguns documentos em anexo da época de seu falecimento, de Cláudio Abramo, de Fulvo Abramo, Hélio Pelegrini, Júlio Tavares, uma nota da Convergência Socialista e um artigo de Enio Bucchioni, o qual consta que:

Mario fez o discurso mais emocionante daquele Congresso [Nacional da Anistia em 78], numa denúncia veemente à ditadura e de todos os seus crimes. Acusou o regime militar pela morte de Mário Alves, Marighella, Pedro Pomar, apesar de que estes foram seus adversários políticos durante toda a vida. No fecho de seu discurso contou a história de um jovem, que ele queria reivindicar naquele momento, e que tinha sido um dos maiores revolucionários, amigo e companheiro que tivera em toda a vida e que havia sido assassinado por Pinochet. Contou inclusive como o conheceu, na embaixada do Chile no Brasil. Todos esperavam pelo nome do jovem com ansiedade. O ‘velho’, emocionado, esqueceu-se de pronunciá-lo. Em minha cadeira, chorei. Sabia que era o Túlio”.

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