Por: Camila Lisboa* e Letícia Alcântara**, de São Paulo, SP
No final de 2016, o Metrô de São Paulo fechou contrato com uma empresa que passaria a ser a responsável pela venda de bilhetes de viagem em todas as linhas do Metrô. Neste primeiro semestre de 2017, esta empresa, chamada Liderança, começou a operar o plano de contratação de pessoas e instalação de sua responsabilidade sobre este serviço. Ao longo do semestre, foi possível observar algumas mudanças operacionais em algumas estações. Na última sexta feira, dia 23, as estações da Linha 5 – Lilás começaram a receber os novos funcionários da Bilheteria e, consequentemente, iniciaram a retirada dessas funções dos contratados diretos pelo Metrô.
O serviço de venda de bilhetes é realizado por funcionários concursados e contratados pelo Metrô de São Paulo. É parte das atribuições dos funcionários que trabalham nas estações do Metrô, que revezam esta atividade com os serviços de atendimento e orientação à população, além de operar a Sala de Serviços Operacionais, a SSO, presente em todas as estações.
Para realização das atividades da Bilheteria, todos os metroviários contratados são treinados, tomam conhecimento de diversos procedimentos que asseguram a realização de um dos pilares dos serviços metroviários que é prover o direito de viagem ao usuário. Além disso, após muitas lutas dos trabalhadores do Metrô, foram conquistados adicionais como o risco de vida (15% do salário) decorrentes do risco desta atividade, por envolver altos valores e os assaltos serem parte das histórias de diversos metroviários.
Terceirização é desmonte do serviço público
Apesar de ser uma empresa de economia mista, o Metrô de São Paulo é responsável por um serviço fundamental para a sociedade. Deve pensar sua atuação sob a ótica da responsabilidade constitucional que tem o Estado e o poder público sobre a garantia do transporte público. Diante disso, o mais adequado e responsável com a população seria a garantia deste serviço de forma pública, estatal e gratuita. Entretanto, não sendo assim, a venda de bilhetes no Metrô é parte de suas atividades-fim, pois sem a venda do bilhete, o usuário não pode usufruir do serviço.
Desta forma, a terceirização das Bilheterias já fere um aspecto que foi preservado na redação do PL4330/04, aprovado em 2015. Este aspecto foi preservado como parte da resistência que o movimento social e sindical organizou neste período. No entanto, a aprovação do PL4302/98, em 31 de março deste ano, deu prerrogativa legal para este tipo de desmonte que ocorre nas bilheterias do metrô de São Paulo, ao abrir caminho para a terceirização de todas as atividades de uma empresa.
As denúncias que o movimento social e sindical fez e faz contra a terceirização não visa defender apenas as atividades-fim. Visa também denunciar a atividade terceirizada em si, porque ela significa a precarização do trabalho, o retrocesso em conquistas trabalhistas. A prova disso é que o maior número de acidentes e mortes em locais de trabalho no Brasil ocorre com funcionários de empresas terceirizadas.
A limpeza é uma atividade que foi alvo forte do avanço das terceirizações no Brasil. Praticamente todas empresas, públicas ou privadas, possuem seu serviço de limpeza terceirizado. O Metrô de São Paulo é conhecido como um dos metrôs mais limpos do mundo. E quem garante essa notoriedade são mulheres trabalhadoras, na sua maioria negras, que recebem pouco mais de um salário mínimo, trabalham 44 horas semanais, sofrem enorme assédio moral e perdem toda a cesta básica se faltam um dia no mês. No início de 2016, houve uma greve de trabalhadoras da empresa Higilimp, que prestava serviço na Linha 1 – Azul do metrô, porque a empresa quebrou e simplesmente sumiu.
A empresa Liderança, contratada pelo Metrô para realizar os serviços de venda de bilhetes, vai pagar pouco mais de 800 reais para os funcionários contratados, muito abaixo do salário que os metroviários recebem pelo mesmo serviço. Além disso, só neste final de semana de experiência da implementação das Bilheterias terceirizadas, já existem diversos relatos de absurdos, como a ausência de treinamento total das funcionárias contratadas pela empresa Liderança e o caso de duas trabalhadoras que tiveram que dormir na estação Largo Treze porque na hora em que foram dispensadas não havia mais metrô para retornarem para casa.
Este tipo de irresponsabilidade com as trabalhadoras da empresa contratada é característico do serviço terceirizado. Em 2015, uma funcionária da empresa Ponto Certo, responsável pelo carregamento do Bilhete único, foi estuprada dentro de sua cabine de trabalho, na estação República, quando encerrava seu expediente. Necessário atentarmos para o fato de que quanto mais precarizado o serviço, mais ele é ocupado por mulheres, que estão sujeitas a situações como esse absurdo que ocorreu na estação República.
Há quem diga que diante dos 14 milhões de desempregados no Brasil, não se pode reclamar de baixos salários, que é melhor ganhar pouco e trabalhar sob péssimas condições do que não trabalhar. No entanto, essas características do serviço terceirizado, os baixos salários e as péssimas condições de trabalho não são específicas dos momentos de crise econômica e ampla taxa de desemprego. Nos momentos de crise, essas características ficam mais agressivas e os defensores da terceirização as justificam pela crise. Mas a terceirização é uma avalanche no Brasil desde os anos 90, passando, portanto, por momentos de crise e crescimento da economia do país.
Terceirização é ineficácia
Neste mesmo final de semana de implementação das bilheterias terceirizadas, foi possível ver a ineficácia deste serviço. No sábado, dia 24, por volta das 16h, na estação Largo Treze na Linha 5, os bilhetes acabaram na estação. Foi necessário fechar o guichê e quem não tinha Bilhete único ou cartão do idoso, não podia embarcar. Ao começar a encher a estação de usuários, os funcionários do metrô começaram a liberar a passagem. Veja, no vídeo, a situação.
Esta irresponsabilidade é típica da lógica privada que busca apenas lucrar, independentemente da qualidade do serviço oferecido. Além disso, acarretou um grave problema para os trabalhadores do metrô, que é a cara da empresa perante a população. A cara dos seus méritos, mas principalmente, a cara de seus problemas. Não são poucas as histórias de agressões aos funcionários das estações por parte de usuários que ficam corretamente indignados com a má qualidade do serviço, mas infelizmente, descarregam sobre trabalhadores que são também vítimas desse desmonte.
Resistir contra a terceirização e a privatização: dia 30, é greve geral
Na madrugada do dia 23 para o dia 24, uma delegação de diretores do Sindicato dos Metroviários e ativistas da categoria realizaram um ato na estação Capão Redondo para impedir a implementação da Bilheteria terceirizada. A chefia do Metrô chegou a chamar Agentes de Segurança para impedir a atividade do Sindicato, mas os funcionários da Segurança também são contrários a terceirização, inclusive porque o serviço de segurança é também forte alvo da terceirização, e se recusaram a atuar, o que acabou somando força à atividade.
Episódios como esse estão ameaçados de acontecer em várias outras estações do Metrô e é preciso potencializar a resistência demonstrada neste final de semana. A ameaça de terceirização existe sobre todas as linhas do Metrô. A Linha 5 foi a pioneira porque é exatamente esta linha que pode passar a ser gerida pela iniciativa privada a partir do dia 4 de julho, quando vai acontecer um pregão eletrônico na Bovespa para entrega da Linha 5.
Nesta semana, temos uma tarefa decisiva que é a construção da greve geral. Esta greve tem a tarefa de derrotar as reformas do governo Temer e a lei terceirização, aprovada pelo Congresso e sancionada por Temer. Podemos e devemos demonstrar nossa força e nossa indignação com a destruição do serviço metroviário que a terceirização e a privatização promovem. Resistir é a única solução.
*Camila Lisboa é bilheteira da estação Marechal Deodoro, demitida na greve de 2014.
**Letícia Alcântara é bilheteira da estação Tietê e representante na CIPA da Linha 1 – Azul do metrô.
Créditos do vídeo: filmado por Narciso Soares, operador de trem da Linha 5 e diretor do Sindicato dos Metroviários
Comentários