Pular para o conteúdo
BRASIL

Audiência pública escancara encarceramento em massa, no estado do Rio de Janeiro

Por: Igor Dantas, do Rio de Janeiro, RJ

No dia 30 de maio ocorreu, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), uma audiência pública sobre a situação do encarceramento no estado. A audiência, que foi promovida pela Comissão de Direitos Humanos da ALERJ e presidida pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), reuniu uma série de órgãos, como a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP-RJ), o Fórum de Saúde do Sistema Penitenciário e organizações não governamentais, como a Frente Estadual de Desencarceramento. Também contou com a presença de egressos do sistema penitenciário e de familiares de presos.

O debate foi muito rico, e demonstrou que a situação carcerária do estado é calamitosa. As condições nas prisões estão abaixo de qualquer nível aceitável para que um ser humano permaneça. Presos estão abarrotados em celas superlotadas, insalubres, quentes e pouco arejadas. Os abusos são muitos, e o número de profissionais responsáveis por aqueles presos é bem menor do que o adequado.

O número de presos contabilizado até março deste ano era de 51.613 no estado do Rio de Janeiro, enquanto a capacidade do sistema prisional é de 28.156 vagas. Levando em consideração o atual estado econômico do estado, as perspectivas não são nada animadoras, portanto, esses alarmantes dados apontam que a situação está longe de ser solucionada.

grafico 1
Gráfico 1 – População prisional e capacidade de vagas no RJ | Fonte: (INFOPEN e SEAP-RJ apud JOFFILY e BRAGA, 2017)

Apesar da urgência de providências no que diz respeito à superlotação dos presídios, a audiência tratou de outros fatores que envolvem a questão do sistema prisional de forma mais ampla. Um deles é apontado a partir dos dados apresentados relativos ao número de prisões em flagrante no estado. Desde 2007, este índice vem crescendo acentuadamente, como podemos ver no gráfico abaixo:

Gráfico 2 – Número de prisões em flagrante e homicídios decorrentes de intervenção policial no RJ (por semestre) | Fonte: (ISP apud JOFFILY e BRAGA, 2017)
Gráfico 2 – Número de prisões em flagrante e homicídios decorrentes de intervenção policial no RJ (por semestre) | Fonte: (ISP apud JOFFILY e BRAGA, 2017)

Analisando estes dados, chegamos a mais um preocupante quadro. Desde 2016, houve pequeno decréscimo no número de prisões em flagrante, o que até poderia ser visto como algo positivo, uma possível mudança de postura nas ações de repressão. A questão é que os números dos homicídios com intervenção policial tiveram um crescimento abrupto no mesmo período, o que levanta a hipótese de que a mudança na postura tenha sido aumentar a violência e o número de mortes como ferramenta de repressão substituta ao aprisionamento (JOFFILY e BRAGA, 2017).

Infelizmente o que se vê é que o sistema não tem sido capaz de garantir os direitos mais básicos dos sujeitos envolvidos. Muitos deles são mantidos por longos períodos sem processo julgado, outros claramente vítimas de um processo enviesado e abusivo, muitas vezes sem provas, contando apenas com o testemunho dos agentes de repressão do Estado.

Nas prisões femininas a situação é ainda pior. As prisões são pensadas exatamente como as dos homens, sem contar com as particularidades da realidade das mulheres lá presentes. Há relatos de partos realizados no transporte da polícia, entre outros casos absurdos. O direito à maternidade, o fornecimento de produtos como absorventes é completamente desrespeitado, ou ignorado.

Estamos num momento do país em que operações policiais e do judiciário flertam constantemente com posturas abusivas e visando um espetáculo midiático. Juízes vistos como “heróis contra a corrupção”. Tudo isso é bastante preocupante quando vemos tantos casos de desrespeito às leis e o caráter reacionário dessas instituições. É preciso que aqueles que consideram progressivas ações de instituições como essas reflitam e as analisem como um todo, de maneira a visualizar todo esse sistema punitivo que não se mostra favorável à recuperação e ressocialização daqueles sujeitos.

Por serem considerados perigosos e, ou não respeitados, na opinião de muitos, têm seus direitos humanos negados a todo instante, sem que um debate sério sobre esse problema seja encarado de frente tanto pelo estado, como pela população. Não joguemos esse debate para debaixo do tapete. É preciso discutir e pensar em formas de combater e superar esse quadro. Iniciativas como a audiência pública são louváveis no sentido da denúncia e proposição por mudanças, no entanto, por si só não é suficiente. A luta dos trabalhadores é também a luta contra essas injustiças. Não podemos deixar que casos como o de Rafael Braga, e de tantos outros, sejam esquecidos. É preciso questionar as formas de punição, julgamento e aprisionamento existentes.

Referências:

JOFFILY, Tiago; BRAGA, Airton Gomes. Ainda a política criminal com derramamento de sangue. Empório do Direito, 2017.