Por: Diogo Xavier, de Recife, PE
A Ditadura Militar se utilizou de diversos meios para ganhar apoio popular ao regime. O futebol foi um dos principais, mas foi também nesse meio que surgiu uma das vozes mais contundentes na denúncia do regime, João Alves Jobim Saldanha.
João iniciou a carreira como jogador no Botafogo, mas essa passagem durou pouco tempo. A parte mais significativa foi fora das quatro linhas. Em 1960, Saldanha começou sua carreira como cronista esportivo. Era conhecido por não ter papas na língua e saber dialogar com todas as classes que ouviam suas resenhas. Era muito culto e defensor do futebol arte, atrelando tudo isso ao espírito combativo de quem sabia exercer um papel pAra muito além do futebol.
Na televisão, atuou ao lado de grandes nomes na “Grande Resenha Facit”, considerada com uma das melhores mesas de debate esportivo na televisão. Contava com nomes como Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, Vitorino Vieira.
Porém, uma das suas grandes paixões estava fora do futebol. Saldanha era militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e grande opositor da Ditadura. Utilizava toda a sua envergadura na mídia para apoiar as causas e se engajar contra o regime, inclusive usava a casa como sede do partido nas épocas de ilegalidade em que o PCB tinha que se reunir às escondidas. Sua casa servia de ponto de apoio para a continuidade da vida ativa do partidão.
Chamado para dirigir a seleção em 1969 pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD), chamou muita atenção na imprensa, pois Saldanha era crítico ferrenho dos mandatários do futebol local e das suas relações com a Ditadura. Saldanha chegou falando em montar um “time de feras”, já havia sido campeão carioca em 1957 com o Botafogo dirigindo feras como Nilton Santos e Garrincha, o desafio agora seria transformar aquela ótima geração em um time. O sucesso da sua equipe foi quase instantâneo, o time passou a jogar muito bem e com liberdade para os principais craques, aliando tudo isso com sua militância sem nunca abaixar a cabeça para os generais.
Aconteceu, então, o choque que fez uma das maiores injustiças com o homem sem medo. Para ser populista e agradar à torcida do Atlético- MG, o presidente Médici pediu a convocação de Dadá Maravilha. João respondeu com sua célebre frase: “Eu não escalo o Ministério. Ele não escala o time”. A partir dessa declaração, a permanência de Saldanha era tida como uma afronta ao regime e ele foi demitido sem nenhuma justificativa técnica.
O Tri em 1970 veio sem o grande mentor daquele time e até hoje as lembranças são sempre menores do que as merecidas, mas João aproveitou a Copa para denunciar o período de terror que passava o país, levou até o México um dossiê que falava sobre a tortura no Brasil citando mais de três mil presos políticos, falando das torturas e assassinatos nos porões da Ditadura.
Saldanha continuou na carreira de jornalista até o fim de sua vida, nunca abandonando a política em 1985 e concorreu como vice-prefeito do Rio de Janeiro na primeira eleição direta da cidade. Sempre presente no PCB, não abandonou seu partido, manteve vínculos e nunca perdeu de vista o horizonte do socialismo.
Nascido em 3 de julho de 1917, Saldanha completaria hoje cem anos. Seu legado permanece vivo e contagiando gerações.
“O futebol é um ramo da arte popular. O Brasil é um país eminentemente pobre. Para o futebol, basta uma bola. O menino descalço pode jogar. Uma rua, uma bola de pano ou de borracha, uma bola qualquer e pronto: o menino joga”. (João Saldanha)
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