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Suicídio não é piada

Travesti Socialista

Travesti socialista que adora debates polêmicos, programação e encher o saco de quem discorda (sem gulags nem paredões pelo amor de Inanna). Faz debates sobre feminismo, diversidade de gênero, cultura e outros assuntos. Confira o canal no Youtube.

Por Travesti Socialista, colunista do Esquerda Online.

 Uma notícia falsa de 2015 começou a circular nas redes e teve efeitos bem reais. A notícia dizia respeito a um suposto jogo chamado Jogo da Baleia Azul, em que as pessoas cumpriam vários desafios, sendo que o desafio final seria cometer suicídio. Embora a notícia inicial fosse falsa, muitas pessoas começaram a “jogá-lo”. O jogo tornou-se real.

Infelizmente, a reação nas redes sociais mostra quanto preconceito ainda existe sobre o assunto. Surgiram brincadeiras e piadas. Isso se deve ao senso comum, que acredita que a principal causa de suicídio é a fraqueza do indivíduo. Mas isso não condiz com a realidade.

Um problema mundial de saúde pública

Segundo relatório da OMS, uma pessoa comete suicídio a cada 40 segundos no mundo. O suicídio é a terceira maior causa de morte entre pessoas de 15 a 35 anos. No Brasil, de 2000 a 2012, a quantidade de suicídios cresceu 17,8% entre as mulheres e 8,2% entre os homens, causando a morte de 9198 homens e 2623 mulheres.

Apesar do número de suicídios ser maior entre os homens, o número de tentativas de suicídio é maior entre as mulheres. Isso se deve principalmente ao fato que a maioria das tentativas de suicídio das mulheres ocorre em casa, na maioria das vezes por ingestão de medicamentos ou substâncias tóxicas, enquanto a dos homens ocorre fora de casa.

Em uma pesquisa feita no Paraná,[1] as tentativas de suicídio foram mais frequentes em pessoas entre 20 e 29 anos (34%), em ocupação doméstica (24%) ou estudante (20%), com escolaridade menor que 8 anos (66%).

Pesquisas[2] apontam que, entre as pessoas que tentam cometer suicídio, há uma “elevada incidência de experiências adversas durante o desenvolvimento emocional, entre as quais encontram-se uma infância marcada pela presença de indicadores de negligência emocional, rejeição na infância e na adolescência, violência física, verbal e sexual intrafamiliar. Conflitos relacionais graves e separações recentes também foram identificados como fatores precipitadores das tentativas de suicídio”.

O Mapa da Violência[3] mostrou que índice de suicídio é 6 vezes maior entre indígenas do que na média nacional, 12 vezes maior entre os Guarani-Kaiowá. Latifundiários, que invadem as reservas indígenas e expulsam os povos nativos à bala, são os principais culpados por essa situação desastrosa. A população Guarani-Kaiowá era composta por 1,5 a 2 milhões de pessoas antes da colonização portuguesa. Hoje, existem apenas 50 mil Guarani-Kaiowás, uma amostra do genocídio indígena praticado no Brasil.

Dentre as pessoas trans, cerca de 40% já tentaram cometer suicídio alguma vez na vida. Se usarmos a média de 1 suicídio para cada 40 tentativas, estimamos que a taxa de suicídio é de cerca de 1000 suicídios a cada 100 mil pessoas trans, contra 5,3 suicídios para cada 100 mil habitantes no Brasil. Isso aponta que o suicídio causa muito mais mortes de pessoas trans no Brasil do que o assassinato. A violência psicológica também é fatal.

Uma sociedade doente

O suicídio tem causas sociais. A opressão contra a mulher, contra os povos indígenas, as LGBTIs, pessoas negras, assim como as precárias condições de vida, violência psicológica e física, tudo isso contribui para aumentar a quantidade de suicídios. Não ajuda em nada blasfemar contra pessoas que sofrem de depressão ou que já realizaram alguma tentativa de suicídio. As piadas, em vez de ajudar, contribuem para aumentar a baixa autoestima dessas pessoas.

Concluo o meu texto com uma citação de Marx, do livro Sobre o Suicídio.

“Tudo o que se disse contra o suicídio gira em torno do mesmo círculo de ideias. […]. Em poucas palavras, faz-se do suicídio um ato de covardia, um crime contra as leis, a sociedade e a honra.

[…]. Acreditou-se que se poderiam conter os suicídios por meio de penalidades injuriosas e por uma forma e infâmia, pela qual a memória do culpado ficaria estigmatizada. O que dizer da indignidade de um estigma lançado a pessoas que não estão mais aqui para advogar suas causas? De resto, os infelizes se preocupam pouco com isso e, se o suicídio culpa alguém, é antes de tudo as pessoas que ficam, já que, de toda essa grande massa de pessoas, nem sequer um indivíduo foi merecedor de que se permanecesse vivo por ele. As medidas infantis e atrozes que foram inventadas conseguiram combater vitoriosamente as tentações do desespero? Que importam à criatura que deseja escapar do mundo as injúrias que o mundo promete a seu cadáver? Ela vê nisso apenas uma covardia a mais da parte dos vivos. Que tipo de sociedade é esta, em que se encontra a mais profunda solidão no seio de tantos milhões; em que se pode ser tomado por um desejo implacável de matar a si mesmo, sem que ninguém possa prevê-lo? Tal sociedade não é uma sociedade; ela é, como diz Rousseau, uma selva habitada por feras selvagens.”

[1] http://www.scielo.br/pdf/csp/v29n1/20.pdf

[2] http://files.bvs.br/upload/S/0100-0233/2010/v34n1/a1418.pdf

[3] http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Previa_mapaviolencia2014.pdf

Marcado como:
baleia azul / Suicídio