Gestão tucana não moveu um milímetro para poder fortalecer rede e políticas de combate à violência
Por: Luka, jornalista e suplente pela Zona Oeste no Conselho Municipal de Política para Mulheres | Publicado originalmente em Opera Mundi e reproduzido no Esquerda Online com autorização da autora
João Dória Jr completou 100 dias de mandato como prefeito em São Paulo. Muitos já falaram do caráter marqueteiro que estes 3 meses de governo. Há também o debate sobre os congelamentos realizado em cima do orçamento do município em confronto direto com os levantamentos realizados pela CPI da Dívida Ativa que segue na Câmara de Vereadores de São Paulo. A dívida existente de bancos e multinacionais para com a cidade de São Paulo chega a ser duas vezes maior que o orçamento aprovado no final de 2016 para o município. Todas estas questões mais gerais têm impacto direto em políticas públicas que beneficiam a população mais vulnerável e marginalizada da cidade. O que mais me preocupa é a situação da rede de enfrentamento à violência contra mulher. A cidade que João Dória Jr apresenta em seu balanço de 100 dias parece um comercial de margarina, quando a realidade é bem diferente.
A situação não é dramática apenas nos últimos 100 dias. Segundo o Boletim Eletrônico da secretaria estadual de segurança pública de São Paulo, só na capital, são mais de 40 mil ocorrências contra mulheres das mais diversas em nosso município entre 2015 e o inicío de 2017. Isso porque não se contabiliza nos dados de violência contra mulher as questões relacionadas à transfobia e esta é uma questão que todas que lidam com o debate de enfrentamento à violência contra mulher precisam se debruçar, visto que o Brasil é o pais que mais mata travesti no mundo e que no município de São Paulo tivemos a “Operação Tarantula” que perseguia nos anos 80 as travestis de nossa cidade, inclusive, algumas desapareceram nesse período e nunca mais foram encontradas.
Os 100 dias de governo Dória colocaram na UTI a política de enfrentamento à violência contra mulher. Foi para a UTI por que já não vinha tendo a atenção devida há tempos, política pública para mulheres sempre foi uma dificuldade de se ter como prioridade ao pensar uma cidade, estado ou país. Por exemplo, o ônibus de atendimento a mulheres em situação de violência contra mulher está estacionado, falta pagar o IPVA, acertar multas tomadas por que o equipamento rodou sem o devido plaqueamento ou em dias de rodízio. A João Dória Jr e Patrícia Bezerra, secretária municipal de direitos humanos e cidadania, cabe a pergunta: por que ainda não foi regularizada situação do serviço? e: qual o prazo para voltar a rodar? A Fernando Haddad e Denise Motta Dau, ex-secretaria municipal de política para mulheres, cabe a perguntar: por que este serviço não tinha dispensa em dias de rodízio visto a natureza da demanda a ser atendida pela unidade móvel? A gestão passada também cabe perguntar: por que este serviço não possuía equipe própria, muitas vezes desfalcando equipe de outros equipamentos da rede de enfrentamento? A gestão Dória cabe cobrar que ao regularizar a situação da unidade móvel esta tenha equipe própria, de preferência concursada, para que possamos fortalecer a rede de enfrentamento e não colocá-la em situação ainda mais periclitante.
Em 100 dias de governo Dória nenhuma ação realmente enérgica para lidar com os flancos existentes na rede municipal de enfrentamento à violência contra mulher foi tomada. O que existiu foram argumentos de fuga por parte da SMDHC (Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania), Coordenadoria Municipal da Mulher e SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) sobre os problemas que persistem e se aprofundam na rede.
Também enfrentamos um operativo político da gestão tucana para dificultar a participação das mulheres no processo de definição do “Plano de Metas” ao marcar as audiências no mesmo período de construção da “Conferência Municipal de Saúde da Mulher”. Ao entrar nos detalhamentos do enxuto plano de João Dória é perceptível o descaso, no eixo de segurança urbana não há uma linha sobre o programa “Guardiã Maria da Penha”. Também não há menção as metas e objetivos consolidados no 1º Plano Municipal de Políticas para Mulheres, que já tem prazos que vencem neste primeiro ano de mandato.
Além disso, urge pensarmos efetivamente a quem a política de enfrentamento a violência contra mulher atinge realmente? Como acolher mulheres em situação de violência que estão em profundo processo de vulnerabilidade e recorrem ao álcool e drogas? Para além da estrutura de atendimento no município a forma como este atendimento está construído é importante ter algumas práticas reorganizadas para efetivar um real processo de ruptura da mulher com a situação de violência. Ao termos que travar o embate para se manter o mínimo do mínimo de estrutura de serviços acabamos não avançando em debates de como deve se efetivar o acolhimento das mulheres cis e trans em situação de violência.
A questão é que em 100 dias o governo Dória poderia ter dado uma resposta positiva sobre a forma como a política de enfrentamento a violência contra mulher seria consolidada, ampliada e refletida, porém a única coisa feita foi apresentar uma forma mais efetiva para desmontá-la. A extinção da SMPM (Secretaria Municipal de Política para Mulheres) é símbolo disso, por mais que se tenha críticas ao governo petista, quando se desmonta uma secretaria se diminui brutalmente a forma de potencializar e organizar a política para qual ela serve. Ou seja, hoje há uma coordenadoria profundamente assoberbada e que não consegue dar respostas de como efetivar o 1º Plano Municipal de Política para Mulheres, pensar um processo de expansão da rede de enfrentamento que consiga dar conta da demanda existente no município e ajude a garantir os direitos humanos das mulheres, sem colocá-las dentro de um perfil ou molde, e ao mesmo tempo que combata o sucateamentos dos equipamentos já existentes garantindo sua adequação à Norma de Uniformização dos Centros de Referência para as mulheres.
A verdade é que João Trabalhador decidiu, nestes 100 dias, colocar a já sensível política de mulheres do município na UTI e mostrando que apenas trabalha pela manutenção da violência em nossa cidade e pela passada de pano àqueles que devem ao município.
[+] Carta Aberta das Redes de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres de São Paulo
[+] Carta sobre a situação de desmonte das políticas para as mulheres em São Paulo
Foto: Wikicommons/ George Gianni
Comentários