Por: Ítalo Laredo, de Belém, PA
Para a maioria das pessoas heterossexuais, a sexualidade é algo “natural” que enfrenta pouco, ou nenhum questionamento em relação à sua sexualidade e identidade. Para estas, a sexualidade heterossexual é algo já esperado, espontâneo, dado pela natureza. Desde o nascimento até a velhice, não encontram dificuldades para viver plenamente a identidade associada à sexualidade heterossexual.
A perspectiva de considerar a heterossexualidade como “normal” consiste na exigência de que todos os sujeitos sejam heterossexuais, considerando-a como a única forma aceitável de vivenciar a sexualidade. Assim, o que se chama de “normal” é basicamente aquilo que foi intitulado como o critério da realidade, isto é, como indispensável. E quem desafia, ou se desvia desta lógica normativa, é considerado anormal, patológico, abjeto, exterminável.
Com esta concepção de que a homossexualidade é uma doença, uma perversão, um desvio, sobretudo, de caráter, discursos de ódio foram produzidos e reproduzidos na perspectiva de controlar os indivíduos homossexuais, ou assim considerados. E este controle não é apenas por insultos, mas também por extermínio desta população.
Isto posto, a norma é implacável e tem alvos preferenciais, aqueles e aquelas que desafiam as “regras” estabelecidas. Os espaços são vigiados e controlados, sob risco de coerção social legitimada, ou não, pelo Estado. Desta forma, tudo que foge do modelo normativo, heterossexual e cis, neste caso, é considerado ameaça que deve ser combatida.
A narrativa da revolta Stonewall Inn1, nesse sentido, é um exemplo categórico do uso justificado da violência policial para reprimir aquelas e aqueles que destoam do considerado “normal”. O bar Stonewall Inn, localizado na periferia de Nova York, controlado pela máfia e de higiene precária era majoritariamente frequentado por pessoas homossexuais e era um dos poucos espaços onde se podia vivenciar publicamente a subjetividade homossexual. A polícia agrediu, reprimiu, prendeu todos aqueles que estavam no bar Stonewall Inn na noite de 28 de junho de 1969. Em reação, trans, drags, lésbicas e gays reagiram atirando objetos, resistindo às prisões e, sobretudo, ocupando as ruas contra a violência policial.
Entretanto, passados 48 anos da revolta, ainda é muito comum boates LGBTs serem espaços preferenciais de batidas policiais. Para a população LGBT, ainda hoje, é negado o direito que para a maioria das pessoas parece simples, como andar de mãos dadas nas ruas. Apesar do colorido do Facebook e das reações à moda da bandeira LGBT, as ruas continuam marcadas pela violência, com vários episódios trágicos contra nossos corpos.
Aprendemos lições importantes: temos que afrontar, temos que resistir, temos que organizar a luta contra todos os atentados às nossas vidas. A Revolta de Stonewall Inn, mais que um marco histórico, é uma prova que resiste no tempo, da necessidade de virar o jogo. Entretanto, não podemos deixar de questionar que o legado de Stonewall Inn, as paradas LGBTs, não refletem mais a essência do passado. Muito porque os grandes movimentos LGBTs atuais, no caso brasileiro, possuem relações simbióticas com os governos, em geral, atrasos na luta LGBT.
Portanto, faz-se urgente uma discussão sobre efetivas implementações de políticas públicas voltadas para a população LGBT. Estas elaborações são demasiadamente tardias em relação a outras pautas, como as de mulheres e da população negra. No Brasil, não existe uma lei específica que puna casos de violência implícita e explícita contra a população LGBT. Isso quer dizer que todos os crimes, sobretudo, os assassinatos de jovens gays, lésbicas, travestis e transexuais não são julgados com a devida atenção. E muitas vezes as investigações não seguem. Isso quer dizer também que não devemos parar de lutar pela criminalização da LGBTfobia. Stonewall foi o início, mas ainda está longe do fim.
1 Este episódio de resistência ficou conhecido como revolta de Stonewall, amplamente considerado como um marco do movimento LGBT mundial e agendado nos calendários de diferentes países como o dia do Orgulho LGBT.
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