Por: Fernanda Mallak, de São Paulo, SP
A Ocupação Mauá tem vivido dias de luta e resistência. Situado na Rua Mauá, em frente à Estação da Luz, o imponente imóvel, antigo Hotel Santos Dumont (abandonado por seus proprietários e degradado), foi ocupado em 25 de março de 2007 por militantes do movimento de luta por moradia e hoje abriga aproximadamente 300 famílias de trabalhadoras e trabalhadores.
Após dez anos de existência, as famílias sofrem com o risco iminente de despejo, após a determinação de reintegração de posse por parte do juiz Carlos Eduardo Borges Fantacini, da 26ª Vara, inclusive com “reiterada autorização para arrombamento e emprego da força policial”. O protagonismo do Judiciário em resolver conflitos sociais tem manifestado a sua verdadeira cara: majoritariamente formado por homens, brancos, da elite brasileira. Vale ressaltar que o salário de juízes no Brasil é um dos maiores no mundo.
Tem mostrado também os seus verdadeiros valores, afinal a quem esse Poder vem servindo? De fato não à população sem teto, aos desempregados, trabalhadores superexplorados, imigrantes, refugiados. Orientado por uma lógica de manutenção de privilégios, defende a intocável propriedade privada, mesmo que esta tenha sido completamente abandonada por seus proprietários, não cumpra função social da propriedade e tenha dívidas milionárias.
No caso da Ocupação Mauá, a arbitrariedade do que chamamos de “Justiça brasileira” fica evidente. Como devolver a posse a quem já não tem mais direito à posse, haja visto que o proprietário abandonou o prédio há mais de vinte anos e hoje as dívidas para os cofres públicos passam o valor de R$ 2,8 milhões? Retirar a moradia de centenas de famílias, que deram um novo sentido ao velho e abandonado prédio da Rua Mauá, soa como forma de “apagar os rastros” (parafraseando Brecht) dessa gente destinada a transitar pelas cidades, pois não são desejadas nesse espaço que se transformará a “Nova Luz”.
Essa limpeza social na região da Luz faz ainda mais sentido quando assistimos ao terror das operações na chamada “cracolândia”, marcadas pela truculência policial, internação compulsória de dependentes químicos, interdição e demolição dos imóveis (inclusive com pessoas dormindo dentro). A ideia é justamente expulsar tudo e todos que não combinam com a nova realidade da região.
As peças do quebra cabeça começam a fazer sentido. O prédio está inserido no perímetro do projeto da Prefeitura de São Paulo, que contará com grandes intervenções urbanísticas na região. Diante do potencial econômico que este lugar representa, não é surpresa que tantos instrumentos, inclusive dentro do Judiciário, fossem utilizados em prol da manutenção dos privilégios da classe dominante. Estamos falando de investimentos imobiliários de altíssimos valores. E para quem? Para a elite paulistana poder voltar a transitar pelos grandes boulevards, tomar um café em algum canto gourmet, frequentar os centros culturais e grandes prédios imponentes.
Em uma atmosfera de resistências, os moradores da Ocupação Mauá seguem lutando pelo direito à moradia, sobretudo pelo direito a permanecer naquele espaço. Aproveitamos para convidar todas e todos para, no próximo sábado (24), a partir das 15h, comparecerem ao grande festival cultural Okupa Mauá Okupa, que abre o grande pátio comunitário da Ocupação Mauá. A população em geral poderá conhecer e compartilhar um pouco do dia a dia das famílias que vivem ali neste grande encontro regado a muita música, poesia, grafite e teatro. O festival é uma celebração de luta e união, mas também um apelo coletivo para que não se cumpra este decreto que representa o fim do sonho das famílias que serão colocadas na rua.
Foto: Ocupação Mauá | Por: Projeto Mauá 340
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