Por: Editoria Internacional
Este artigo foi escrito por Ilan Pappe para o site Electronic Intifada, no dia 06 de junho. Trata-se de mais uma contribuição do conhecido historiador israelense e ativista do movimento de solidariedade com a causa palestina. O momento em que o publicamos coincide com o triste aniversário do final da Guerra dos Seis Dias, de junho de 1967, em que Israel finalmente realizou seus planos de ocupar o conjunto da Palestina. Desde então, procura administrar este plano, juntamente com a discriminação – e quando possível expulsão – mais brutal contra o povo nativo da região, como o fez desde que a começaram a colonizar no início do século XX. Segue:
Em junho de 1967, eu tinha 12 anos de idade. Recordo-me de ter ajudado a encher sacos de areia para fortificar a entrada de nossa casa em Haifa, em preparação para a guerra. O exército já estava preparado para a guerra e o Israel oficial aterrorizava sua sociedade e seu apoiadores ao redor do mundo, como o fizeram os lideres sionistas em 1948, com alertas sobre outro Holocausto.
Recentemente, terminei de escrever um livro sobre esse período, The Biggest Prison on Earth: A History of the Occupied Territories (A maior prisão na Terra: Uma história dos territórios ocupados, em tradução livre) .
Por meio do trabalho para esse livro, eu me dei conta que a manipulação israelense do medo dos judeus em 1967 foi ainda mais cínica do que foi em 1948, quando a liderança judaica não poderia genuinamente prever os resultados de sua decisão de realizar a limpeza étnica da Palestina.
As reuniões do gabinete de governo revelam um grupo de políticos e de generais que, desde 1948, procuraram uma forma de retificar o que consideravam o pior erro da vitoriosa “guerra de independência”: a decisão de não ocupar a Cisjordânia.
Em 1948, a Cisjordânia foi deixada em mãos jordanianas devido ao acordo de entendimento tático entre a liderança sionista e o Reino Hashemita, tão eloquentemente descrito pelo historiador Avi Shlaim em seu livro Cumplicidade ao longo do rio Jordão.
O lobby da ocupação
Houve um lobby especifico em Israel, pressionando o governo em várias conjunturas históricas para achar um pretexto para ocupar e anexar a Cisjordânia. Era composto por ideólogos que consideravam a Cisjordânia como o coração da antiga pátria, sem a qual ela não poderia sobreviver, e por estrategistas que acreditavam firmemente que o Rio Jordão era o baluarte natural no caminho dos exércitos invasores do Leste.
Eles quase tiveram um triunfo por duas vezes antes de 1967. Em 1957, o pretexto foi a possível “radicalização” da Jordânia. Os EUA vetaram tal ato. Em 1960, as ameaças de Israel contra a Síria e as constantes fricções no Norte criaram uma cadeia de eventos que lhe deram outra oportunidade.
O plano se desenvolveu em 1960, como ocorreria em 1967. A tensão no Norte levou ao presidente Gamal Abdel Nasser a reagir, despachando tropas para o Sinai e fechando a rota marítima para Eilat, que leva ao estreito Golfo de Aqaba.
Em 1960, foi o Primeiro-Ministro de israelense David Ben-Gurion quem evitou que a crise se transformasse em uma guerra ou em um pretexto para ocupar a Cisjordânia; após arquitetar a expulsão de mais de 750.000 palestinos em 1948, ele não tinha nenhum desejo de incorporar mais um milhão e meio deles a Israel.
Uma guerra preventiva
Ben-Gurion foi destituído da vida política relevante em 1963. Naquele ano, os preparativos para uma possível ocupação tanto da Cisjordânia como da Faixa de Gaza foram intensificados. No transcurso dos quatro anos seguintes, o exército preparou planos detalhados para a futura ocupação desses territórios.
Não temos acesso aos planos militares, mas temos acesso aos planos jurídicos que foram elaborados de 1963 em diante, detalhando como governar as vidas de milhões de palestinos: juízes militares em espera, conselheiros jurídicos, governadores militares e dirigentes e uma sólida infraestrutura jurídica para dirigir a vida desde o primeiro momento da ocupação. As informações sobre a possível resistência e seus líderes foram apropriadamente coletadas para que um rápido controle se desenvolvesse desde o começo da ocupação.
E o momento não demorou para chegar. A retorica e as ações de Israel contra a Síria se intensificaram em 1966 e em 1967.
A inevitável próxima crise ocorreu em maio de 1967. O lobby pela Grande Israel, que incluía a maioria dos generais do exército e os jovens ministros do Partido Trabalhista, estava determinado a não deixar escapar a oportunidade. Como em todo conflito desenfreado, havia múltiplos pontos de saída. Nasser seguiu em 1967 a mesma política que ele seguiu em 1960. Ele, assim como a União Soviética, com quem era aliado, levou a sério as ameaças israelenses de atacar a Síria e ele queria reabrir a questão palestina.
Infelizmente, como em 1948, a retórica de guerra do Egito não equivalia à sua capacidade ou aos seus preparativos militares, Pior era a situação do Rei Hussein da Jordânia. Quando Israel atacou a forca aérea egípcia na manhã de 5 de junho de 1967, ele ainda tinha a esperança de que uma retaliação simbólica (à que ele tinha se comprometido em seus acordos de defesa com o Egito e a Síria) o teria inocentado da alegação de traição e salvo a Cisjordânia. Ele estava equivocado em ambos os casos.
A guerra era evitável. No entanto, a elite política e militar se certificou de que todos os pontos de saída seriam bloqueados e nenhum se manteria no caminho para cumprir a visão sionista de judaizar o conjunto da Palestina histórica.
Um plano executado
O colapso total dos exércitos árabes que possibilitou que Israel chegasse até mesmo ao Canal de Suez e quase ocupasse Damasco foi um bônus que os israelenses não previram. Mas a ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza foi um plano executado: não foi o resultado aberrante de uma guerra exitosa.
Os planos de ocupação dos anos prévios capacitaram Israel a instalar seu governo militar sobre a Cisjordânia e Gaza imediatamente após a guerra. O sistema já tinha sido exitosamente imposto sobre a minoria palestina em Israel – aqueles palestinos que tinham sobrevivido à limpeza étnica duas décadas antes e que permaneceram dentro do “estado judaico. ”
Agora o sistema e as pessoas que o operavam foram transferidos para dominar um novo grupo de palestinos. A nova versão foi ainda pior: foi construída sobre o poder absoluto do exército para controlar todos os aspectos da vida, violando nesse processo direitos humanos e civis básicos.
Os meios para manter essa dominação mudaram, mas ela ainda está intacta e não há intenção de acabar com sua existência.
Este ano, outra geração dessa burocracia maligna começou seu mandato para operar o sistema. Ela foi resistida pelos palestinos, incluindo na forma de revoltas, intifadas, que começaram em 1987 e em 2000, e ainda será resistida. Mas o sistema internacional não condenou a ocupação de forma suficiente para leva-la ao fim.
Aderindo à ocupação
Imediatamente após a guerra, Moshe Dayan, o ministro da defesa, abriu a Cisjordânia para os israelenses.
Aderimos a ela como uma família. Nossos guias eram da “Sociedade de Exploração de Israel, ” fundada em uma tentativa de substanciar a reivindicação sionista sobre a Palestina em base a achados arqueológicos.
Com tais guias, podia-se ver o que alegadamente teria ocorrido milhares de anos atrás, mas não se via o presente. Enxergam-se ruinas antigas, ao mesmo tempo em que se ignora a humanidade ao seu redor. Os primeiros sionistas, antes do estado, foram conduzidos em um tour similar quando chegaram à “terra sem povo. ”
O ano de 1967 tornou-se a conclusão de 1882, a data da primeira colônia sionista na Palestina. Mas, agora, erai a colonização de luxo feita por um estado judaico poderoso e rico.
A destruição de Qalqilya, a expulsão dos refugiados dos campos de refugiados próximos de Jericó e a limpeza étnica de Jerusalém foram eventos sobre os quis eu só li mais tarde, ainda que eles eram visíveis a nós quando caminhávamos pela Cisjordânia como um exército de turistas “resgatando” nossa antiga pátria.
A elite militar e política já em junho de 1967, seja a de esquerda ou a de direita, considerava a Cisjordânia – alguns inclusive a Faixa de Gaza – como uma parte integral do futuro Israel. O debate era como alcançar isso sem a censura internacional, e em particular dos EUA, e sem garantir a cidadania aos milhões de palestinos que lá viviam.
Esta é a razão pela qual a colonização da Cisjordânia e da Faixa de Gaza começou muito cedo, permitindo que Israel anexasse de facto qualquer parte dos territórios que desejasse. Essa anexação foi feita por meio da confiscação de terras palestinas e, quando necessário, de expulsões.
Os enigmas de Israel
Dois enigmas foram utilizados para ajudar a hipnotizar o mundo e não levar em conta a estratégia concreta israelense. Como um adolescente, fiz parte ativa do primeiro e como um jovem estudante do segundo.
O primeiro foi o enigma de um debate interno em Israel entre os que se autodenominavam “redentores” e “custodiantes”, também conhecidos como uma divisão entre a direita e a esquerda na sociedade israelense. A direita afirmava que a Cisjordânia e a Faixa de Gaza foram “resgatadas” e deveriam ser anexadas, a esquerda, que elas estavam sob custódia até que se concluísse a paz.
Até então, ambos os campos concordavam sobre a “unificação de Jerusalém” – uma cidade cujos limites Israel expandiu profundamente dentro da Cisjordânia enquanto colonizava mais território –assim como no Vale do rio Jordão – e mantinha os palestinos sob governo militar.
Como um jovem, assim como muitos no mundo que deveriam saber melhor, eu acreditava genuinamente que esse era um debate ideológico sobre guerra e paz.
Também aceitei o segundo enigma que era manipulado das alturas: o “processo de paz. ” A principal mensagem de Israel era que suas ações eram temporárias, mesmo quando colonizava vastas áreas dos territórios ocupados e que suas violações de direitos humanos básicos eram necessidades de curto prazo que acabariam quando a paz chegasse.
O processo não avançou para nenhum lado, e quando se moveu, em 1993 vimos que – com a “conquista” dos Acordos de Oslo entre Israel e a Organização de Libertação da Palestina – na verdade o fez para trás.
No entanto, ele forneceu tempo e imunidade para solidificar a estratégia de aprofundar a colonização por meio de fatos irreversíveis no terreno.
Os “custodiantes” ingênuos como eu foram os que foram enviados ao exterior para vender o “processo”. Eu estava inclusive pronto para representar o movimento Paz Agora, o principal movimento custodiante extraparlamentar da esquerda, ao mesmo tempo em que continuava meus estudos de doutorado no Reino Unido (ainda que eu tenha sido dispensado do grupo muito cedo por me reunir abertamente com representantes da OLP em Londres quando isso era proibido).
De fato, essas reuniões me ajudaram a despertar para os contextos históricos e ideológicos mais amplos das ações de Israel em 1967 e posteriormente.
Do exterior, ironicamente, era muito mais fácil ver diretamente a inumanidade e sofrimento que o sionismo causou nesse século na Palestina. Foi uma despedida para mim da esquerda sionista.
Uma questão delicada
Por cinquenta anos, a esquerda sionista tem sido, infelizmente, a força em que a comunidade internacional se baseia para chegar à paz. No entanto, a maioria dos israelenses pararam de considerar a primeira artimanha em relação à diferença entre esquerda e direita – cada um com a sua desculpa ou explicação.
Muitos deles acreditam que não há mais necessidade de utilizar a segunda artimanha. O Israel oficial não mais se preocupa em como evitar o rechaço internacional.
A implementação do genocídio incremental contra os palestinos em Gaza não comoveu as potências do mundo e a contínua colonização da Cisjordânia e o cerco da Faixa de Gaza continuam sendo a melhor maneira de Israel cumprir a visão de uma Grande Israel. Enquanto os líderes israelenses não sofrerem consequências irão continuar sua visão de um Grande Israel.
Se esta visão pode ser implementada por meio da partilha da Cisjordânia em bantustãos – enclaves ao estilo do regime do apartheid sul-africano em que os palestinos têm autonomia nominal, mas não controle real – isso também está bom aos olhos do eleitorado judaico. (Essa é a razão pela qual os defensores otimistas dos dois estados podem citar uma e outra vez os altos índices de pessoas em Israel que dizem que acreditam em uma solução de dois estados e mesmo assim votam majoritariamente em partidos que se opõem a ela.)
Então, por que o mundo ainda está aceitando o enigma? Para leitores regulares desta publicação, as respostas são claras e não é preciso repeti-las.
Mas, neste momento de recordação, queremos nos dirigir às pessoas que consideramos decentes e informados como nossos amigos – aqueles amigos e companheiros que ainda falam sobre a solução de dois estado, o “campo da paz” israelense e sobre a “paz dos valentes” – e gentilmente perguntar a eles quanto tempo eles irão aceitar a artimanha, enquanto a realidade da colonização e da opressão se torna mais dura dia a dia e somente pode ser detida quando o maior número de pessoas possível der crédito para a verdade.
Autos de numerosos livros, Ilan Pappe é professor de história e diretor do Centro Europeu de Estudos sobre a Palestina na Universidade de Exeter.
Foto: refugiados palestinos continuam a cruzar o rio Jordão depois que a Ponte Allenby entre a Jordânia e a Cisjordânia tinha sido bombardeada no dia 8 de junho, o quarto dia da guerra de 1967. Crédito: UNRWA
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