Por: Aderson Bussinger, advogado trabalhista
Hoje (11) poderá ser votada a denominada “Reforma Trabalhista” do governo corrupto de Michel Temer, que, em sua breve e ilegítima presença no Planalto, enquanto presidente, vem promovendo imensos retrocessos, sobretudo na área previdenciária e trabalhista. E por que é assim ? Porque este Governo lidera estas verdadeiras atrocidades legais, sob a chancela de um parlamento promíscuo, que vão desde de propostas de desproteção aos índios, quilombolas, entrega de nossas riquezas naturais como o petróleo, e, agora, o desmanche da CLT, na “suja oficina de maldades do Senado”, através de subterfúgios, alterações em mais de 100 artigos, outros mais de duzentos dispositivos, para beneficiar o capital.
Evidente que nada em política possui um só motivo, sendo vários os interesses, especialmente a redução do chamado “custo-brasil”, leia-se “super-barateamento de mão de obra”, mas é preciso refletir que, para além do “vil metal”, temos, na raiz de todas estas contrarreformas, (pois reformistas definitivamente não são!).
Um pano de fundo histórico que nos reporta a nossa herança escravagista, que, no lado social, se manifesta pela maioria de negros nas favelas, baixos salários e presídios e, de outra parte, por uma elite que é herdeira, direta e indiretamente, da herança financeira e ideológica, de uma concepção que traduz-se no costume de viver muito bem, superior econômica e socialmente, às custas da super-exploração do outro.
Do outro que, na atualidade, é o trabalhador brasileiro, desde os braçais, até mesmo os mais especializados que integram a dita “classe média”, todos, sem exceção, embarcados no mesmo “navio negreiro” da espoliação trabalhista, ainda que alguns destes, em compartimentos e cabinas refrigeradas, “achando que não são escravos com os demais” (e inclusive apoiando golpes anti-democráticos que acabam por lhes subtrair direitos).
Pois esta contrarreforma, repito, é fruto desta gente do famoso “andar de cima”, sob os aplausos de parte da classe média ainda iludida do “andar de baixo” (alguns degraus acima da pobreza mais descarada), mudança legislativa esta que mudará totalmente o paradigma do sistema legal trabalhista no Brasil, que, antes protetivo (com todos os seus problemas), agora se fará “civilista”, adepto da “livre negociação”, que transportará para o mundo do trabalho a velha mentalidade e critérios liberais que autorizam a venda de tudo. O mercado humano livre, (como aprouver a quem compra), sem amarras do Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho, que pouco terão para coibir, já que a regra é o livre negociar, o negociado sobre o legislado.
E o que será negociado? O trabalho humano, que doravante poderá ser vendido através da contratação de autônomos (PJ), para trabalhos contínuos que nada possuem de autonomia. A fixação de contratos de trabalho de 26 e 30 horas, com recebimento de remuneração inferior ao salário mínimo, na forma “parcial”, e ainda com possibilidade de horas extras. A possibilidade, via acordo coletivo ou convenção, de acordos “sem contrapartidas”, que nada mais é, sabemos bem, que a disfarçada renúncia de direitos trabalhistas, segundo doravante os parâmetros do Código Civil.
A possibilidade de mulheres gestantes laborarem em locais insalubres, como as antigas escravas o faziam e chegavam ao óbito nos cafezais e engenhos. O tele-trabalho, sem controle de horário, favorecendo um verdadeiro “tele-sangue-suga” via a modernidade da tecnologia. A não obrigação de pagar o tempo de deslocamento para o trabalho, que já era pacífico na jurisprudência (horas intinere). A limitação da concessão da justiça gratuita na Justiça do Trabalho, bem como a imposição ao empregado de arcar com os honorários periciais. A homologação de rescisões de trabalho sem a fiscalização sindical.
A terceirização onde assim aprouver ao dono do negócio, onde e na função que assim desejar o moderno “senhor de terceirizados”. A possibilidade do contrato para prestação de serviço intermitente, quer dizer, com se fosse um “uber”, (precisou “usou”, não precisou: fica em casa!) E então pergunto: em que casa poderá aguardar a convocação para o trabalho, se não poderá pagar sequer o aluguel desta? E a alimentação e colégio dos filhos ?
Enfim, estamos vivendo um momento que, se aprovadas tais medidas, irá ficar na história como o dia e o ano em que o Brasil voltou aos parâmetros de regulação do trabalho do início do século XX, quando em junho de 1917 realizou-se a primeira grande greve geral deste país, reivindicando, dentre outros pontos, o pleito de garantia de trabalho permanente aos operários, o que se deseja agora retirar com o contrato intermitente, proibição de trabalho noturno para mulheres e crianças e outras reivindicações.
E digo que esta elite de DNA escravagista somente deseja retornar aos parâmetros do início do século XX, porque retroceder aos ditames de mais de três séculos de escravidão lhes obrigaria a alimentar e abrigar os escravos em senzalas, o que me parece não ser tão lucrativo para os mesmos, em tempos atuais, pois significariam “mais encargos sociais”, uma “bolsa-escravo”, talvez.
Pois bem, este texto é um grito de descontentamento, revolta e apelo à mobilização contra mais este ataque aos trabalhadores, pois como advogados trabalhistas, representados nacionalmente por nossa Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas-ABRAT, sabemos que estão buscando simplesmente legalizar e legitimar tudo aquilo que o judiciário trabalhista vem condenando com fraude trabalhista e artifícios contratuais ilícitos, infames, que almejam a total permissividade no mundo do trabalho, em um país que, pelo contrário, necessita-se avançar nesta proteção, regulamentar os preceitos constitucionais de 1988 que até agora restaram abandonados.
Registro que, pessoalmente e politicamente, não sou daqueles que acredito que o Direito do Trabalho seja a redenção de todos os problemas e males, pois entendo que somente uma mudança social mais profunda no país e no mundo poderão iniciar a construção de um mundo melhor, que defendo socialista, mas é preciso dizer que tenho a convicção que capitalismo sem direito do trabalho e o nosso Brasil com estas mudanças anti-trabalhador significam mais barbárie, mais violência, menos civilização.
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