As mobilizações não cessam no Marrocos e o regime segue prendendo ativistas. Segundo a imprensa de língua francesa, 116 pessoas foram detidas pelos serviços de segurança. Além da importância da luta no país, é importante assinalar que os berberes ou mazighs como gostam de ser chamados, distribuem-se em vários países do Norte da África e há tradição de lutas conjuntas. Não por acaso, já houve manifestações de solidariedade em cidades da Argélia. E também houve manifestações entre os milhões de marroquinos e seus descendentes que vivem na Europa. Publicamos a tradução de artigo de Revolution Permanente sobre as mobilizações naquele país, com centro na região do Rif, mas que se estenderam às grandes cidades do país, inclusive a capital, Rabat (Editorial Internacional)
Tradução de Boris Vargaftig.
Desde fins de outubro 2016, os marroquinos da região do Rif (nordeste do pais) se vêm mobilizando por melhores serviços públicos, o fim da corrupção do Estado e sobretudo trabalho para todos e todas. Diante da prisão do lider do movimento na semana passada, grandes manifestações ocorreram no país, particularmente em Rabat, a capital.
Um movimento de fundo contra o desemprego, a pobreza e a falta de equipamentos.
Na origem do movimento de protesto no Rif, a morte de um vendedor ambulante de peixes em 29 de outubro de 2016, esmagado dentro de um container de lixo após a apreensão pelas autoridades de 500 gramas de peixe do trabalhador. A morte trágica de Mouhcine Fikri em Al-Hoceima, a cidade portuaria do Rif, fez explodir a cólera dos marroquinos, que protestavam contra este crime de estado e denunciavam a Hogra, o arbítrio do poder marroquino.
Não é entretanto somente contra o poder do rei do Marrocos, Mohammed VI, que os habitantes se mobilizam há já sete meses : o Rif, região enclavada do nordeste do Marrocos, única fachada do país no Mar Mediterrâneo, sofre há muitos anos de gritante falta de infra-estruturas e, sobretudo, de uma taxa de desemprego muito elevada, especialmente entre os jovens : não há trabalho, não há universidades, poucos serviços de saúde, a região é simplesmente « sub-desenvolvida », como o explica Nasser Zefzafi, uma das figuras do movimento, hoje na prisão. Atrás desse movimento popular, é o espectro de uma derrubada do poder que inquieta o rei: em 2011, durante a « primavera arabe », ocorreu o sacrifício de um jovem vendedor ambulante, Mohamed Bouazizi, que se havia incendiado e assim provocado a queda de Moubarak. Naquela época, o poder de Rabat prometia uma constituição para neutralizar o movimento que ocorreu em todo país; após seis anos, nada mudou e o Makhzen, o poder real, continua tão autoritario [quanto antes]; é também contra a sua corrupção que luta a população do Rif, com numerosos outros marroquinos.
Ampla onda de solidariedade em todo o país após a prisão do lider do movimento
O Hirak, movimento contestatário que agita a região, ganhou uma tom totalmente diverso nas ultimas semanas, após uma intensa campanha de calúnias do Estado marroquino contra Nasser Zefzafi, acusado alternativamete de ser um agente do auto-denoninado Estado Islâmico, um agente separatista ou ainda um agente da Argélia. O líder do movimento foi preso pelas autoridades marroquinas. A razão oficial de sua prisão : ter interrompido a oração de um imã em Al-Hoceima, que acusava o movimento de « incentivar a fitna (discórdia) entre os crentes … e de arrastar o país ao caos ». Essa prisão é sobretudo política, como o é a de quase 86 de seus camaradas detidos por motivos diversos. A razão de sua própria prisão é aliás clara : foi enclausurado por « atentar à segurança do Estado ».
Face ao arbítrio mais do que nunca desmascarado do Makhzen, dezenas de milhares, ou mesmo, segundo as fontes, centenas de milhares, desfilaram no Marrocos inteiro; em Rabat, capital do país, a manifestação em solidariedade ao Hirak do Rif reuniu, segundo o Partido Justiça e Caridade, quase um milhão de pessoas. Na manifestação, foram erguidas pelos manifestantes faixas e cartazes com « Viva o povo », « Liberdade, dignidade, justiça social », « Liberem os presos » e « Viva o Rif ». Um coletivo formado pelas familias dos detidos foi criado para liberar os 86 presos políticos.
Na véspera da visita de Macron ao Marrocos, o silêncio cúmplice das autoridades francesas
Estas manifestações, que se estendem por todo o país, embaraçam o rei do Marrocos, Mohamed VI, a poucos dias da vinda de Emmanuel Macron. De fato, em sua primeira visita como Presidente da República no Maghreb, o novo presidente escolheu o Marrocos, numa visita « estritamente pessoal » cujo único objetivo é permitir aos dois chefes de Estado de se conhecerem mutuamente, segundo declararam os conselheiros do chefe de estado. Este encontro conforta o rei do Marrocos (que a televisão BFM-TV apresenta agora como « o presidente do reino marroquino ») em sua postura repressiva, o poder francês não tendo proclamado solidariedade alguma com o movimento em curso. Este silêncio aparece como um apoio ao regime estabelecido, aliado da França. Nenhuma reação também contra a proibição da rede de televisão pública francesa France 24 de cobrir os acontecimentos no território do Marrocos, acusada pelo poder real de não ser « neutra » em sua cobertura da mobilização do Rif. A rede foi acusada de entrevistar Nasser Zefzafi e de « propagar falsas informações ». Visivelmente, os atentados à liberdade de imprensa não perturbam o novo locatário do Eliseu.
O Rif, uma região de resistência heróica contra a colonização francesa e, a seguir, contra o Makhzen
O que inquieta o poder de Rabat é o potencial explosivo da região do Rif, que ao longo do século XX foi foco de levantes dos quais a população ainda se recorda. Assim, entre 1921 e 1926, numerosas tribus do Rif se rebelaram contra o colonisador espanhol, que possuia um protetorado nesta zona do Marrocos (o resto estava dividido entre o protetorado francês e as colônias espanholas do Saara Ocidental). Os habitantes enfrentaram as tropas espanholas (de 1921 a 1926) e francesas (a partir de 1926) e tentaram instalar um poder independente das potências coloniais, a República do Rif, que se manterá durante cinco anos, derrotando por várias ocasiões as tropas espanholas, até que em 1921, na batalha de Anoual, os espanhóis perderam 12.000 homens, o general que os comandava se suicidou por vergonha.
Somente o apoio do exército francês e da jovem aeronautica, que utilizou gazes de mostarda para dobrar os habitantes, faria o império colonial espanhol absorver o Rif. O general e presidente do Rif Abdelkrim El Khattabi, que conduziu este movimento, é uma figura histórica do Rif, reivindicada notadamente por Nasser Zefzafi.
As resistências do Rif não se limitaram às lutas contra os colonos francesas e espanhois. Desde a independência em 1957, uma revolta estourou no Rif, com reivindicaçoes semelhantes às de hoje : é a marginalização da região que está em causa. Os habitantes reclamam o retorno de Abdelkrim, uma melhor representação politica e uma redução dos impostos. O futuro rei do Marrocos Hassan II reprimiu duramente a revolta, que sucumbe no sangue. Após menos de vinte anos, em janeiro de 1984, ocorreu novo levante contra o rei do Marrocos, contra o aumento dos custos escolares e dos preços dos alimentos. Este « levante da fome », como é frequentemente designado, se concretizou em greves e ocupações de estabelecimentos de ensino, mas foi liquidado também com uma forte repressão cujo número de vitimas é desconhecido até hoje, mesmo se a descoberta de fossas comuns, particularmente perto da caserna de Taouima, sugere a existência de centenas de vitimas. Hoje, é este potencial explosivo que o rei tenta apagar, eliminando a cabeça do movimento com uma repressão feroz.
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