Publicado originalmente na Revista Vírus.1
O objetivo deste texto não é dizer o que é pós-modernismo, mas sim o que não é. Marxistas mecanicistas e feministas radicais trans-excludentes (TERFs) juram ver pós-modernismo por todos os lados. O objetivo deste texto é provar que o que essas pessoas veem não é pós-moderno.
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Definição de pós-modernismo
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Há algumas décadas, alguns marxistas identificaram uma certa corrente de pensamento, em particular na intelectualidade, que refletia as ideias de Jean-François Lyotard que estão expostas no livro A Condição Pós-Moderna.
Nas palavras de Lyotard, em seu livro de 1979: “Simplificando ao máximo, ‘pós-moderno’ é a incredulidade em relação às metanarrativas”. Uma metanarrativa é uma narrativa sobre narrativas, ou seja, uma teoria que explique a história, a experiência ou o conhecimento humano. Pós-moderno é quem rejeita teorias (supostamente) universalizantes, que buscam explicar, na totalidade, a humanidade, a História, as transformações do mundo em que vivemos.
Dois exemplos de metanarrativas dadas pelo próprio Lyotard são as teorias de Hegel e de Marx: “não podemos mais recorrer à grande narrativa – não podemos nos apoiar na dialética do espírito nem mesmo na emancipação da humanidade para validar o discurso científico pós-moderno”.
Vale ressaltar que os marxistas coerentes nunca se valeram da “emancipação da humanidade” para justificar qualquer afirmação científica, e também que o marxismo nunca pretendeu ser uma explicação de tudo, mas sim de como se articula o todo, quais suas bases e qual a sua dinâmica.
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O abismo entre a intelectualidade acadêmica e o senso comum
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A principal questão que os marxistas parecem ter se esquecido é que há um abismo entre as teorias acadêmicas e o senso comum. A maioria dos acadêmicos, com sua linguagem própria e sua típica arrogância, não se preocupam em difundir suas teorias de forma popular. Esta atitude perversa se fundamenta especialmente na ideologia meritocrática, que prega que apenas algumas pessoas estariam naturalmente à altura de compreender o conteúdo das teorias acadêmicas.
Conforme Gramsci, na Igreja Católica, por exemplo, as teorias são elaboradas constantemente tanto no Vaticano quanto nas congregações de bispos e difundidas socialmente pelos padres. O resultado é que há uma conexão entre a produção teórica e o senso comum. Os pós-modernos não aprenderam a fazer isso. Aliás, isso também é verdade para a vasta maioria dos marxistas, que também refletem a linguagem elitista acadêmica, distante da linguagem popular.
Há diversos termos classificados como pós-modernos, como empoderamento e lugar de fala. O problema é que os termos, nas teorias originais, sejam pós-modernos, é preciso ainda analisar o significado que eles adquirem popularmente.
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Individualismo é pós-modernismo?
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Uma atitude muito comum dos marxistas e também das TERFs é taxar de individualista certas demandas de certas pessoas oprimidas e, com isso, justificar que seriam pós-modernas.
O problema teórico aqui é óbvio. Em primeiro lugar, individualismo é uma ideologia do sistema capitalista. Por exemplo, ainda que a defesa da própria identidade fosse uma atitude individualista, o que é um absurdo, isso não classificaria a identidade de gênero como pós-moderna.
Por outro lado, é óbvio que não é individualismo defender os próprios direitos. Mas também é verdade que, no atual sistema, devido à ideologia individualista, é muito difícil que as pessoas se solidarizem pelos direitos alheios. Sendo assim, o individualismo está no fato das TERFs e dos marxistas mecanicistas de taxarem como individualistas os direitos das outras pessoas oprimidas.
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O neoliberalismo é pós-moderno?
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Yoshihiro Francis Fukuyama publicou um livro em 1992, O Fim da História e o Último Homem, considerado a manifestação mais concreta da ideologia neoliberal. Muitas pessoas juram que é pós-moderno. O título, por outro lado, deve já nos oferecer uma pista de que isso não é verdade. Se Fukuyama, assim como Hegel, teoriza que o Fim da História é o sistema capitalista, então isso é uma metanarrativa. De fato, Yoshihiro não recorre a Lyotard para explicar por que o socialismo chegou ao seu fim e o capitalismo venceu, mas sim ao evolucionismo vulgar. Ele, de fato, prega a existência de uma totalidade: o Estado Liberal e o Livre Mercado.
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Identidade de gênero é pós-moderna?
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De fato, é ridículo pensar que o conceito “identidade de gênero” carrega, em si, a ideia de que se deve negar as metanarrativas. Aliás, ele nem sequer tem origem pós-moderna.
O conceito identidade de gênero foi criado por Sigmund Freud em 1905 para explicar o momento a partir do qual as crianças adquirem consciência de seu gênero. Já em 1910, Magnus Hirschfeld, o maior ativista homossexual da época e também sexólogo, publicou um livro em que ele já explicava o “travestismo” (sic) como uma característica inerente à pessoa, e não apenas um maneirismo de vestir-se com roupas do gênero oposto, muito menos uma doença. Mais tarde, criou o termo “transexualismo” (sic), que ele também não considerava doença.
Em 1958, o Gender Identity Research Project do UCLA Medical Center, Los Angeles, Califórnia, EUA, começou a estudar a identidade de gênero de pessoas intersexuais e transexuais.
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A ironia
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Lyotard afirmou que o mundo estava entrando na condição pós-moderna e que cada vez mais as metanarrativas seriam expulsas do mundo. A ironia é que muitos marxistas mecanicistas acreditaram nele e realmente acham que a situação atual da humanidade é pós-moderna.
Nós podemos, entretanto, buscar o tal pós-modernismo em todas as entidades LGBTs, negras, feministas, nas páginas de Facebook, etc, e mesmo assim teremos muita dificuldade em encontrar alguém afirmando o fim das metanarrativas. É possível, de fato, encontrar algumas ideias que são, de certa forma, distorções dessa ideologia, mas elas dificilmente alcançam o senso comum. O pós-modernismo influencia parte da intelectualidade, mas não late nem morde.
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