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MOVIMENTO

Um olhar sobre o nosso primeiro CONUNE

Por: Carol Coltro, de São Paulo, SP e Clara Saraiva, do Rio de Janeiro, RJ

Entre os dias 14 e 18 de junho o movimento estudantil se reuniu no 55º CONUNE para discutir os rumos do Brasil e a organização das lutas da juventude. A situação do país está extremamente difícil e complexa. Um dos momentos mais importantes da nossa história está passando diante dos nossos olhos e todos buscam como intervir e mudar seus rumos. O movimento estudantil sempre foi um dos protagonistas principais nos grandes capítulos da história no Brasil, e isso não foi diferente quando sofremos o golpe. A primeira grande resposta de ampla resistência e mobilização teve como palco as universidades e escolas, em um dos maiores assensos estudantis da história do país, com as ocupações contra a PEC do Teto dos Gastos e a Marcha em Brasília do dia 29 de novembro de 2016. Infelizmente, nossa forte mobilização não conseguiu impedir a aprovação da medida.

As grandes lutas voltaram ao cenário nacional no início de 2017: mulheres jovens e trabalhadoras estiveram à frente do 8 de março, iniciando assim uma longa jornada contra a Reforma da Previdência e Trabalhista, que teve seu ponto alto na Greve Geral do dia 28 de abril. De lá pra cá, tinha um CONUNE no caminho. Foram mais de 10 mil estudantes que se reuniram em Belo Horizonte com a expectativa de saírem mais fortes para derrubar Temer, suas reformas, construir a Greve Geral do dia 30 de junho, além de um forte e unitário calendário de lutas.

A unidade necessária para enfrentar os desafios
Em primeiro lugar, é preciso ressaltar a importância da unidade construída neste CONUNE em torno das bandeiras que devem ser, hoje, o principal guia de nossas ações. Sem uma ampla união nesse país, que envolva mesmo aqueles que tem profundas divergências estratégicas, jamais conseguiremos a força necessária para defender os direitos da juventude e da classe trabalhadora.

Isso se expressou numa ampla unidade contra a direita e setores presentes no CONUNE que defendiam o projeto abominável do governo golpista. Expressou-se, também, na importante aprovação no Congresso da Carta de Belo Horizonte, que em seu último parágrafo sintetizou bem nossos próximos desafios:

“Nesse sentido, convocamos todos e todas estudantes brasileiros e brasileiras à se somarem junto à União Nacional dos Estudantes em um movimento de ampla unidade para construir a greve geral do dia 30 de Junho, paralisando as universidades de todo país. Também convocamos todos a construir uma grande jornada de lutas em agosto, tendo seu ápice no dia 11 de Agosto, dia do estudante, para exigir a saída de Michel Temer do governo, combater as Reformas da Previdência e Trabalhista e qualquer retirada de direitos e defender a antecipação das eleições e as Diretas Já!”

Para qualquer jovem, seja um ativista recém ingresso no movimento estudantil, seja um representante de Centro Acadêmico, DCE, que já interviu em diversas lutas, a participação num Congresso que reúne milhares de jovens, de diferentes sotaques e opiniões, pra debater política e votar resoluções, é uma experiência extremamente enriquecedora.

Apesar disso, é necessário refletir que os momentos de participação ativa dos delegados e observadores presentes no congresso, como os Grupos de Discussão, são absolutamente secundarizados. Esses momentos deveriam ser priorizados e certamente enriqueceriam, e muito, a elaboração das resoluções apresentadas em plenário. A demora por começar a discussão, garantir os espaços e a falta de fluxo entre o que é debatido ali e o resultado político expresso nas resoluções apresentadas nas plenárias finais é uma expressão disso.

A UNE é uma entidade na qual praticamente todas as correntes de opinião organizadas nas universidades fazem parte. Há um nítido desperdício do potencial da entidade causado pela política e condução burocrática da direção majoritária da UNE. Apesar disso, seu caráter de entidade de frente única, sem dúvida, é sua principal virtude. Nunca foi tão necessária uma entidade nacional que articule as lutas e que possa unificar todo o movimento estudantil. Para isso, é preciso coordenar campanhas políticas e iniciativas concretas de luta, à luz das bandeiras unitárias aprovadas, junto com DCEs, Centros e Diretórios Acadêmicos, valorizando assembleias e espaços de base do movimento estudantil. O desafio está colocado para a próxima gestão da UNE.

O crescimento do campo majoritário e a diluição do campo popular
Neste CONUNE houve um fortalecimento do campo majoritário da entidade a partir da diluição do campo popular e da unidade entre UJS e Levante. Sendo assim, a UNE termina seu congresso sem romper com as políticas, impostas pela direção, que afastam a entidade da base dos estudantes e a impede de ser linha de frente e articuladora nacional das ações e lutas da juventude.

Vemos com muita preocupação esse fato, que fortalece um caminho para a UNE que, em nossa opinião, não está a altura dos desafios colocados para a apresentação de um projeto de saída para a crise brasileira. Os companheiros do Levante dizem: “é uma unidade programática para recompor o regime democrático no país neste momento de golpe, retrocessos e fortalecimento da direita”.

O problema é que sequer o programa apresentado pela Frente Brasil Popular é aplicável sem uma ruptura com a forma de governar defendida pelo PT e PCdoB nos últimos anos, anterior ao golpe. Não há qualquer revisão pública por esses setores de como governaram na última década, mas pelo contrário, seguem fazendo o mesmo em prefeituras e governos estaduais reafirmando este mesmo caminho de conciliação. Não é possível ser conseqüente com esse programa da Frente Brasil Popular e ao mesmo tempo buscar a repactuação com a burguesia brasileira e os golpistas.

Nesse sentido, a continuidade da direção da UNE pela UJS e seu crescimento com a diluição do campo popular, continuará sendo um obstáculo à radicalização das lutas do movimento estudantil e à construção de um projeto alternativo de país. Não há meia solução: ou os ricos, os banqueiros, os mega empresários e todos os representantes do capital pagam pela crise, ou a conta sobrará para os trabalhadores e a juventude. Para isso, é preciso enfrentamento anticapitalista.

O Levante Popular da Juventude cometeu dois erros importantes. O primeiro, foi anterior ao congresso, durante o processo de tiragem de delegados, no qual o LPJ se apresentou em centenas de universidades como oposição à UJS. É seguro dizer que milhares de estudantes votaram no Levante e no campo popular porque eles eram oposição ao campo majoritário. Fechar com a UJS na plenária final foi desrespeitoso com esses votos.

O outro erro do LPJ, e bem mais importante em nossa opinião, é político. A UJS luta hoje por retomar o pacto entre classes que Lula, e depois Dilma, encabeçaram na última década, entendem que esse é o caminho para defender nossos direitos. O nome que dão a isso é “Frente Ampla, com protagonismo de setores progressivos”. Não se trata aqui de um debate sobre a unidade para lutar e resistir, que sem dúvida é uma imperativa necessidade, mas sim de decidir qual projeto queremos construir: um novo e inédito projeto independente dos trabalhadores e dos jovens para o Brasil, ou repetir a fórmula da conciliação que deu em golpe?

A construção de uma alternativa
Como afirmamos acima, temos pleno acordo da necessidade da nossa unidade na resistência contra a ameaça ao nosso futuro através da construção de frentes únicas que impulsionem a mobilização.

No entanto, precisamos – e com urgência – construir uma alternativa de direção para a juventude e os trabalhadores levando em conta o fracasso do projeto aplicado no período anterior, defendido pela maioria das forças que compõem a Frente Brasil Popular, que insiste em saídas que, com a aparência de “mais realistas”, acabam sendo utópicas. Precisamos de um projeto político para o país que aponte uma saída estrutural para a crise que atravessamos.

Os ativistas que assinavam a tese Pra Virar o Jogo! estavam no Mineirinho, local da Plenária Final do CONUNE, posicionados junto com os camaradas da NOS, ao lado dos companheiros do RUA e da UJC, cercados pelos coletivos Correnteza, Juntos, Vamos à Luta, Construção, Enfrente, Liberdade e Luta, Estopim. A proximidade física não era à toa: compomos o campo da Oposição de Esquerda, porque o que nos unifica são ideias para o Brasil e para o avanço da organização dos estudantes, que passa por duras críticas à condução burocrática e a serviço de um projeto de governo de conciliação de classes.

Por isso, defendemos resoluções comuns de conjuntura, educação e movimento estudantil. Apesar da necessidade de fortalecer esse campo, que certamente está bem aquém do que poderia ser, a chapa que se apresentou para a direção da UNE sintetizou bem essa aliança, e todos os camaradas souberam defender nossas posições, apontando um caminho para o Brasil e para a UNE de construção de um projeto livre das amarras do capital, única saída para que os trabalhadores e a juventude não paguem pela crise. E por isso, a necessidade de transformar radicalmente a UNE, com propostas contra a burocratização, pela democratização e relação orgânica da direção com a base estudantil, por privilegiar a ação direta, a mobilização, e não os acordos de gabinete e as relações institucionais.

Foram importantíssimos os espaços de debates no CONUNE que expressaram a necessidade de uma frente de esquerda e socialista. Amanda Gurgel do MAIS, assim como Chico Alencar do PSOL, são apenas alguns exemplos de figuras que defenderam essa alternativa nos painéis do CONUNE.

Também foi bastante produtiva a atividade da Frente Povo Sem Medo com a presença de Guilherme Boulos, pelo MTST, além de representantes do RUA, Construção, UP, PCB, UJS e MAIS, onde foi levantada a importância de avançar num debate programático sobre qual a saída para os trabalhadores diante do Brasil afundado nesta crise. Essa dinâmica de debates programáticas, que se alongarão por todo o próximo semestre, foi referendada na última reunião nacional da Frente Povo Sem Medo do dia 4 de julho, e consideramos fundamental que os estudantes e a juventudesejam parte protagonista nessa construção.

A disposição dos que foram ao CONUNE Pra Virar o Jogo! no Brasil
Ter consciência das profundas divergências que temos não pode nos fazer vacilar com a construção da unidade. Mas também o CONUNE foi um importante espaço para que essas diferenças se expressassem, confrontando as diversas visões sobre a realidade brasileira de cada movimento e campos políticos da UNE e do projeto estratégico que devemos impulsionar a partir das lutas da juventude.

Construímos a tese Pra Virar o Jogo! com o intuito de defender a necessária radicalização da juventude, tanto em suas ações quanto em suas ideias. Por isso, defendemos que pra virar o jogo, só com muita unidade e ousadia. Defendemos medidas anticapitalistas para os trabalhadores e a juventude não pagarem a conta da crise, como as reformas urbana, agrária, tributária, a redução da jornada de trabalho sem redução do salário, a auditoria e não pagamento da dívida, fim das privatizações e estatização das empresas envolvidas em corrupção.

O combate intransigente contra o racismo, o machismo, a LGBTfobia, a criminalização das lutas e o ataque às liberdades democráticas. Um programa que não se constrói em aliança com quem nos golpeou, com representantes do capital ou partidos da ordem. Um programa profundamente radical e anticapitalista. Mas que só pode se desenvolver em base a um amplo processo de mobilização da juventude, dos trabalhadores e do povo pobre brasileiro.

Estivemos no Congresso fortalecendo a Oposição de Esquerda da UNE e nos comprometemos a construí-la no cotidiano para que o movimento estudantil possa ter uma alternativa de direção, assim como um projeto de país alternativo. Ainda há muito o que avançar nesse terreno. É preciso construir reuniões e seminários da Oposição de Esquerda na base de cada universidade, que nos permita aprofundar tanto os debates e nossos projetos em comum, quanto nos permitir atuar em conjunto, intervindo nas lutas e apresentando chapas unitárias para eleições das entidades. Além disso, apostamos nessa unidade para romper com velhas práticas do movimento estudantil, fortalecendo espaços abertos de participação, como as assembleias, conselhos de entidades de base, comitês de luta contra as reformas, além de impulsionar a auto-organização dos setores oprimidos.

Tudo isso é parte de uma construção coletiva que deve se desafiar a pensar novas práticas, absorvendo a experiência das lutas e ocupações recentes, e resgatando a história e a tradição de radicalidade e aliança com os trabalhadores do movimento estudantil brasileiro e latino-americano. Vemos com muito bons olhos a decisão de convocar uma reunião nacional da Oposição de Esquerda para logo depois da posse da nova gestão da UNE, que será no dia 11 de agosto em São Paulo.

Nós, representantes da Tese Pra Virar o Jogo!, levamos nossas ideias e as apresentamos aos milhares de estudantes presentes no congresso. Ainda que tenham havido poucos espaços de debates, aproveitamos todos eles para fazer luta política por nossas ideias. Na sexta-feira, realizamos um Encontro Nacional da Tese, em que debatemos muito, à luz da situação dos estudantes em cada estado, e definimos ao fim pela construção de um novo movimento nacional de juventude, junto com a construção de acampamentos locais, e um nacional, nos próximos meses. Além de decidir que a escolha do nome de nosso movimento será por uma votação na internet, entre três propostas que foram as mais votadas pelos presentes.

Frio na barriga e coragem pra construir o novo
Seguiremos lutando por uma UNE das lutas contra a UNE dos gabinetes. O palco dessa batalha após o CONUNE se dá em cada universidade e nas mobilizações dos trabalhadores e da juventude, nas quais estaremos todos os dias na linha de frente da resistência, apostando na articulação e fortalecimento da Oposição de Esquerda como nosso instrumento e alternativa de direção nacional para o movimento estudantil.

Neste Congresso, porém, demos um passo ainda maior. Iniciamos a construção de um novo movimento de juventude que se propõe a organizar jovens para, não só resistir e lutar dia a dia, mas enfrentar o sistema capitalista. Que não organize apenas o movimento estudantil, mas a juventude nas suas mais amplas lutas. Que tenha como protagonistas jovens trabalhadores, negros e negras, mulheres e mães, LGBTs. Que não só se preocupe em intervir nas lutas, mas que compreenda a necessidade da formação política marxista para potencializar estas, tendo como método a práxis revolucionária.

Que não fale da boca pra fora em construir novas práticas nos movimentos de juventude, mas que esteja em permanente auto-crítica e reflexão para a aplicação de uma concepção de funcionamento democrático onde os debates, a organização e participação de todos seja o nosso combustível para a atuação cotidiana. Que compreenda a necessidade da unidade com outros movimentos e busque clarificar bem as nossas divergências, para que as disputas sejam as mais politizadas e saudáveis possíveis. Que busque não só falar em outra sociedade, mas intervir diretamente na história e na política para transformar a realidade e construir um novo futuro. Este novo projeto fez com que a galera da Tese Pra Virar o Jogo! tenha voltado do CONUNE muito feliz, disposta e esperançosa com mais este desafio.

Foto: Thiago Mahrenholz | Esquerda Online