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Diretas já e eleições gerais ou Constituinte? Cinco respostas sobre a tática

05/09/2016- Manifestantes protestam contra Michel Temer na avenida Paulista, São Paulo. Foto:roberto Parizotti- CUT

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Por: Valerio Arcary, colunista do Esquerda Online

A língua resiste porque é mole; os dentes cedem porque são duros.
Sabedoria popular chinesa

A LER/MRT evoluiu em 2016, politicamente, de forma positiva, ao compreenderem em geral, corretamente, os dois processos mais complicados e difíceis dos últimos dezoito meses: o impeachment de Dilma e a operação Lava Jato. Amadureceram na percepção da crise da dominação burguesa e, por isso, se posicionaram bem. Lutamos juntos na luta pelo Fora Temer e as reformas no Congresso. Mas temos uma diferença tática sobre a melhor bandeira democrática: se a palavra de ordem de Diretas Já, Eleições Gerais ou Constituinte. Ou seja, somos contra a eleição indireta pelo Congresso de um possível sucessor de Temer. Somos pela antecipação de eleições. A questão é saber quais eleições. Trata-se de um debate legítimo, mas tático.

Mas para Edison Urbano e a direção do MRT, misteriosamente, não. Não é tático. Transformar discussões táticas em diferenças de estratégia é um método errado. O artigo de Edison é, portanto, uma decepção. Não acharam melhor maneira de se diferenciar do que denunciar um suposto seguidismo do MAIS ao PT. Mas, não satisfeito, Edison Urbano acusou o MAIS de ter perdido paixão revolucionária. Este estilo polêmico áspero e ofensivo é deseducativo. Temos esperança que não seja compartilhado por muitos quadros honestos, dedicados e mais maduros dessa organização. Anotei cinco repostas rápidas ao artigo de Edson Urbano:

  1. Edison Urbano argumenta: “Ou não é errado dizer que nenhuma fração burguesa defende a antecipação das eleições, quando nada menos que a Folha de S.Paulo, partidos como o PSB, e a Rede, entre outros, o defendem abertamente?”Honestidade é importante: não havia fração burguesa apoiando Diretas Já quando o artigo foi escrito e publicado no dia 2 de junho de 2017.
  2. Ainda assim, Urbano argumenta com “Valério não é consequente com o grau de crise burguesa a possibilidade de que, rapidamente, um setor majoritário passe a defender as Diretas como “última saída”.Os setores majoritários não giraram para a defesa das Diretas como Urbano sugeriu. O terreno da tática é aquele em que as previsões são chaves para poder se posicionar de melhor maneira. Os setores da classe dominante que, na sequência, chegaram a defender a convocação de eleições antecipadas não são significativos: não representam nenhuma fração relevante. O PSB é um partido de aluguel que está sendo, neste momento, canibalizado pelo DEM de Maia e próprio PMDB de Temer. As únicas exceções foram o jornal Folha de São Paulo, que engavetou a proposta, e Fernando Henrique Cardoso que, paradoxalmente, nem conseguiu que o PSDB decidisse retirar seus ministros do governo Temer.
  3. Urbano argumenta: “Depois de criar um clima artificial em que a classe dominante estaria totalmente unificada em torno das eleições indiretas”.A verdade é que há uma grande divisão na classe dominante. Mas a divisão principal na burguesia não é entre quem apoia e quem é contra as Diretas. A divisão é entre quem apoia Temer, e quem defende a sua substituição por uma eleição no Congresso Nacional. Esta divisão expressa a divisão em torno da Lava Jato, e a amplitude da reforma institucional do sistema político-partidário-eleitoral que se consolidou desde 1985. Todos estão de acordo com as Reformas econômico-sociais, especialmente, da Previdência Social. Não está unificada por indiretas, porque ainda há os que defendem Temer, embora minoritários. Não há, por enquanto, apesar da gravidade da crise do governo Temer, que não é o mesmo que crise do regime de dominação, razão para prever que uma maioria burguesa possa girar para defesa das Diretas. Edison Urbano tirou conclusões precipitadas. Os ritmos políticos da disputa interburguesa no Brasil são mais lentos que na Argentina. Denunciamos todas as frações burguesas, mas lutamos, prioritariamente, contra Temer e a fração que pretende substitui-lo por uma eleição indireta. Nossos alvos prioritários devem ser Temer e Maia, não Marina Silva ou FHC. Isto é assim porque as lideranças burguesas mais poderosas sabem que, em eleições antecipadas, tanto a candidatura Lula quanto Bolsonaro teriam grandes vantagens comparativas. Por isso mesmo a direção do PT girou para o Fora Temer e Diretas Já. Porque embora improvável, seria a melhor localização para tentar poupar Lula da LavaJato. Não se trata de “inconsequência” com a análise da crise política do governo Temer, mas uma apreciação menos “catastrofista” da sua dinâmica.
  4. Urbano argumenta: “Para ele, o movimento contra as reformas pode até protagonizar novas ações de greve geral ou outras, porém pareceria fadado a não poder dar qualquer saída independente no plano político. O ceticismo de Valério vai tão longe, que ele iguala a possibilidade de que se desenvolva qualquer elemento de auto-organização na luta, com uma “ultrapropaganda”, inofensiva, portanto, sobre a revolução. proposta de comitês de base para que os próprios trabalhadores possam tomar em suas mãos a luta, tarefa cada vez mais urgente diante da disposição traidora das direções oficiais, não somente não é apoiada por Valério, como é por ele desqualificada, e jogada na vala comum dos argumentos ultraesquerdistas”.Urbano propõe como saída política comitês de base sindicais, que não existem e precisam ser impulsionados pela esquerda revolucionária, como saída independente no plano político. Trata-se de uma incompreensão de qual é a relação social e política de forças entre as classes. A dinâmica da crise política fez com que o caminho para derrotar as Reformas tenha passado a ser o caminho para derrubar Temer. Acontece que um dos fatores que explica a dificuldade de derrubar Temer é que a classe está, politicamente, dividida. A maioria dos milhões de trabalhadores que fizeram a greve geral não vê uma saída política para crise. Para aqueles que apoiam Lula, como a maioria na região nordeste, ou em parte das grandes fábricas é mais simples. Mas para aqueles que romperam com Lula, o que não é o mesmo que romper com o reformismo, e apoiam a LavaJato não é tão simples. Por isso o apoio ao Fora Temer e as reformas teve e mantém um apelo maior do que Diretas Já.
  5. Urbano argumenta: “O fato de que uma determinada reivindicação seja democrática, NÃO significa necessariamente que ela seja compatível com o regime atual. E ainda menos se lembrarmos que vivemos num regime cuja “casca” democrática é tão fina quanto a do sistema brasileiro atual, parido por uma transição pactuada com a ditadura militar e que preservou os pilares fundamentais desse país injusto e desigual”.As bandeiras democráticas se dividem em variados tipos: em bandeiras democráticas agrárias, como a reforma agrária; nacionais, como a suspensão do pagamento da dívida externa; antirrepressivas, como a dissolução da Polícia Militar; educacionais, como a defesa do ensino universal e gratuito; ambientais, como a defesa da floresta amazônica; e muitas outras, por exemplo, as republicanas, como a luta contra a corrupção, etc. Mas Eleições antecipadas, seja para a presidência, para o Congresso ou para uma Constituinte, quando já existe um regime democrático-eleitoral presidencial com traços semiparlamentaristas, e não uma ditadura, são bandeiras democráticas formais, portanto, não são antirregime. Isso parece óbvio. Isso não quer dizer que não sejam corretas. Para o PSTU são erradas porque não são antirregime. Para o MRT podem ser justas porque podem ser antirregime. Ambos estão errados, embora com posições simétricas.

 

Foto: Roberto Parizotti/ CUT