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EDITORIAL

Curitiba, 10 de maio: quais lições ficam para a esquerda socialista?

Protesto neste 10 de maio em Curitiba

Editorial 11 de maio

Durante todo o dia de ontem (10),  acompanhamos com atenção os acontecimentos ao redor do depoimento de Lula ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba. Esse fato político de inegável importância na conjuntura nacional merece uma interpretação reflexiva. Acreditamos que um olhar crítico e desprendido das narrativas hegemônicas permite entender que os eventos do último 10 de maio estiveram repletos de demonstrações tanto da arbitrariedade autoritária da Operação Lava Jato, como da continuidade de uma estratégia equivocada da parte de Lula.

O depoimento de Lula
O depoimento de cinco horas de Lula perante o Juiz Sérgio Moro, assim como a cobertura tendenciosa da grande mídia, antes e depois da audiência, causa repulsa para a maioria dos ativistas da esquerda brasileira.

Temos uma forte posição contra a criminalização sem provas de Lula e do PT. Isso não significa, de nenhuma maneira, um apoio político ao projeto petista. A defesa de liberdades democráticas e o combate ao caráter reacionário da Lava Jato não podem se confundir com a defesa de um projeto que reedite a aliança com as grandes empresas e seus partidos. A classe trabalhadora brasileira precisa aprender com os seus erros.

Léo Pinheiro e Ricardo Duque são nomes a todo o momento utilizados nos processos da Lava Jato. Suas delações embasam a acusação dos procuradores de Curitiba. Ficou óbvia, no depoimento, a incrível fragilidade jurídica das acusações. Até o presente momento, não foram apresentadas provas contundentes contra Lula que justifiquem uma condenação. A relação de Lula com as grandes empreiteiras brasileiras, que consideramos sem tergiversar um grave “crime político”, não é um crime do ponto de vista do ordenamento jurídico burguês.

O que sim fica evidente é até que ponto chegou o projeto de aliança com as grandes empresas e seus partidos, construído pelo PT. Trocas de favores com as grandes empreiteiras e relações totalmente abusivas ficaram explícitas. Este foi o grande crime político do Partido dos Trabalhadores, entrar no jogo que todos os grandes partidos fazem. Quem paga a banda, escolhe a música e foi essa relação que sustentou os gastos milionários das campanhas petistas.

Ao adaptar-se ao jogo do poder, o PT perdeu o seu diferencial. Deixou de ser o partido da classe trabalhadora para fazer, nas palavras de Lula, o partido que “uniu o sindicalista e o grande empresário”. Isso, evidente, não é motivo para a prisão de Lula. É um crime político. É preciso que lutemos para que os trabalhadores compreendam os profundos limites da estratégia de colaboração com a burguesia. Retirem lições do ocorrido.

Pensar que essas conclusões podem ser tiradas pela classe trabalhadora brasileira desde um julgamento político autoritário e funcional à tramitação das reformas da burguesia seria um grave erro oportunista. Em outras palavras, acreditar que a tarefa de superar a direção petista e sua estratégia de colaboração de classes pode ser dirigida por Sérgio Moro e pelos procuradores de Curitiba é um grande engano. Não vai surgir nada progressivo daí.

No depoimento, Lula não abaixou a cabeça para a intimidação de Moro. Mostrou força. Por outro lado, as palavras de Lula durante todo o dia de ontem, em Curitiba, não deixaram de manifestar a fraqueza histórica do projeto de conciliação de classes.

Lula fez questão de falar que fortaleceu o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal. Falou com um orgulho sincero do seu respeito pelas instituições que estão sendo seus algozes políticos. A burguesia, ao contrário, não respeitou suas próprias instituições, apesar da fidelidade petista. Implementaram um golpe parlamentar contra Dilma, estabeleceram um processo de exceção contra o PT. O dia de ontem demonstrou, uma vez mais, que isso não foi o suficiente para que Lula revisse sua estratégia de buscar uma nova conciliação.

O ato em defesa de Lula
Em seguida ao depoimento, Lula fez um discurso na Praça Santos Andrade, Centro de Curitiba, no ato que manifestava sua defesa não apenas democrática, mas também política. Talvez esse momento tenha deixado ainda mais explícita do que o depoimento, as limitações estratégicas da direção petista. Em sua intervenção, Lula simplesmente não mencionou uma vez sequer o “Fora Temer”, o chamado a uma nova Greve Geral, a convocação a derrubar as reformas, ou o chamado ao Ocupa Brasília. É ingênuo pensar que tais omissões tenham sido por acaso.

No ato, Lula limitou-se a defender sua história e seu direito a ser candidato em 2018. A essência de sua luta é provar que é o melhor para governar o país. Ser confiável novamente, inclusive do ponto de vista da burguesia. Dessa maneira, Lula abdica de buscar protagonizar e estimular um autêntico movimento de massas contra as Reformas e que coloque o governo Temer em xeque. Acreditamos que é isso que precisava ser feito.

A Esquerda socialista na encruzilhada
Estamos vivendo momentos históricos. Por um lado, a classe trabalhadora voltou a lutar, organizou uma resistência nacional e coordenada contra o ajuste. Por outro, o governo Temer mantém o plano de ataque aos trabalhadores. Sem popularidade, sua única saída é se apoiar na classe dominante. Há outro setor burguês em campo, representado por uma parte do poder judiciário e pela Operação Lava Jato. Este bloco busca uma reforma regressiva na política brasileira.

O golpe parlamentar e as consequências da Lava Jato são um divisor de águas para a esquerda. Quem não compreende o real significado desses dois eventos, dificilmente entenderá a necessidade da frente única para enfrentar os ataques em curso, devido à ofensiva da burguesia. Também não entenderá que o golpe parlamentar interrompeu o processo de experiência do movimento de massas com o PT e Lula e seu programa de alianças com as grandes empresas e seus partidos. O PT e Lula novamente se fortaleceram para milhares de ativistas que surgiram no calor das lutas contra o golpe e contra os ataques de Temer.

Uma visão errada desses processos levará, inevitavelmente, a uma política sectária para a classe trabalhadora. Um isolamento do melhor da vanguarda, o que, mesmo que se deseje o contrário, só fortalecerá a direção de Lula e do PT.

Porém, a importância da Frente Única não diminui a necessidade de construir uma alternativa política. Abdicar dessa tarefa diante do reposicionamento de Lula e do PT seria o suicídio da esquerda socialista brasileira. Mais do que nunca, é necessário apresentar uma proposta alternativa com um novo programa que supere a conciliação de classes. Esse programa não passa por Lula. Seria a reedição de um erro.

O caminho é uma Frente de Esquerda entre o PSOL, PSTU, PCB e movimentos como o MTST. O PSOL deu um primeiro passo, lançando o nome do deputado federal Chico Alencar. Mas, a verdade é que essa tarefa segue atrasada. Devemos construir essa alternativa política no calor das lutas contra Temer e suas reformas. O dia de ontem, em Curitiba, reafirmou a urgência dessa iniciativa.