Por Victor Wolfgang Kemel Amal, Florianópolis/SC
No dia 9 de maio, Donald Trump demitiu o diretor da FBI, James Comey, alegando que ele não havia investigado corretamente o escândalo que ocorreu ano passado dos vazamentos de e-mails comprometedores de Hillary Clinton e do Partido Democrata. Após alguns meses, Comey decidiu arquivar o processo por falta de evidências.
Contudo, Comey estava agora investigando a interferência da Rússia nas eleições norte-americana de 2016 e sua relação com o comitê de campanha de Trump, fato que fez sua demissão parecer um caso grave de obstrução da justiça. Essa situação piorou depois de Trump escrever no twitter que o fez não por decisão técnica, mas porque “não confiava” em Comey, contradizendo a versão oficial da Casa Branca emitida em nota.
Dia 17 de maio, Robert Mueller é indicado pelo procurador geral Rod Rosenstein para substituir Comey na direção do FBI e assumir a investigação sobre a interferência da Rússia nas eleições de 2016. Mueller foi diretor da FBI entre 2001 e 2013, e no ano de 2004, junto do próprio Comey, investigou o governo Bush sobre o programa de grampos ilegais feitos pela NSA (Agência de Segurança Nacional) . Tanto democratas quanto republicanos manifestaram concordância com a indicação por considerarem Mueller como um “independente”, fato que demonstra a politização das agências de inteligência norte-americanas.
Porém, nesse interregno de uma semana entre a demissão de Comey e a indicação de Mueller, outro escândalo envolvendo Trump e a Rússia veio à tona. No dia 15 de maio, o Jornal Washington Post revelou que, em uma reunião ocorrida no dia 10, Trump compartilhou informações confidenciais com Sergei Lavrov, chanceler russo, e Sergei Kislyak, embaixador russo em Washington, sobre um espião estrangeiro que atua como infiltrado dentro do Estado Islâmico. Além de ser uma quebra de confidencialidade, este fato é agravado por se tratar de uma operação feita por um país aliado (possivelmente ligado aos serviõs de espionagem israelenses) e compartilhadas com um país não aliado dos EUA, causando um alvoroço entre os think thanks da política externa norte-americana.
Pelo lado republicano, H.R. McMaster, que substituiu Flynn no Conselho de Segurança Nacional, diz que Trump não revelou nenhuma informação inapropriada naquela reunião. Também o chefe da maioria do Senado, o republicano Mitch McConell, saiu em defesa de Trump alegando que a mídia está fazendo caso demais.
Já pelo lado dos democratas, o chefe da minoria do Senado, Charles E. Schumer, exigiu que Trump libere imediatamente para a Câmara do Deputados e o Senado as transcrições de suas conversas com os membros do governo russo na reunião do dia 10, forçando o envolvimento do legislativo no caso.
Em meio à toda esta polêmica, o presidente da Rússia Vladimir Putin diz que pode ceder o áudio da conversa de Trump com Lavrov e Kislyak e provar que não recebeu nenhuma das informações vazadas pelo Washington Post. Contudo, esta declaração de Putin jogou ainda mais gasolina no incêndio, pois passou a se questionar como a inteligência russa foi capaz de gravar uma conversa do presidente dos Estados Unidos, dando ainda mais caldo para as denúncias envolvendo as relações escusas entre Trump e os russos.
Mas não foram apenas esses os escândalos ocorridos na última semana. Michael Flynn pediu demissão do cargo de conselheiro de Segurança Nacional em fevereiro, quando foi aberta uma investigação contra ele sobre sua relação com o governo russo. O jornal New York TImes revelou que, naquele mês, Trump pediu ao ex-diretor da FBI, James Comey, para que arquivasse as investigações contra Flynn e passasse a investigar apenas quem estava vazando informações da inteligência para a mídia. Um caso ainda mais grave de obstrução da justiça. Apesar de o presidente ter negado o ocorrido, Comey afirmou ter detalhes da conversa que comprovariam o que disse.
Charles Schumer alegou que a versão de Comey contradiz o que disse o diretor do FBI em exercício, Andrew McCabe, de que não há esforços por parte dos republicanos para barrar as investigações sobre a interferência russa nas eleições norte-americanas de 2016. Isto fez com que um possível impeachment de Trump entrasse na pauta política do momento, ao mesmo momento que uma pesquisa indicou que 48% dos americanos são favoráveis ao impedimento do presidente.
Contudo, apesar de diversos políticos democratas e até alguns republicanos já terem se manifestado favoráveis, é necessário levar em conta que nunca um presidente norte-americano foi impedido, muito embora três deles quase o tenham sido. Para entender o porquê das dificuldades de um impeachment, é preciso compreender como esse mecanismo legal funciona no sistema político dos EUA.
O impeachment nos EUA
Da mesma forma que no Brasil, o impeachment é um processo jurídico-político, portanto, não necessita da ocorrência um crime para ser acionado.
Por um lado, a Constituição diz que o impeachment pode ocorrer se o parlamento tiver convicção, ou seja, não precisa ter passado por julgamento jurídico de traição, suborno, ou qualquer outro crime de alta gravidade. Por outro lado, o que define “crime de alta gravidade” depende tão exclusivamente da interpretação parlamentar.
Esse processo se dá em três etapas muito similares à como ocorre no sistema brasileiro. Primeiro, a proposta do impeachment passa pela Câmara dos Deputados, que atua como investigador e procurador, necessitando de maioria qualificada de dois terços dos votos para ser aprovada. Em segundo, o Senado, que atua como juiz e como júri, organiza um julgamento presidido pelo ministro da Suprema Corte que, no caso brasileiro, seria o STF. Em terceiro, o Senado vota sua convicção sobre o tema também com maioria qualificada.
Os casos de impeachment
Houve três casos em que o impeachment quase passou pelas três etapas.
Andrew Johnson, que foi presidente de 1865 a 1869, passou pelas duas primeiras etapas em um processo que se deu quase que exclusivamente por oposição política ao invés de criminal, mas não foi condenado pelo Senado na terceira etapa.
Já o republicano Richard Nixon, em 1973, após ter demitido o procurador que investigava os grampos ilegais feitos por ele contra o partido democrata – caso muito similar ao de Trump contra Comey -, renunciou ao cargo logo antes de a proposta passar pela Câmara.
Por último, o democrata Bill Clinton, que governou de 1993 a 2000, foi alvo de uma perseguição por parte dos republicanos devido ao seu caso amoroso com a secretária Monica Lewinsky, a despeito de ele ter sido responsável por diversos atentados contra os direitos humanos em intervenções militares na Somália em 1993, Ruanda em 1994 e, Sérvia, em 1999. O impeachment passou na Câmara, no julgamento do Senado, mas não obteve maioria qualificada na terceira etapa do processo, sendo assim absolvido.
O caso Trump
Agora, em 2017, os republicanos dominam tanto a Câmara quanto o Senado. Para ser julgado culpado na última etapa são necessários 63 votos favoráveis e, para absolver, no mínimo 34 contrários.
Apesar de alegar-se que Nixon quase foi impedido por obstrução de justiça, na realidade o que levou a esse processo foi a grande mobilização de massas contrárias à política intervencionista de Nixon no Vietnam, assim como sua derrota nessa guerra genocida. Agora, não pode haver dúvidas: um impeachment depende quase exclusivamente da mobilização das forças populares, qualquer ilusão na “institucionalidade” norte-americana é um grave erro de análise.
Neste sábado, dia 20, Comey declarou que vai testemunhar no Senado sobre a investigação que comandava até ser demitido, sobre a interferência da Rússia nas eleições de 2016 e o possível contato com o comitê de campanha de Trump.
Além do fato que esse testemunho – que ainda não tem data marcada – provocaria uma enorme perda de credibilidade para o presidente por conta da enorme repercussão que certamente terá, insere o legislativo norte-americano no processo de investigação. Isto é importante atentar, pois é uma competência do legislativo a possível tramitação de um impeachment contra Trump. Deputados da Câmara passaram a reivindicar uma comissão própria da casa para apurar os fatos, de forma similar com que ocorreu no 11 de setembro.
O confronto com o stablishiment pode lhe custar o impeachment?
Donald Trump foi eleito com o discurso de que seu objetivo era “Fazer a América Grande Novamente”. Era uma resposta à decadência relativa dos EUA enquanto uma potência política e econômica mundial, tanto ao nível interno, quanto externo.
Ao fracasso das ocupações do Iraque, em 2001, e Afeganistão, em 2003, somaram-se os efeitos da crise econômica de 2007-2008. A sensação que foi ficando era de que o “American Dream” (sonho americano) havia ficado definitivamente para trás.
Para uma parte das classes dominantes e do próprio povo, a responsabilidade por essa situação recaiu sobre a globalização neoliberal e a ordem mundial hegemonizada pelos EUA. Como saída, da mesma forma que setores de direita de outros países, como Marie Le Pen na França, Trump pregou uma saída nacional-imperialista, autárquica e protecionista.
No front externo, dentre outras mudanças, isso implicava um distanciamento da China e a reaproximação com a Rússia. Tratava-se de um claro giro na política externa, abrindo um período de choques violentos com o establishment, tanto dos republicanos, quanto dos democratas.
Em pouco mais de cem dias de governo, isso já havia lhe custado pesadas derrotas. Pessoas de seu staff reconhecidamente favoráveis à aproximação da Rússia foram violentamente atacadas pela própria cúpula do partido republicano.
Logo no primeiro mês de governo, Michael Flynn, Conselheiro de Segurança Nacional, investigado por estabelecer relações ilegais com a Rússia, foi obrigado a renunciar, sendo substituído por uma figura tradicional do Partido Republicano alinhada a John McCain, principal opositor republicano de Trump: o general H. R. McMaster.
Depois, no começo de abril, Trump demitiu do Conselho de Segurança Nacional seu estrategista de campanha, Steve Bannon, homem responsável pelo site de notícias de extrema-direita, Breitbart.
Isso foi implicando uma reorganização significativa por parte dos republicanos com o objetivo de enquadrar o governo. O inesperado ataque com 59 misseis Tomahawk à Síria, um claro sinal de desafio à Rússia, foi um sintoma de que as coisas pareciam andar nessa direção.
O aceno com o impeachment por parte dos Democratas indica que eles querem ir mais além. É uma hipótese que não pode ser totalmente descartada se Trump insistir com sua intenção de modificar a política externa. Mas esse parece não ser caso. Sob a pressão dos republicanos havia uma mudança em curso. Vejamos o resultado global do seu giro pelo Oriente Médio.
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