Por: Lucas Marques e Victor Sampaio, coordenadores do CACH (Centro Acadêmico de Ciências Humanas) da UNICAMP
Atualmente, há uma discussão entre setores da esquerda radical sobre qual seria a melhor saída para esta conjuntura. Em meio às discussões, acreditamos que é preciso aprofundar as reflexões sobre o porquê a campanha pelas ‘Diretas, Já’ é a melhor saída a ser defendida pela esquerda. Para argumentar o porquê de acharmos essa saída a melhor proposta, faremos este debate rebatendo algumas ideias e colocações:
“Diretas Já é uma saída de estabilidade do regime e aplicação das reformas”
Sobre isso, achamos necessário aprofundar as táticas com relação à defesa das ‘Diretas, Já’. Há duas táticas colocadas: a defesa das ‘Diretas, Já’ como um fim e a defesa das ‘Diretas, Já’ como um meio. E isso pode parecer pouco importante, mas é um debate complexo e essas posições mudam completamente o debate.
Essa afirmação de que as ‘Diretas, Já’ é uma saída de estabilidade do regime e aplicação das reformas, faz sentido se formos pensar na defesa das Diretas como um fim em si mesmo, ou seja, há eleições diretas e isso fecha o ciclo de revoltas, atos e greves pela população.
Porém, se pensarmos e levantarmos as Diretas como um meio, ou seja, uma bandeira que agita a classe trabalhadora, não podemos dizer isso, pois vendo a campanha pelas diretas sob uma perspectiva de meio, ela é uma tática para mobilizar a classe. Mais de 90% da população deseja eleições gerais e ‘Diretas, Já’, logo, não podemos desconsiderar que esse é um sentimento massivo dos trabalhadores.
Se, a partir da mobilização, conseguirmos eleições diretas, isso não vai significar o fechamento do ciclo de mobilizações, mas sim vai abrir na conjuntura um período de novas contradições no regime. Por isso, esse debate é estratégico e precisamos ter cuidado para não fazer análises simplistas, como: “defesa das Diretas = querer a volta da estabilidade e continuação das reformas”. Depende muito da maneira que a gente consegue se apropriar dessa pauta e usar ao nosso favor.
Neste caso específico, a saída das ‘Diretas Já’ é um meio para mobilizar a classe, a partir de uma consigna que tem enorme valia política no momento que atravessamos no país.
“PT, PSB, PDT, REDE, até o FHC defendem Diretas Já. Isso mostra como é uma saída que não contempla a classe trabalhadora”
PT, PSB, PDT, REDE e até o FHC defendem a ‘Diretas Já’ como um FIM, e não como um MEIO. São perspectivas diferentes que levam a desdobramentos completamente diferentes. Uma coisa é defender ‘Diretas Já’ com a confiança de que o próximo presidente voltará com a estabilidade do regime e a aplicação das reformas, outra coisa é ver as ‘Diretas Já’ como um sentimento das massas que pode ser utilizado para testar o regime.
Explicando melhor: a consigna ‘Diretas Já’ consegue mobilizar as massas por ser uma pauta praticamente consensual entre a classe trabalhadora. É tarefa nossa perceber isso, ver as ‘Diretas Já’ como algo palpável que consegue mobilizar a classe trabalhadora e ter em mente que essa mobilização não se fecha com as Diretas pois, se a partir da organização da classe, conseguirmos essa vitória, é possível avançar na consciência de classe e mostrar outras contradições do regime, do tipo: “Ué, lutamos pelas Diretas; e ainda estamos em crise. Qual será a saída?”. Por isso, as ‘Diretas Já’ como um meio, pois é uma bandeira e pauta da qual se apropria para mobilizar e conseguir avançar na consciência de classe.
Vale lembrar que setores majoritários da burguesia e partidos da ordem estão organizados pela saída via eleições indiretas. Justamente para evitar o debate sobre as reformas, que pode ser colocado. Dificilmente um candidato ganharia uma eleição defendendo, na prática, o fim da aposentadoria.
Por que a Assembleia Constituinte é limitada nesse momento?
Bom, por duas questões principais: uma é tática e a outra é a análise da realidade. A tática é o seguinte: atualmente, a pauta da ‘Diretas Já’ conseguiu capitalizar o sentimento das massas.
Conversando com amigos e familiares que não são da bolha universitária, a rejeição ao Temer e a defesa de novas eleições é praticamente um consenso. É um sentimento legítimo e, nesse sentido, ‘Diretas Já’ não gira somente em torno do PT, mas é algo capitalizado e sensibilizado pela classe trabalhadora em geral, um sentimento democrático.
Tendo em vista essa correlação de forças, este sentimento das massas, e vendo a influência que setores da esquerda, como algumas correntes do PSOL, PSTU, PCB e MRT não possuem na política brasileira, a defesa de outras pautas não consegue dialogar ou influir no debate político mais geral.
Uma parte da esquerda socialista, ao não levantar ‘Diretas Já’, fica isolada na resposta das saídas da esquerda. E defender as ‘Diretas Já’ como uma mediação e não defender como um fim (igual defende PT, PSB, REDE e PDT), é uma tarefa importante da esquerda socialista. Não podemos não nos dar a tarefa de disputar essa pauta, de ver um meio a partir do qual podemos levar a novas contradições do regime.
A defesa da Assembleia Constituinte se tornou uma política isolada, tanto que é defendida pelo MRT desde meados de 2015, antes do golpe. Não é bem peculiar e estranho a conjuntura nacional sofrer tantas mudanças, ter uma dinamicidade incrível, e a defesa da Assembleia Constituinte ser uma solução desde 2015, até mesmo antes do golpe?
Isso pode apontar que esta saída defendida não dialoga com a realidade, com os anseios da classe trabalhadora que quer eleições gerais, não é uma saída apontada para a conjuntura específica em que vivemos. O fato de ser a mesma consigna desde 2015 é mais uma das provas de que esta política tem um caráter propagandístico e não é uma saída para a ação, muito embora aqueles que defendam a Constituinte tentem fazer com que pareça dessa forma.
A tática não pode ser colocarmos uma saída idealista, mas sim, a partir de uma pauta que sensibiliza a classe (Diretas Já), darmos um outro rumo para ela, uma mediação na luta contra as reformas.
A classe não está, ainda, organizada em suas bases, com uma consciência de classe avançada no sentido de ser uma “classe para si”. Precisamos ter um mínimo esforço de, a partir da realidade concreta, darmos uma saída que coloque a classe em movimento e abra novas contradições para o regime, até porque, a revolução se dá num processo de mobilização permanente e necessita de uma direção política, que não existe hoje.
Por isso, tendo em mente que ‘Diretas Já’ consegue e pode sensibilizar e mobilizar os trabalhadores, é a pauta que mais dialoga, minimamente democrática. É tarefa da esquerda socialista defendê-la como mediação. Precisamos sair do isolamento, da marginalidade política, que é, infelizmente, um legado e característica do trotskismo nas últimas décadas, e através do que está dado, da realidade concreta, nos apropriarmos do movimento, mostrando outras formas de enxergar e encarar essa bandeira.
‘Diretas Já’ não é algo dado
Encarar as ‘Diretas Já’ como algo dado é bem problemático. É um pensamento simplista, pois não será algo fácil arrancar; e caso consigamos, seria uma grande vitória da classe. Além disso, o processo de eleições diretas abre mais uma possibilidade para a disputa de um programa de esquerda e socialista. E caso aconteçam eleições diretas e o Lula seja eleito, a pergunta a ser feita é: Isso realmente faz com que o ciclo de mobilizações se feche? É uma resposta difícil de ser respondida, mas acreditamos que não, porque:
-O Lula tem um aparato gigantesco, sim, isso é fato. Mas por outro lado, é preciso pensar que em 2016 houve um golpe que enfraqueceu o PT. Estamos vivendo um período pós-golpe. E segundo, o Lula tem sim um sentido pró-massas, mas o Lula tem rejeição também. O mesmo Lula de 2002 não é o Lula de agora; então falar que caso ele seja eleito, isso fecha o ciclo de mobilizações, é uma questão que precisa ser complexificada.
-A luta contra as reformas deve continuar. A objetividade da crise econômica pressiona pelo ajuste, a classe seguirá sendo atacada e precisará responder. Isto avança na experiência com o PT que, em nossa opinião, está inconclusa por ter sido interrompida pelo golpe parlamentar. As grandes chances de Lula ser eleito fortalece esta tese.
-É possível avançar na construção de uma alternativa política no seio da luta pelas diretas e contra as reformas, apresentar nas uma candidatura unificada para as eleições, que seja antiajuste e que levante um programa para a crise, a partir da formação de uma frente de esquerda socialista, que reivindique a taxação das grandes fortunas, reforma urbana e agrária, redução da jornada de trabalho sem redução de salário, estatização das empresas que roubaram o Brasil, congelamento e auditoria da dívida pública!
Uma síntese entre a consciência e as necessidades da classe trabalhadora
A síntese dos eixos “Diretas Já” e “Contra as reformas” permite encadear um sentimento democrático geral da classe com uma luta necessária. Ligar o econômico com o político de forma a permitir saltos de consciência.
O grande desafio da esquerda brasileira é conseguir se apresentar como alternativa à esquerda do PT, apenas assim podemos avançar sobre o abismo que existe entre as condições objetivas da realidade e a imaturidade subjetiva da classe trabalhadora.
É preciso entender a necessidade urgente da unidade de ação na conjuntura em que vivemos. Não é possível haver qualquer confiança nas direções vacilantes do movimento pelas diretas, compor este movimento não significa não denunciar e fazer luta política contra a burocracia. Por outro lado, sabemos que setores de massas tem referência nessas direções e não podemos deixar que elas capitalizem sozinhas as pautas democráticas, não podemos abandonar estes grandes setores da classe à sua própria sorte.
A unidade de ação permite acesso a essas bases e sua disputa no sentido de pressionar sua direção. Denunciar no isolamento não permite esta disputa. No movimento pelas diretas não existiram, até o momento, restrições políticas que justifiquem não fazer esta unidade, muito menos seu combate, dado que todas as nossas forças devem estar voltadas para a derrubada de Michel Temer e as reformas. Tem sido possível agitar a greve geral e a luta contra as reformas.
É injustificável a divisão do movimento de massas neste momento, a luta deve ser “Greve geral para derrubar Temer, derrotar as reformas e impor diretas já para presidente e para o congresso”.
Foto: Diretas Já
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